Esqueça por um
momento “Sabrina” (1954), “Quanto Mais Quente Melhor / Some Like it Hot”
(1959), “Se meu Apartamento Falasse / The Apartment” (1960) e “Cupido não tem Bandeira / One, Two, Three” (1961). Billy Wilder, responsável por todas essas
charmosas comédias, também fez filmes mais sérios. “A Montanha dos Sete Abutres
/ Ace in the Hole” (1951) supera em seriedade “Farrapo Humano / The Lost
Weekend” (1945) e tem mais cinismo que “Crepúsculo dos Deuses / Sunset
Boulevard” (1950). E, graças à sua crítica contumaz aos jornalistas e ao
próprio público, criou um filme que fracassou, mas ressurgiu como uma profecia:
dificilmente uma produção de 1950 é tão atual.
Chuck Tatum (Kirk
Douglas) é um repórter de um pequeno jornal que está de passagem por uma cidadezinha.
Ele fica sabendo que Leo Minosa (Richard Benedict) está preso em uma caverna,
onde foi procurar cerâmicas indígenas, e logo chama seus colegas da redação
para cobrir o acontecido. Antes e depois de eles chegarem, Chuck começa seu
próprio show, usando muito sensacionalismo e apelando para a curiosidade
mórbida do público.
O título “ace in the
hole” pode ser traduzido como “uma carta na manga”, o ás que vai ganhar a
partida, ou seja, o furo de reportagem que Chuck encontra. Outro título
pelo qual o filme ficou conhecido é “The Big Carnival”, e de fato é um grande
festival que é organizado em torno do pobre homem soterrado. Em questão de
dias aquele pedaço poeirento e esquecido da América está em
evidência e a caverna, ou melhor, a montanha dos sete abutres, vira destino de
excursões familiares. E, como é de se imaginar, para que a história continue
gerando lucro, é necessário que Leo não seja resgatado tão cedo.
Chuck não é o
jornalista exemplar, pois já foi demitido de vários jornais do estado de Nova
York ao Novo México. Mesmo assim, o jovem fotógrafo Herbie Cook (Robert Arthur)
tem nele um ídolo. Mas esta admiração só durará até que o jovem Herbie chegue
ao palco do espetáculo e veja que Chuck convenceu as autoridades a escavarem um
buraco abaixo de Leo, o que demorará muito mais que o plano inicial.
Quem realmente lucra
com o movimento gerado pela tragédia é Lorraine Minosa (Jan Sterling), a esposa
de Leo, que trabalha em uma loja de beira de estrada que agora está cheia de
turistas. Não é difícil perceber que ela não gostava muito de Leo, e um símbolo
forte para essa relação é uma pele que Leo deu a Lorraine e que ela considera
extremamente vagabunda.
Wilder já tinha
muitos sucessos na carreira e passeava, como continuaria, por dramas e
comédias. Aqui ele teve seu primeiro fracasso. Nem o público nem a crítica
foram generosos com este estranho filme considerado noir e que mostra uma
realidade que muitos não gostariam de engolir. De fato, os jornalistas, ao lado
talvez apenas dos advogados, são os profissionais que, segundo o cinema, têm
nas mãos uma “faca de dois gumes”: podem fazer o bem ou o mal com suas
informações, conhecimentos e muita capacidade de manipulação.
O jornalismo
sensacionalista, ao que nos conta Billy Wilder, sempre existiu, uma vez que o
filme é baseado em uma história real, ocorrida em 1925 e que, apesar de ter
terminado com a morte de um homem soterrado, Floyd Collins, garantiu ao jornalista
que fez a cobertura da tragédia o prêmio Pulitzer. Outro caso relacionado foi
de uma criança que ficou presa em um poço durante muitos dias e teve sua
história explorada pela mídia. E por falar em exploração, o filme gerou uma
batalha judicial quando o ator Victor Desny, que foi creditado em um único
filme, acusou Wilder de plágio. Segundo Victor, ele havia ditado à secretária
de Wilder uma sinopse baseada na história de Floyd Collins dois anos antes de o
filme ser feito, e Wilder devia-lhe crédito. Em 1956, Wilder pagou uma
indenização a Victor. (Aqui o site do TCM traz informações erradas, pois fala
de Walter Newman e não de Victor Desny, prova de que nem a mais perfeita das
redes de televisão é perfeita).
No Brasil, onde esse
tipo de programa sensacionalista domina boa parte da tarde, o filme que melhor
representa esse fenômeno nem um pouco saudável da prática jornalística é “O
Bandido da Luz Vermelha” (1965). Para mim, a parte mais marcante do filme sobre
a trajetória de um criminoso é a narração sensacionalista, ainda tão atual.
Se há programas e
coberturas jornalísticas baseados na desgraça alheia, é porque o público gosta
de vê-los, e isso não é necessariamente culpa de um jornalista em particular,
mas sim daqueles que, tendo o poder de colocar no ar um programa ou imprimir um
jornal, optam pela audiência e pelas vendas. Seria mais irônico ainda se, assim
como no filme, esses jornais e redes de televisão tivessem em suas redações uma
placa com os dizeres: “Conte a verdade”.
Kirk Douglas está
excelente. Sua performance como homens de caráter duvidoso (como em “Assim
Estava Escrito / The Bad and the Beautiful”, filmado no ano seguinte). Wilder,
responsável pela direção, roteiro e produção do filme, pode não ter agradado
seus contemporâneos e aberto uma ferida no orgulho da imprensa, mas o tempo foi
o juiz e “A Montanha dos Sete Abutres / Ace in the Hole” mostrou-se mais um dos
muitos filmes à frente de seu tempo.
This is my
contribution to the “Breaking News: Journalism in Classic Film Blogathon”,
hosted by Jessica at Comet Over Hollywood and Lindsay at Lindsay’s MovieMusings. A real front page event!