} Crítica Retrô: Cabiria (1914)

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Friday, June 21, 2013

Cabiria (1914)

Uma única frase resumiria o filme “Cabiria”, de 1914: não é fácil. Não foi fácil fazê-lo, há quase cem anos, e não são todos os espectadores, nem mesmo todos os cinéfilos, que apreciariam este filme. Com uma trama dividida em cinco episódios e passado no terceiro século antes de Cristo, este, que é um dos primeiros épicos do cinema, tem sua carga de patriotismo, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, e muitas referências históricas.

A single sentence can summarize the film “Cabiria”, from 1914: it ain't easy. It wasn't easy to make it, almost a century ago, and not all viewers, not even the die-hard cinephiles, may like it.With a story told in five episodes and set in the third century b.D., this, one of cinema's first epics, has a strong patriotic feeling, just before World War I, and a lot of historical references. 

Cabiria é uma jovem princesa da Sicília, interpretada durante metade do filme por Carolina Catena, atriz infantil que atuou até 1915 e cuja biografia é tão obscura quanto um buraco negro. Quando ocorre uma erupção do vulcão Etna, ela está com sua babá, Croessa (Gina Marangoni), que faz de tudo para salvar a própria vida e a vida da menina. Junto com outros serviçais, Croessa e Cabiria escapam, mas chegam perto demais de um barco e são capturadas e levadas para Cartago para serem vendidas como escravas.

Cabiria is a young Sicilian princess, played during half of the picture by Carolina Catena, a child actress who worked until 1915 and whose biography is as obscure as a black hole. When the volcano Etna awakes, she is with her tutor, Croessa (Gina Marangoni), who does everything she can to save herself and the child. Croessa and Cabiria escape with other servants, but they get too close to a boat and are captured and sent to Carthage to be sold as slaves.

Cabiria e outras 99 crianças escravas são escolhidas como oferenda a um deus, e, portanto, devem ser queimadas na boca de uma imensa estátua em um templo igualmente impressionante. Croessa pede ajuda ao romano disfarçado Fulvius Axilla (Umberto Mozato) e ao escravo dele, Maciste (Bartolomeo Pagano), para resgatar Cabiria. Enquanto tudo isso acontece com as pessoas normais, um ataque a Roma vem sendo planejado por Aníbal (Emilio Vardanes), que aparece cruzando os Alpes, e Asdrúbal (Edoardo Davesnes), pai da princesa Sofonisba (Italia Almirante), cobiçada por muitos.

Cabiria and 99 other slave children are chosen to be sacrificed to a god, and for this they need to be burned at the mouth of a huge statue located in an equally impressive temple. Croessa asks Fulvius Axilla (Umberto Mozato), a Roman in disguise, for help. She also urges his slave, Maciste (Bartolomeo Pagano) to help rescue Cabiria. While all this is happening to the normal people, two noblemen plan to attack Rome: Anibal (Emilio Vardanes), who is seen crossing the Alps, and Asdrubal (Edoardo Davesnes), father of princess Sophonisba (Italia Almirante), a coveted princess.

Cabiria dá o nome ao filme, mas serve apenas de elo para a história. Ela liga os personagens e as situações reais, como as Guerras Púnicas (Roma contra Cartago). Mal se vê o rosto dela quando menina, e já moça, interpretada por Lidia Quaranta, também não está presente na tela durante muito tempo. Dependendo da origem do filme (como acontece na versão do YouTube), a atriz aparece creditada como Letizia Quaranta, irmã de Lidia.

The film is named after Cabiria, but the character is only a small piece in the story. She links the characters and the real-life situations, like the Punic Wars (Rome against Carthage). We barely see her face as a child, and as a young woman, played by Lidia Quaranta, she also doesn't have a lot of screen time. Depending on the source of the film (a YouTube version has this mistake), the actress appears with the name Letizia Quaranta, who was Lidia's sister. 

Uma escada humana / Human stairs

Muitos dos personagens representados aqui são figuras históricas verdadeiras, como todos os reis, cônsules e princesas envolvidos na guerra. Até o intelectual Arquimedes faz uma ilustre participação, criando uma engenhoca que destrói os navios romanos em uma sequência impressionante, difícil de imaginar que tenha sido filmada há quase cem anos (e tenha sido posta em prática há mais de dois mil anos!).

Many of the characters here are real historical figures, like all kings, consuls and princesses involved in the war Even the intellectual Archimedes has a cameo, creating a tool that destroys Roman ships in an impressive sequence that is difficult to imagine being filmed almost 100 years ago (and even more difficult to imagine it actually working over 2,000 years ago!).

Italia Almirante (também creditada como Italia Almirante-Manzini), intérprete da rainha Sofonisba, provavelmente a personagem feminina mais importante no enredo, tem ares de Theda Bara e não há palavras suficientes para elogiar sua atuação. Tinha como primos três atores e um diretor de cinema, e seus pais trabalhavam no teatro, mas traçou sua carreira de sucesso sem nepotismo. “Cabiria” consolidou sua carreira e transformou-a em diva do cinema mudo italiano. Aposentando-se após apenas um filme falado, em 1934, Italia fez uma turnê pela América do Sul, vindo a falecer em São Paulo em 1941, vítima de uma picada de inseto.

Italia Almirante (sometimes credited as Italia Almirante-Manzini), who plays princess Sophonisba, the most important female character in the film, looks a bit like Theda Bara and there are no words to compliment her acting. Three of her cousins were film actors, another cousin a director, her parents worked in the theater, but she achieved success without nepotism. “Cabiria” was a milestone in her career and turned her into a diva of the silent Italian cinema. After only one talkie, she retired in 1934 and started a tour through South America. She passed away in São Paulo in 1941 after being bitten by a bug.  

O personagem Maciste teve vida longa, apesar de um dos intertítulos do filme prever que ele não escaparia com vida. Em 1915, seguindo o sucesso do coadjuvante no épico, o diretor Giovanni Pastrone produziu um filme em que ele era o protagonista, dando origem a uma série de 26 filmes muito loucos estrelando Maciste e, por consequência, Bartolomeo Pagano. Nestas películas, o personagem foi sonâmbulo, policial, turista e atleta. Ele poderia aparecer em qualquer época e lugar. Nessas odisseias, quase todas disponíveis na Internet, também ficamos sabendo que Pagano era um ator branco que havia sido maquiado para parecer negro em sua primeira aparição no cinema. O absurdo só aumentou com o tempo e, com o renascimento de Maciste nos anos 50 e 60, somos informado de que ele se materializa em qualquer lugar que seja necessário a partir de pedras. Segundo Gabriele D’Annunzio, que colaborou no roteiro de “Cabiria”, Maciste é um dos nomes do herói Hércules, daí a força descomunal do personagem que, por sinal, nunca conquistava a protagonista. Mas nem tudo é bobagem no mundo do personagem: foi o filme “Maciste no Inferno”, de 1926, que influenciou Fellini a tornar-se cineasta.   

The character Maciste had a long life, even though one of the title cards of the film predicted he would not escape alive. In 1915, following the success of the supporting character of the epic, director Giovanni Pastrone produced a movie starring Maciste, and it was the beginning of a series of 26 very crazy movies starring Maciste and, of course, Bartolomeo Pagano. In these movies, the character was a sleepwalker, a cop, a tourist and an athlete. He could appear in any place or period. In these adventures, almost all of them available online, we learn that Pagano was a white actor who originally played Maciste in blackface in “Cabiria”. The absurdity only grew with time and, in the 1950s and 60s, when Maciste is reborn, we are told that he materializes himself in any place he's need through... rocks. According to Gabriele D'Annunzio, who worked with the script in “Cabiria”, Maciste is one of the names of the hero Hercules, what explains his super-human strength – but doesn't explain why he never got the girl in the end. But not everything is nonsense in this character's world: it was the film “Maciste in Hell”, from 1925, that influenced Fellini to become a filmmaker. 

O enredo é bastante denso, devido ao excesso de detalhes históricos, além das inovações que maravilharam D. W. Griffith e o inspiraram a filmar “Intolerância” (1916). O diretor Giovanni Pastrone cria cenas surpreendentes, aglomera multidões em frente às câmeras, comanda cenas perigosas até mesmo para dublês, reconstitui um passado distante e luxuoso e não dispensa muita ação, sendo pioneiro no uso de luzes artificiais e da movimentação de câmera (travelling).  

The plot is very dense, with a lot of historical details, and there are many innovations that marveled D.W. Griffith and inspired him to make “Intolerance” (1916). Director Giovanni Pastrone creates surprising scenes, agglomerates crowds in front of the cameras, commands scenes that are dangerous even for professional doubles, reconstructs a distant and luxurious past and uses a lot of action, being a pioneer in the use of artificial lighting and camera travellings. 

O custo de dois milhões de liras (250 mil dólares na época) compensou. Além do sucesso internacional, “Cabiria” conquistou a honra de ser o primeiro filme a ser exibido dentro da Casa Branca. Vindo de uma série italiana de épicos, como “Quo Vadis?” e “Os Últimos Dias Pompeia”, ambos de 1913, este filme consolidou o gênero, sendo suficiente para Scorsese afirmar que Pastrone inventou o gênero épico. E não foi à toa que os melhores épicos foram filmados justamente na Itália, ou melhor, na Cinecittà.

The cost of two million lire (250,000 dollars at the time) paid off. Besides the international success, “Cabiria” had the honor to be the first film to be shown inside the White House. Coming from a series of Italian epics, like “Quo Vadis?” and “The Last Days of Pompeii”, both from 1913, this film consolidated the genre, and Scorsese even said that Pastrone invented the epic. And it wasn't a coincidence that the best epics were filmed in Italy, that is, in the Cinecittà Studios.

Cabiria” (1914) está disponível no YouTube e no Internet Archive (neste, sem trilha sonora).

“Cabiria” is availabe at YouTube and Internet Archive (without a soundtrack in the latter). 


This is my second contribution to the Italian Film Culture Blogathon, hosted by the Nitrate Diva. In the banner, Italia Almirante and Anna Magnani.



P.S.: Deixem nos comentários a opinião geral de vocês sobre os filmes mudos. Ela será usada como pesquisa para um futuro post. 

10 comments:

  1. Um filme histórico com muita história. Adorei a dica, Lê.
    Baita clássico.
    Beijos <3

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  2. ah, esse eu não vi. está na minha lista há anos. beijos, pedrita

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  3. Belo texto, Lê. Tenho esse épico na minha coleção, mas ainda não o vi.

    O Falcão Maltês

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  4. Oi Letícia! Acabei de descobri seu blog e estou AMANDO. Tem vários filmes aqui que nunca nem tinha ouvido falar! :D
    Acabei de começar meu blog e meu foco também vai ser cinema. Vou adorar se uma experiente na área passasse por lá! hahaha
    Beijão!
    Carol

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  5. Le - you are to be congratulated on sitting through this film. Thank you for noting its historical importance. Great review, my friend!

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  6. Ola querida amiga,este filme eu não vi,mas ouvi muito á respeito.Está brilhante a postagem.Meus cumprimentos e meu abraço.SU

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  7. Sinceramente Lê... não tenho o que falar dessa obra prima do cinema mundial. Era incrível o que os produtores de antigamente faziam mesmo sem recursos. Fico encantada e até emocionada com esses filmes antigos. É bonito ver o cinema em seus primórdios com tanta qualidade.

    Excelente post!
    Beijos.

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  8. Não tenho muita experiência com o cinema mudo, mas parece ser um filme bastante interessante.

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  9. Oi Lê

    Já ouvi falar desse filme. Mas ainda não assisti.
    Suas dicas são muito interessantes.
    Bjs.

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  10. Ainda não vi Cabiria mas já li muito sobre ele. Preciso adquirir mais títulos de filmes mudos em minha coleção pois tenho a impressão que estou perdendo grandes filmes dessa época.
    Parabéns pelos texto,rico em informações Lê.

    Abração

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