Hollywood, Jews and the Harvard issue
Um livro foi publicado pela Universidade de
Harvard. Nenhuma novidade nesse fato. O livro é sobre história do cinema.
Também não é novidade, mas o fato já passa ser mais interessante. O autor do
livro, judeu, defende a tese de que os magnatas de Hollywood colaboraram com o
nazismo. Agora, sim, está criada a confusão. Em meio a elogios de leigos e
críticas de especialistas, “The Collaboration: Hollywood’s Pact with Hitler” se
tornou um dos livros mais debatidos recentemente.
A book was published by
the Harvard University. Nothing new about this. The book is about film history.
This is also nothing new, but it is more interesting. The author, a Jew,
defends the thesis that Hollywood moguls collaborated with Nazism. Now the
issue is created. Between compliments made by people who know nothing about the
subject and critics made by experts, “The Collaboration: Hollywood's Pact with Hitler”
became one of the most talked about books lately.
A Alemanha era um mercado importante para o
cinema americano e, por causa disso, na década de 1930, os estúdios teriam
decidido cortar qualquer referência contrária à doutrina nazista e exterminar
os personagens judeus. Isso é o que afirma o autor Ben Urwand. E ele solta uma
bomba: a bordo de um navio, um mês depois do Dia D, magnatas de Hollywood e
nazistas se reuniram para fazer negócio. Essas acusações geraram uma batalha na
imprensa, sendo que uma das guerreiras mais atuantes na defesa de Hollywood é
Alicia Mayer, sobrinha-neta de Louis B. Mayer. Não, Alicia não tem nenhum
interesse financeiro na MGM: ela trabalha como editora e vive na Austrália. Mas
está comprometida com a verdade e com a honra de sua família.
Germany was an important
market for American cinema and, because of that, in the 1930s, the studios may
have decided to cut any reference against Nazism and erase all Jewish
characters. This is what author Ben Urwand affirms. And he says more: aboard a
ship, one month after the D-Day, Hollywood mogusl and Nazis met to negotiate.
These accusations created a battle in the press, and one of the fiercest
warriors defending Hollywood is Alicia Mayer, Louis B. Mayer's great-niece. No,
Alicia has no financial interest in Hollywood: she lives in Australia and works
as an editor. But she is committed with the truth and her family's honor.
Louis B. Mayer |
Ser judeu não era fácil. Mesmo para chegar ao
estrelato em Hollywood, Julius Garfinkle teve de mudar seu nome para John
Garfield, Bernard Schwartz virou Tony Curtis e Issur Danielovitch, quem diria,
adotou o nome de Kirk Douglas. Mesmo assim, eles alcançaram o sucesso em uma
indústria criada por judeus: não é preciso muita pesquisa para saber que os
fundadores dos principais estúdios eram imigrantes judeus de vida difícil que
triunfaram. Esse tópico é bem explorado no livro “An Empire of their Own: How
the Jews invented Hollywood”, de Neal Gabler, publicado em 1988. Sim, esses
magnatas eram forasteiros nos Estados Unidos, e mesmo os judeus americanos
sofreram preconceito (veja “A luz é para todos / Gentlemen’s Agreement”, de
1947, para entender melhor o que estou dizendo), mas isso não os levaria a
ficar do lado de um regime que pregava o extermínio dos seus semelhantes.
"A Luz é para Todos / Gentlemen's Agreement" (1947) |
Hoje sabemos que Hitler foi, usando um dos
adjetivos mais leves, um monstro. Mas o povo da época não sabia. Para os
alemães desesperados, desempregados e sem perspectiva, ele era a única saída.
Para os ultraconservadores (sempre errados, não importa a situação), o discurso
dele vinha de encontro aos seus pensamentos. Para quem via tudo de fora, era
melhor não se intrometer para não acabar com uma guerra como a que terminara em
1918.
Today we know that Hitler
was, to use a lighter adjective, a monster. But the people at the time didn't
know. To desperate Germans, who were unemployed and hopeless, he was the only
solution. To the ultraconservatives (always wrong, no matter what), his speech
translated their throughts. For those who saw everything from the outside, the
better thing was not to get involved and avoid another war like the one that
had just ended in 1918.
German children play with money that had lost its value due to inflation |
Muitas das resenhas favoráveis foram escritas por
pessoas usando um tom de “eu já imaginava”, como se nada além do lucro cego
fosse buscado em Hollywood. Provavelmente são leigos em história do cinema ou
pessoas que jamais gastarão seu tempo vendo um filme feito na década de 1930.
Porque quem realmente ama o cinema antigo sabe que não era só lucro que circulava
em Hollywood: eram também sonhos. Os mesmos sonhos produzidos há mais de 70
anos ainda ecoam.
Many of the favorable
reviews were written by people who used a tone of “I knew it”, as nothing but
profit was sought in Hollywood. They probably know nothing about film history
or maybe they are people who will never spend their time watching a film made in the 1930s.
Because people who really love old movies know that profit wasn't the only fuel
in Hollywood: there were also dreams. The same dreams made over 70 years ago still echo.
Muitos judeus alemães foram parar em Hollywood
fugindo do nazismo e construíram uma carreira sólida por lá. Só para citar
alguns, temos Curt Siodmack, Peter Lorre e Fritz Lang. Se os magnatas de
Hollywood tinham um pacto com os nazistas, por que acolheram estes imigrantes,
já que era certo que seus filmes não entrariam no mercado alemão, por mais
cinéfilo que tenha sido Hitler? (As anedotas contam que o ditador ganhou uma
série de filmes do Mickey no Natal de 1937, presente de Goebbels, e também que
ele ofereceu uma recompensa par quem capturasse seu ídolo Clark Gable na
guerra).
Many German Jews went to
Hollywood to escape Nazism and build a solid career there. Only to name a few,
there were Curt Siodmack, Peter Lorre and Fritz Lang. If Hollywood mogusl had a
pact with the Nazis, why did they welcome those immigrants, if it was certain
that their films wouldn't enter the German market, even though Hitler was a
huge cinephile? (There are stories about Goebbels giving the dictator some
Mickey cartoons on Christmas, 1937, and also about Hitler offering a reward for
anyone who could capture his idol Clark Gable in the war).
Não é preciso ver centenas de filmes ou explorar
arquivos do mundo todo para encontrar películas que contradigam a tese de
Urwand. Basta apenas uma, profética e surpreendente: “E o mundo marcha / Theworld moves on”, de 1934. O filme conta a saga de duas famílias, sócias no
comércio de algodão desde o século XIX, que enfrentam as reviravoltas que
começam com a Primeira Guerra Mundial e passam pela quebra da bolsa de Nova
York, chegando em 1934 com espaço para prever o futuro. Entre os perigos que
estão por vir, podemos encontrar cenas de desfiles inundados de suásticas e
multidões cumprimentando o Führer.
It's not necessary to see
hundreds of films or explore archives all over the world to find movies that
contradict Urwand's thesis. Only one, prophetic and surprising, is enough: “TheWorld Moves On”, from 1934. The film tells the story of two families, partners
in the cotton commerce since the 19th century, who face twists starting with
World War I and going through the 1929 Crack, arriving in 1934 with enough
space to predict the future. Among the upcoming dangers, we can find scenes of
parades full of swastikas and crowds saluting the Führer.
Não adianta argumentar que “Confissões de um
Espião Nazista”, de 1939, foi o primeiro a tratar do nazismo de modo crítico ou
que na realidade foi “Tempestades D’Alma / The Mortal Storm” (1940) que alertou
Hollywood sobre a ameaça nazista, pois esta pérola esquecida de 1934, dirigida
pelo sempre ótimo John Ford e produzida pela Fox (William Fox, fundador e
presidente da empresa na época, nasceu na Hungria e era filho de judeus
alemães), está aí para provar seu pioneirismo. “O Grande Ditador” (1940), “Ser
ou não Ser” (1942) e “Um barco e nove destinos / Lifeboat” (1944) atacaram a
Alemanha nazista com a guerra já em andamento, “E o mundo marcha” o fez cinco
anos antes de o conflito começar, logo no momento em que, segundo Urwand,
Hollywood estaria colaborando com o nazismo. E detalhe: “E o mundo marcha” foi
o primeiro filme aprovado pelo Hays Code, prova de que tudo que o filme mostra
estava de acordo com a lei e o pensamento da época.
You can't say that
“Confessions of a Nazi Spy”, from 1939, was the first film to talk about Nazism in a
critical way or that it was “The Mortal Storm” (1940) that warned Hollywod
about the Nazi menace, because this forgotten gem from 1934, directed by the
always great John Ford and produced by Fox (William Fox, the founder and
president of the studio at the time, was born in Hungary and was the son of
German Jews), is there to show it was the first. “The Great Dictator” (1940),
“To Be or Not to Be” (1942) and “Lifeboat” (1944) attacked Nazi German with the
war already going on, “The World Moves On” made it five years before the war
started, right in the moment when, according to Urwand, Hollywood was
collaborating with Nazism. And a detail: “The World Moves On” was the very
first film to be approved by the Hays Office, proving that everything that the
film was showing was OK to the law and the thinking of the time.
E se Ben Urwand não passou nem perto de “E o
mundo marcha”, ele também não contava com uma descoberta também referente ao
ano de 1934: foi encontrado em setembro o primeiríssimo filme americano
antinazista: “Hitler’s Reign of Terror”, que estreou em 34 com grande sucesso,
mas ficou esquecido em um arquivo da Bélgica por pelo menos 40 anos. Quando eu
fiquei a par do acontecimento, com certeza tive a mesma surpresa de Urwand
quando este fez sua “descoberta” acerca da reunião no navio.
And if Ben Urwand didn't
even get near “The World Moves On”, he also didn't foresee a discovery also
about 1934: it was found in September the very first ant-Nazi American film:
“Hitler's Reign of Terror”, that premiered in 1934 and was a huge hit, but it
was forgotten in a Belgian archive for at least 40 years. When I got to know
about the discovery, I certainly was as surprised as Urwand when he
“discovered” about the meeting on the ship.
"I Was a Captive of Nazi Germany", de 1936 |
P.S.: Escrevo isso porque, como historiadora,
tenho um compromisso com a verdade (e não é porque essa não é uma ciência exata
que não precisamos de provas para as teorias, quaisquer que sejam). Na ocasião
da publicação do livro de Ben Urwand, Harvard cometeu um erro crasso. E parte
desse erro foi, justamente, usar termos tão fortes e equivocados como
“colaboração” e “pacto” no título do livro mais controverso do ano.
P.S.: I write this
because, as a historian, I am committed to the truth (and if History is not an
exact science it does not mean that we don't need to prove our theories). In
the occasion of publishing Ben Urwand's book, Harvard made a mistake. And part
of this mistake was to use such strong and wrong words as “collaboration” and
“pact” in the title of the most controversial book of the year.
Para mais filmes de 1930
antinazistas, leia o artigo “The Moguls and the Dictators: Hollywood and thecoming of World War II”.
For more anti-Nazi movies
of the 1930s, read the article “The Moguls and the Dictators: Hollywood and the coming of World War II”.
Para uma compilação de críticas ao livro de
Urwand, acesse o blog de Alicia Mayer.
To a list of reviews of
Urwand's book, visit Alicia Mayer's blog.
Ótima postagem!
ReplyDeleteSou apenas um curioso por história e também acredito que o escritor quis apenas se promover através da polêmica.
ReplyDeleteUm exemplo do erro do livro, é que pelo chamado de "esforço de guerra", vários filmes foram produzidos em Hollywood durante o conflito mundial colocando nazistas ou mesmo personagens alemães como vilões.
O colaboracionismo com o nazismo existiu com muitas empresas que tinham negócios na Alemanha. Inclusive existe a história de que os números que eram tatuados nos judeus que iam para os campos de concentração eram feitos e organizados por uma máquina (uma espécie de pré-computador) produzido pela IBM.
Abraço
hollywood foi conservadora em muitos momentos, machista em muitos momentos e sempre ouvi q alguns diretores eram favoráveis ao nazismo. o mesmo aconteceu no brasil. beijos, pedrita
ReplyDeleteBela postagem, Lê! Hollywood é ainda de certo modo conservadora... eu bem que desconfiava que ela tinha uma relação com o nazismo.
ReplyDeleteBeijos <3
Ola LÊ, Hollywood,nazismo,e polêmica de Harvard é um assunto incrível para grandes debates.È quase como "mexer numa abelheira".Parabéns pelo talento que abordas o tema,fazendo disto uma excelente postagem.Meu grande abraço.SU
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