} Crítica Retrô: February 2015

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Friday, February 27, 2015

E o Mundo Marcha (1934) / The World Moves On (1934)

*Atenção: No IMDb o título do filme é “A Marcha dos Séculos”. Entretanto, ele foi exibido na televisão como “E o Mundo Marcha”*
Vez ou outra encontro um filme em preto e branco na TV a cabo e, não importa seu enredo ou seus protagonistas, sempre o assisto. E vez ou outra este filme surpresa se transforma, em frente aos meus olhos, em uma obra-prima desconhecida e menosprezada. “E o Mundo Marcha” só é lembrado por ter sido o primeiro filme aprovado pelo Código Hays (está lá o selo número 1 no começo da película), mas este belo trabalho de John Ford merece muito mais reconhecimento.

Every now and then, I find a black and white film on cable TV and, no matter the story or the leads, I watch it. And every now and then this surprise film becomes, in front of my eyes, in an unknown and underrated masterpiece. “The World Moves On” is only rememberd as the first film approved by the Hays Office (the seal with the number 1 is there in the beginning of the film”, but this beautiful film by John Ford deserves a lot more recognition.


Só o nome de John Ford já anuncia que estamos prestes a ver algo muito bom. E a história dividida em fases não decepciona. No início do século XIX, as famílias Warburton e Girard se unem no negócio do algodão. O marido de Mary Warburton (Madeleine Carroll) se torna sócio de Richard Girard (Franchot Tone), mas Mary e Richard se apaixonam. Quase um século se passa até que esse amor possa ser consumado através dos bisnetos de Mary e Richard, que “por acaso” têm o mesmo nome dos antepassados e são interpretados pelos mesmos atores. Até então o negócio do algodão foi um sucesso total, mas tempos tempestuosos estão por vir.

John Ford’s name alone announces that we’re about to see something very good. And the story that is divided in phases does not disappoint. In the beginning of the 19th century, the families Warburton and Girard make a partnership to sell cotton. Mary Warburton’s (Madeleine Carroll) husband becomes partners with Richard Girard (Franchot Tone), but Mary and Richard fall in love. Almost a century goes by until this love can be consummated through Mary’s and Richard’s great-grandkids, who “by chance” have the same name as them and are played by the same actors. Until then the cotton business had been going well, but bad times are coming.


Um fortuito detalhe do enredo: o negócio de algodão é comandado por diversos herdeiros, cada um vivendo em um país afetado pela Primeira Guerra Mundial. Temos percepções diferentes dos campos de batalha e da luta dentro dos exércitos francês, inglês, americano e alemão. O ator que interpreta Henri Girard, aliás, é o brasileiro Raul Roulien, que John Ford considerava “meu amigo e grande ator”.

An interesting detail in the plot: the cotton business is managed by several heirs, each one living in a country affected by World War I. Because of this we have different perceptions of the battle field and the fights inside the French, English, American and German armies. The actor who plays Henri Girard, by the way, is the Brazilian Raul Roulien, who John Ford considered “my friend and great actor”.


Todo e qualquer espectador fica boquiaberto nos minutos finais do filme, quando John Ford prevê a Segunda Guerra Mundial – com uma marcha de suásticas e tudo o mais. Serão tempos difíceis, prevê a personagem de Madeleine Carroll.

Each and all viewers become speechless in the final minutes of the film, when John Ford predicts World War II – with a march full of swastikas. These will be difficult times, and Madeleine Carroll’s character predicts.


Há, sim, um detalhe que mancha o filme, e não posso deixar de citá-lo: o tratamento do personagem Dixie (Stepin Fetchit) é muito, muito racista. O pobre negro não é nada inteligente, e por isso sempre está envolvido em confusões. Obviamente, a intenção original era usar o personagem como contraponto cômico em meio ao drama, mas aqui John Ford cometeu um grande erro. Em 1934 o personagem poderia ter sido engraçado (e ele até é divertido ainda hoje, porém causa mais vergonha que riso), mas o tempo e as novas ideias de igualdade e respeito mancharam este aspecto do enredo. Só que Stepin Fetchit pouco importava com as reações contra sua persona cinematográfica: parceiro constante de John Ford, foi o primeiro ator negro de cinema a ficar milionário.

There is a negative detail in the film, and I have to mention it: the treatment of the character Dixie (Stepin Fetchit) is very, very racist. The poor black man is not intelligent, and gets involved in many troubles because of it. Obviously, the original intention was to use the character as a comic relief in the middle of so much drama, but John Ford made a huge mistake. In 1934 the character could have been funny (and he is kinda funny even today, but now he generates more shame than laugh), but time and new widespread ideas of equality and respect stained this detail of the film. But Stepin Fetchit didn’t really care about the reactions against his film persona: a constant in John Ford’s stock company, he was the first black actor to become a millionaire.

Raul Roulien e Stepin Fetchit
É o melhor filme de algum dos envolvidos? Definitivamente não. Madeleine Carroll fez “Os 39 Degraus / The 39 Steps” em 1935, mesmo ano em que Franchot Tone esteve em “O Grande Motim / Mutiny on the Bounty” e “Perigosa / Dangerous”. John Ford esteve envolvido na confecção de uma dúzia de clássicos, e por isso é até compreensível a mínima atenção dada a este filme.

Is this the best film of any of the involved cast? Not at all. Madeleine Carroll did “The 39 Steps” in 1935, the same year when Franchot Tone did “Mutiny on the Bounty” and “Dangerous”. John Ford was involved in the making of a dozen classics, and that’s why we can understand the little attention given to this film.


Para Peter Bogdanovich, John Ford confessou que gostaria de esquecer que fez “E o Mundo Marcha”. Ele não queria dirigir o filme. Brigou, discutiu, ganhou a fama de durão, e não escapou. A Fox o obrigou a dirigir a película, pois a intenção era repetir o sucesso de “Cavalgada / Cavalcade”, Oscar de Melhor Filme de 1933 que também contava a saga de uma família durante muitas gerações e vários conflitos. Não havia sobrado criatividade para o roteirista Reginald Berkeley, e o resultado são diálogos e situações que não ficam muito tempo na nossa memória.

To Peter Bogdanovich, John Ford confessed that he’d like to forget that he did “The World Moves On”. He didn’t want to direct the movie. He fought, argued, became known as a tough guy, and had to do it anyway. Fox made him direct the film, because they wanted to repeat the success of “Cavalcade”, the 1933 Best Picture Winner that also told the story of a family through several generations and many conflicts. There was not much creativity left for screenwriter Reginald Berkeley, and the result are dialogs and a situations that don’t stay long in our memories.


O que fica são as cenas de guerra, que causam um estranho déjà vu até no espectador mais jovem. Associei as cenas com “O Grande Desfile/ The Big Parade” (1925), mas a fonte era outra: as elogiadas cenas de batalha eram nada mais que cenas não utilizadas de “Cruzes de Madeira”, filme francês de 1932.

What stay with us is the war scenes, that cause a strange déjà vu even in the youngest viewer. I associated the scenes with “The Big Parade” (1925), but the source was different: the great battle scenes were only unused footage from “Wooden Crosses”, a French film made in 1932.


Madeleine Carroll, emprestada ao estúdio Fox em seu primeiro trabalho nos Estados Unidos, estava mais interessada no diretor Ford que no filme em si. John Ford preferiu esquecer esta sua obra. Franchot Tone não parece ter comentado sobre ela. O filme foi um fracasso de bilheteria, mas surpreende quem hoje, oitenta anos após ser filmado, lhe dá uma chance de mostrar a que veio. Porque até o pior filme de John Ford é excelente.

Madeleine Carroll, loaned to Fox in her first work in the US, was more interested in director Ford than in the film itself. John Ford preferred to forget this work. It looks like Franchot Tone never said anything about it. The film was a box-office failure, but it surprises whoever gives it a try today, eighty years after it was filmed. Because even John Ford’s wors movie is excellent.

This is my contribution to the Madeleine Carroll blogathon, hosted by Dorian at Tales of the Easily Distracted and Ruth at Silver Screenings!

Thursday, February 19, 2015

Bolão do Oscar 2015

Carnaval, Quarta-Feira de Cinzas, início das aulas, bolão do Oscar organizado pelo blog DVD, Sofá e Pipoca: estes são os eventos obrigatórios do mês de fevereiro. E com certeza as apostas para o Oscar são minhas preferidas. Apesar de não ter tanta certeza em minhas previsões quanto tinha em 2014, me arrisquei mesmo assim:

MELHOR FILME: Boyhood – Da infância à juventude

MELHOR ATOR: Eddie Redmayne, A Teoria de Tudo / The Theory of Everything

MELHOR ATRIZ: Julianne Moore, Para Sempre Alice / Still Alice

MELHOR ATOR COADJUVANTE: J.K. Simmons, Whiplash – Em busca da perfeição

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE: Patricia Arquette, Boyhood – Da infância à juventude

MELHOR DIRETOR: Richard Linklater, Boyhood – Da infância à juventude

MELHOR ANIMAÇÃO: Como treinar seu dragão 2

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL: Birdman

MELHOR ROTEIRO ADAPTADO: Graham Moore, O Jogo da Imitação

EFEITOS VISUAIS: Interestelar

TRILHA SONORA: Johann Johannsson, A Teoria de Tudo / The Theory of Everything

DIREÇÃO DE ARTE: O Grande Hotel Budapeste

FOTOGRAFIA: Emmanuel Lubezki, Birdman

MELHOR CANÇÃO ORIGINAL: Glory, Selma

FIGURINO: Milena Canonero, O Grande Hotel Budapeste

CABELO E MAQUIAGEM: O Grande Hotel Budapeste

MELHOR EDIÇÃO: Boyhood – Da infância à juventude

EDIÇÃO DE SOM: Sniper Americano

MIXAGEM DE SOM: Sniper Americano

MELHOR FILME ESTRANGEIRO: Ida

MELHOR DOCUMENTÁRIO: Citizenfour

DOCUMENTÁRIO DE CURTA-METRAGEM: Crisis Hotline: Veterans Press 1

MELHOR CURTA: The Phone Call

MELHOR CURTA DE ANIMAÇÃO: Feast

Sunday, February 8, 2015

Keaton fala! / Keaton speaks (easily)!

Quem ficou em Hollywood quando os filmes falados viraram primeiro febre, depois regra, não teve alternativa a não ser enfrentar a prova de fogo e tentar repetir o sucesso do cinema mudo na nova era sonora. Alguns falharam, outros tiveram êxito, outros adiaram o máximo possível. Mas é preciso sobreviver em Hollywood, e parte da sobrevivência inclui se adaptar aos novos tempos.
The actors who stayed in Hollywood when talkies became a fever and, later, a rule, had no alternative but face the difficult challenge of repeating the success they had in silents in the new talkie era. Some failed, others were successful, and some others postponed their talkie debut as much as they could. But you had to survive in Hollywood, and part of this survival was adapting oneself to the new times. 


É muito estranho pensar em Buster Keaton... falando. Sua expressão sempre imutável e sua comédia física eram suficientes para garantir fãs e risadas no cinema mudo. E foi com um personagem excêntrico em uma produção sobre os bastidores do mundo teatral (algo que estava muito na moda) que ele deu seu show: “Speak Easily”, de 1932 (no Brasil, o título é “Pernas de Perfil”).

It's very wird to think about Buster Keaton talking. His never-changing expression and physical comedy were more than enough to make his fans laugh in silent cinema. And it was playing an excentric character in a production about the backstage stories in a theater – something in vogue at the time – that Keaton made a success: it was in “Speak Easily”, from 1932.

O solitário Professor Timoleon Zanders “T. Z.” Post está um pouco triste com as insinuações de seu assistente, que diz que a depressão poderá matá-lo a qualquer momento, como aconteceu com seu antecessor. Mas tudo muda quando o Professor recebe a notícia de que herdou 750 mil dólares. Na mesma hora, ele larga tudo e decide viajar. Ele logo vai a uma estação de trem (ah, o que seria de Keaton sem um trem?) e lá encontra uma trupe de artistas, dentre os quais está o músico-ator-comediante James (Jimmy Durante) e a encantadora Pansy Peets (Ruth Selwyn).

Lonely professor Timoleon Zanders 'T.Z.' Post is a little sad with waht his assistant says: that depression can kill him any time now, like it did with his predecessor. But everything changes when the Professor learns he has inherited 750 thousand dollars. He leaves everything behind and decides to travel the world. He goes to a train station – waht would become of Keaton without his trains? - and there he meets a group of artists, among them musician-actor-comedian James (Jimmy Durante) and the charming Pansy Peets (Ruth Selwyn).


Cheio de dinheiro e sem ter o que fazer, o Professor empresta um pouco para pagar as despesas dos artistas, e assim é elevado à posição de gerente do grupo. Ele decide então ir com o show para a Broadway!

With a lot of money and nothing to do, the professor lends some of it to the artists, and they decide to name him the manager of the group. Then, the professor decides to follow the show all the way to Broadway!


Mas há muitos problemas no caminho. Primeiro: trata-se do show com o pior grupo de coristas já visto. O Professor não percebeu isso porque está apaixonado por Pansy, que aliás é a pior das dançarinas. Há também a ambiciosa artista Eleanor Espere (Thelma Todd), que está apenas interessada no dinheiro do Professor. Isso sem mencionar um certo probleminha com a herança do Professor...

But there are many problems in their way. First: this is the show with the most chorus girls ever. The professor doesn't see the other girls because he is love with Pansy, who is, by the way, the worst dancer of them all. There is also ambitious Eleanor Espere (Thelma Todd), who is only interested in the professor's money. And there is also a little problem about the professor's inheritage...


Muitas pessoas notaram uma semelhança entre Buster Keaton e Jim Parsons, que interpreta o Dr. Sheldon Cooper em The Big Bang Theory. Mais de uma vez Jim fez referência a Keaton no Instagram, e choveram comentários sobre como seria incrível se um dia Parsons interpretasse Keaton. Eu aplaudo a ideia e adoraria que isso acontecesse, pois teria a oportunidade de ouro de ver dois de meus ídolos em um. Pois bem, em “Speak Easily” o personagem de Keaton em muito se assemelha a Sheldon. Ambos são professores universitários com poucas habilidades sociais e que acabam provocando risadas sem querer.

Many people noticed the similarities between Buster Keaton and Jim Parsons, who plays the physicist Sheldon Cooper in The Big Bang Theory. Several times Jim mentioned Keaton in his Instagram, and manhy comments pointed that it'd be incredible if someday Parsons played Keaton. I love the idea, because I'd have the opportunity to see two of my idols at once. And in “Speak Easily” Keaton's character is a lot like Sheldon. Both are college teachers with few social skills who make people laugh without meaning it.


Há poucos momentos de comédia física no filme, e estes são os mais divertidos. Sim, há alguns momentos em que a graça vem dos diálogos, e isso não prejudica em nada a performance de Buster Keaton. Colocá-lo em uma dupla com Jimmy Durante (só eu que acho que Jimmy se parece com Ed O’Neil?), aliás, foi uma excelente ideia, tanto é que eles repetiram a parceria em outros dois filmes.

There are few slapstick moments in this film, and these are the best moments. Yes, sometimes there is fun coming from the dialogues, and this doesn't harm Keaton's performance at all. To pair him with Jimmy Durante – who looks like Ed O'Neil in my opinion – was an excellent idea, and they appeared together again in two more films. 


A carreira sonora de Keaton não foi tão brilhante quanto sua fase muda, mas foi, sim, muito boa. Ele fez muitos curta-metragens, trabalhou na televisão e propôs gags para diversos filmes, entre eles o ótimo musical “A Bela Ditadora” (1949). Sua derrocada não veio por causa do som, mas por causa de uma mudança desastrosa: ao assinar contrato com a MGM em 1928, ele perdeu muito de sua liberdade para criar e inovar na comédia.

Keaton's sound career wasn't as brilliant as his silent phase, but it was good nevertheless. He made a lot of short films, worked on TV and was a gag advisor to many films, including the fun musical “Take Me Out to the Ball Game” (1949). His fall wasn't caused by the talkie revolution, but because of a disastrous move: when he signed with MGM in 1928, he lost his creative freedom and stopped inovating in his comedies.


E o cinema sonoro trouxe um pequeno problema: o humor não era mais universal. O filme teria de ser traduzido para que espectadores de outros países os entendessem. E aí começa a loucura: a MGM gravava cada cena dos filmes falados de Keaton três vezes: a primeira em inglês, a segunda em espanhol, e a terceira em outra língua (francês ou alemão). Some a este cansaço alguns problemas pessoais, como o divórcio da esposa Natalie Talmadge, o distanciamento dos filhos e o alcoolismo: está explicado por que o gênio criativo de Keaton não floresceu com o mesmo vigor nos anos 30.

And talkies brought a little problem: humor was not universal anymore. The films had to be translated so the foreign public would understand it. And this is where the craziness begins: MGM shot each scene of Keaton's films three times: once in English, the second time in Spanish and the third time in another language (either French or German). Add to this effort some personal problems, like the divorcing Natalie Talmadge, growing far from his kids and alcoholism: these are the reasons why Keaton's creative genius didn't flourish with the same strength in the 1930s.  


O importante é que Keaton fala. Fala bem e faz comédia. Como nunca deveria ter deixado de fazer.
But the important thing is that Keaton speaks. He speaks well and is funny – as funny as he always was.

This is my contribution to the First Annual Buster Keaton Blogathon, hosted by Lea at Silent-ology.

Tuesday, February 3, 2015

Um perfil de Emil Jannings

Hoje Emil Jannings é mais lembrado por ter sido o primeiro ganhador do Oscar de Melhor Ator, em 1929. Mas Jannings foi um homem de muitas honras: contracenou com Pola Negri, Marlene Dietrich, Conrad Veidt e Lya De Putti. Foi dirigido por Josef von Sternberg, Ernst Lubitsch, Paul Leni, King Vidor e F. W. Murnau. Chegou a ser considerado o melhor intérprete do mundo. Sua queda foi vertiginosa e muito triste por ter se ligado à pior política do século XX. Mas os verdadeiros fãs do bom cinema saberão apreciar o talento deste homem inconfundível.  
Começamos destruindo um mito: Jannings não era alemão. Theodor Friedrich Emil Janenz nasceu na Suíça em 1884. Pouco encontrei sobre sua infância e juventude, a não ser a informação de que seu pai era americano. Aos 30 anos, em 1914, estreou no cinema e em 1918 já estava com Pola Negri e Ernst Lubitsch trabalhando em “Olhos da Múmia”, em que interpreta um árabe vingativo. Sua carreira oscilou entre papéis de vítima e de vilão.
Com “A Última Gargalhada” (1924), F. W. Murnau provou que o bom cinema não dispensava apenas diálogos, mas toda e qualquer palavra. Porque os únicos escritos em quase 90 minutos de projeção são o título do filme, o nome do diretor e do ator principal. É um filme psicodélico e cheio de significado, que parte da simples figura de um porteiro de hotel cuja profissão, única glória e alegria, lhe é tirada.
Fausto, 1926
A biógrafa de Rin Tin Tin (porque, sim, o astro canino tinha uma biógrafa) afirma que foi Rin Tin Tin o ganhador do primeiro Oscar de Melhor Ator, em 1929. A maioria dos votos era do cachorro mais popular das telas. Entretanto, receando que, se o prêmio recém-criado fosse entregue a um astro de quatro patas, o Oscar nunca seria levado a sério, a Academia entregou o troféu ao segundo colocado, este humano: Emil Jannings. Para Rin Tin Tin sobrou a honra de morrer no colo de Jean Harlow (quem não iria querer morrer naquele colo?).
Mas Jannings mereceu o Oscar. Posso ser parcial ao falar isso, porque “A Última Ordem / The Last Command” (1928) é um dos meus filmes mudos favoritos, mas a atuação de Jannings é ESPETACULAR. Uma imagem vale mais que mil palavras, e nem três trilhões de artigos como este seriam suficientes para descrever o real valor deste filme e da atuação de seu protagonista. Um ex-guarda do czar, agora radicado em Hollywood, tem a oportunidade de reviver seu passado ao trabalhar como extra em um filme sobre a Rússia.
Entretanto, Jannings não ganhou o Oscar apenas por sua atuação primorosa em “A Última Ordem”. No primeiro ano do prêmio, a Academia permitiu que a indicação fosse feita considerando o trabalho do ator / atriz em múltiplos filmes do ano anterior. E aqui entra uma curiosidade triste: Jannings é o único ator já indicado ao Oscar cujo filme que lhe valeu a indicação (e a vitória) está perdido. “Tortura da Carne / The Way of All Flesh” (1927). Mas há quem dê esperanças de existir uma cópia dele por aí.
Falando em filmes perdidos, Jannings também foi a estrela de “O Patriota” (1928) foi dirigido por King Vidor e só pelo trailer que sobrou dá para perceber que era maravilhoso. Tomara que seja encontrada alguma cópia dele nos porões de algum lugar do mundo!
A era do cinema mudo acabava e Jannings já colecionava glórias e elogios. Ainda viria seu filme mais famoso, e sua ainda mais famosa derrocada. Com a chegada do som em Hollywood, ele voltou para a Alemanha. Ele e Von Sternberg, diretor de “A Última Ordem”, se reuniram para mais uma obra-prima: “O Anjo Azul”, de 1930, em que Jannings interpreta o professor Rath, que se apaixona pela cantora Lola Lola (Marlene Dietrich), uma femme fatale primitiva.
“O Anjo Azul” foi proibido quando os nazistas chegaram ao poderem 1933. Marlene Dietrich sairia definitivamente da Alemanha. Josef von Sternberg, nascido na Áustria, também não mais pisaria em solo alemão. E aqui Jannings cometeu seu grande erro: seguiu trabalhando para o cinema de propaganda nazista, tendo a seu lado, por exemplo, a ex-esposa de Fritz Lang, Thea von Harbou.
Emil Jannings morreu em 2 de janeiro de 1950. Nunca conseguiu se livrar da mácula que foi ter trabalhado para o Terceiro Reich. Entretanto, seus filmes estão aí para provar que o talento de Emil Jannings foi muito maior que seu maior erro.

This is my first contribution to the 31 Days of Oscar Blogathon, hosted by mighty trio Aurora, Kellee and Paula at Once Upon a Screen, Outspoken & Freckled and Paula’s Cinema Club.