Nunca falei isto aqui, mas chegou a hora de confessor: eu adoro o cinema
soviético. Eisenstein, óbvio, é o expoente máximo da União Soviética, e seus
filmes ficam melhores com o passar do tempo, pois descobrimos o contexto e as
obrigações que permeiam cada produção. Sim, a maioria é descarada propaganda
soviética, mas com a técnica de Eisenstein se tornem obras-primas, talvez não
pelo conteúdo, mas pela forma. Sim, Stalin encomendou muitos dos filmes, e esta
é uma grande vantagem: pela primeira vez podemos analisar a manipulação política
da arte em sua mais crua manifestação. E a obra que mais nos permite esta
observação é justamente a que causou mais atritos entre Eisenstein e Stalin:
“Ivan, o terrível”.
O objetivo era claro: comparar Stalin, o então governante da União
Soviética, com o corajoso czar Ivan, que subiu ao trono em 1547, contrariando a
vontade dos boiardos, ricos proprietários de terra. Assim como Ivan, Stalin (e
antes dele, Lênin) teria desafiado a elite e conquistado o apoio do povo para
conseguir governar mesmo com tantas forças contrárias o pressionando.
“Ivan, o terrível” não é um filme qualquer. Quem o vê com atenção se
torna cúmplice do grande transe criado por Eisenstein. As atuações são
teatrais, por vezes até caricatas, mas perdoáveis. Os cenários e a quantidade
de extras são assombrosos. A grandeza dos ambientes, as expressões dos
personagens, os jogos de luz e sombra: tudo se junta para criar uma obra maior
que a vida, sobre um homem maior que qualquer outro na história russa. Muito
desta impressão vem da interpretação alucinada de Nikolai Cherkasov, de barba
pontiaguda e nariz aquilino, olhar louco e gestos ameaçadores... que às vezes
se parece com um camarada que todos nós conhecemos muito bem:
O primeiro filme conseguiu seu intento. E não foi só aos comunistas que o
filme agradou: Chaplin teria dito que “Ivan, o terrível” era “o maior filme
histórico já feito”. Entretanto, ao rodar a parte dois, Eisenstein e Stalin se
desentenderam, e isso deixou tudo mais interessante. Para começar, o filme só
foi lançado após a morte de ambos: Eisenstein faleceu em 1948, Stalin em 1953 e
o filme estreou apenas em 1958. O czar que uniu o povo ganha uma nova faceta e
ambiciona o poder a qualquer preço, não importa quantos cadáveres tiver de
deixar para trás.
E o melhor de “Ivan, o terrível – Parte 2” não está no enredo: trata-se
da primeira sequência colorida da história do cinema russo / soviético. As plateias
da época devem ter ficado tão deslumbradas quanto eu, que via o filme e de
repente tive meus olhos tomados por uma explosão de cor. As origens da
tecnologia para filmar em cores são controversas: de acordo com o IMDb,
trata-se do Bi-Color, um sistema semelhante ao Two-Strip Technicolor dos primitivos filmes coloridos. Já segundo o
TCM, só foi possível captar imagens coloridas com equipamentos roubados dos
alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Aqui, a origem do fator não altera o
produto, e o resultado é puro e deslumbrante espetáculo.
Mas... não se trata de uma trilogia? Bem, a ideia inicial era fazer uma
trilogia, mas após a polêmica da segunda parte, Stalin paralisou a produção da
terceira parte e mandou destruir o que já havia sido filmado. Apenas alguns
minutos de película sobreviveram:
Não é à toa que quem gosta de história geralmente gosta também de filmes
antigos (ou pelo menos está mais propenso a dar uma chance a eles). Quem entende um pouco
de história vê as nuances e manipulações por trás de “Ivan, o terrível”. Quem
não entende, tem a oportunidade de aprender mais sobre o comunismo e a
propaganda ideológica. “Ivan, o terrível” talvez não seja o melhor filme épico
de todos os tempos. Talvez nem seja o melhor filme de Eisenstein. Mas é
inovador, surpreendente, hipnotizante, essencial: mostra todos os poderes do
cinema.
This
is my first contribution to the Russia in Classic Film blogathon, hosted by
comrade Fritzi at Movies, Silently.
Leia também minha
crítica (em inglês) de outro filme de Eisenstein, “Old and New” (1929), AQUI.
You
can also read my review (in English) of the Eisenstein flick “Old and New” (aka
“The General Line”, 1929) HERE.
Thank you so much for joining in! These films are so very deep but worth the effort. I appreciated your interesting review.
ReplyDeleteCinema soviético é bem diferente do americano. Em tudo, luz, enredo, pelo menos eu acho. Stalin era muito maluco mesmo...mandou queimar uma obra prima.
ReplyDeleteGosta dos filmes do Tarkovsky?
Beijos <3
I'm starting to really like Soviet cinema, too. Some really innovative films made during that era, despite the oppressive regime in power.
ReplyDeleteThanks for a thoughtful review. :)
This sounds fascinating to me! I've never seen it. I love the images comparison here:) Thank you! Leah
ReplyDeleteWhat a tangled web of history and art. Fascinating indeed.
ReplyDeleteGreat post, my dear - I am getting such an education!
ReplyDeleteI didn't realise Ivan The Terrible was commissioned by Stalin; hilarious that he identified with the character but disagreed with the depiction enough to ban it. I've only seen snippets of the first one, will certainly have to sit down and watch them properly!
ReplyDeleteHi Lê. I'm sorry it took me a long time to get to your post but I have been going slowly. I enjoyed your post very much. I saw the two parts many years ago on public television. It was right after my parents bought a color television. It was nice to read about the political background. Thank you for sharing with all of us. -- Joe Thompson
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