Meu
primeiro contato com o cinema de Yasujirô Ozu foi através do livro
“A Elegância do Ouriço”, de Muriel Barbery, que uma amiga me
emprestou. Logo antes de me entregar o livro, ela me alertou sobre a
complexidade dele e me pediu para que eu lhe dissesse minha opinião
quando eu terminasse. O desafio
estava lançado. Quem era Ozu, e como sua obra cinematográfica
poderia dialogar com uma obra literária? Estava na hora de descobrir
mais um mestre do cinema japonês.
Ao
contrário de Kurosawa, não encontramos aqui imagens de um Japão
antigo, com histórias heróicas e
predominantemente masculinas. O
cinema de Ozu é o cinema do Japão moderno, com mulheres ao mesmo
tempo sorridentes e tímidas (este
tipo de filme sobre as vidas dos japoneses modernos de classe média
recebe o nome de shomingeki).
É um cinema minimalista e
tradicional. Ozu prefere lidar com as relações familiares e
amorosas, que muitas vezes soam alienígenas para nós ocidentais.
Noriko
(Setsuko Hara) vive com o pai Shukichi Somiya (Chishû Ryû), um
professor viúvo. As amigas e familiares de Noriko acreditam que já
está na hora de ela se casar, mas Noriko não quer deixar o pai
sozinho. A situação parece estar prestes
a mudar quando ela começa a sair
com o assistente do pai, mas ele é um moço comprometido. Restará a
solução óbvia para Noriko: um casamento arranjado. Mas será essa
a opção de Noriko?
“Pai
e Filha / Late Spring” jamais passaria no teste de Bechdel. Sim,
uma das protagonistas é uma mulher, mas o principal assunto das
mulheres neste filme é a necessidade do casamento. O pai de Noriko
chega a falar que ter um filho é muito melhor do que ter uma filha!
Numa
visão feminista, hedonista, e talvez até mesmo egoísta, do mundo,
outra fala de Shukichi chama a atenção: falando sobre um casamento
arranjado, ele convence a filha de que a felicidade conjugal não
será imediata – e talvez demore
cinco ou dez anos até que o casal seja realmente feliz junto.
Estamos em 2015, vivendo numa sociedade que prega o mindfulness
(evolução óbvia do carpe
diem). Ora, se devemos nos
concentrar no momento presente e aproveitá-lo, como o pai dá à
filha o conselho de aceitar um presente triste em troca de um futuro
mais promissor? É um conflito de culturas e de gerações.
O
Japão logo após a Segunda Guerra Mundial tem uma população com
memórias frescas do conflito – e das dificuldades causadas por
ele. Mas tem também um grande anúncio da Coca-Cola na estrada por
onde Noriko passa de bicicleta. O filme foi feito durante a ocupação
do Japão por tropas aliadas, o
que significa que uma censura muito parecida com o Código Hays foi
aplicada ao roteiro de Ozu. Houve alguma tentativa de ocidentalização
do roteiro, pois os censores não gostaram dos temas de casamento
arranjado e visita ao túmulo dos antepassados em Tóquio. Ozu foi
mais firme e, além da Coca-Cola, o único vestígio mais ocidental
no filme é a citação de Gary Cooper.
A
música é digna de um filme ambientado na Era Medieval – ou talvez
de um conto de fadas. As marcas
registradas de Ozu estão todas lá: a câmera quase parada, a
presença de momentos apenas com objetos em cena, sem atores, o
brilho da atriz Setsuko Hara. Setsuko foi como a diva de Ozu.
Kurosawa tinha Mifune. Yasujirô Ozu tinha Setsuko Hara, estrela do
cinema japonês que passou dos papéis de heroína trágica para os
de virginal criatura pelas mãos de Ozu.
A
vida de Ozu não foi fácil, e boa parte dela aparece em “Pai e
Filha / Late Spring”. Os papéis, entretanto, estão invertidos:
Ozu viveu sempre com a mãe, e jamais se casou. Talvez seja Noriko
seu alter-ego em certa medida. E, voltando a “A Elegância do
Ouriço”, o que temos novamente é uma mulher de meia-idade, viúva,
de vida ordinária e interesses extraordinários: um espelho de
Shukichi Somiya!
“Pai
e Filha / Late Spring” foi minha porta de entrada para o fascinante
cinema de Ozu. Apesar das diferenças culturais e do choque inicial
quando conhecemos as tradições aparentemente tão arcaicas das
famílias japonesas, o filme é tocante e muito bonito visualmente.
E, o mais importante: mostra que há todo um mundo a ser descoberto
quando nos abrimos para o maravilhoso cinema asiático.
This
is my contribution to the Criterion Blogathon, hosted by Kristina at
Speakeasy, Ruth at Silver Screenings and Aaron at Criterion Blues.
Le, I always appreciate your thoughts on film – whether I've seen them or not. And I loved what you wrote here. I've never even heard of this film, but you've made me really anxious to see it! :)
ReplyDeleteThank you for joining the blogathon, and thanks for such a thoughtful review of Father and Daughter/Late Spring.
Bom.
ReplyDeleteDe Ozu eu assisti apenas o ótimo "Era Uma Vez em Tóquio", um sensível drama sobre velhice e família.
ReplyDeletePreciso conferir os outros trabalhos do diretor.
Até mais
Ozu movies are a big gap in my movie viewing, and I keep reading reviews like this that praise their beauty and impact so I need to see some very soon, very curious! Thanks for joining this blogathon, always great to have you take part.
ReplyDeleteacho que já vi algum filme desse diretor faz tempo. preciso conhecer melhor. beijos, pedrita
ReplyDeleteObrigado, for your review here and your kind comment on my THE VIRGIN SPRING review. I fear Google translation did your prose few favors, but I like what I take you to be saying here...I haven't seen LATE SPRING yet, but like the few Ozu-directed films I've seen.
ReplyDeleteI shall check into the rest of your blog...thanks also for introducing yourself. Have you seen much of, say, Teshigahara's directorial efforts? Brilliant at their best...WOMAN IN THE DUNES, obviously, for one...