} Crítica Retrô: Mário de Andrade No Cinema

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Saturday, September 5, 2020

Mário de Andrade No Cinema

 

Um herói sem nenhum caráter: esta é a descrição do protagonista do livro “Macunaíma”, de Mário de Andrade. Mas isso não significa que o herói não tem caráter algum: ele tem MUITOS caracteres. O mesmo pode ser dito sobre seu criador: Mário de Andrade era múltiplo. Mário de Andrade (1893-1945) foi escritor, poeta, folclorista, fotógrafo, historiador da arte e crítico. Como o homem múltiplo que era, e também um homem do seu tempo, ele teve muito a dizer sobre a arte que estava dominando o mundo no começo do século XX: o cinema. Os artigos de Mário sobre o cinema foram compilados no livro “Mário de Andrade No Cinema”.

A hero without a character: this is the description of the protagonist of Mário de Andrade’s book “Macunaíma”. But the hero wasn’t one without any character: he was one with MANY characters. The same can be said about its creator: Mário de Andrade was multiple. Mário de Andrade (1893-1945) was a writer, poet, folklorist, photographer, art historian and critic. As the multiple man he was, and also a man of his time, he had a lot to say about the art that was sweeping the world in the early 20th century: cinema. Mário’s writings about cinema are compiled in the book “Mário de Andrade No Cinema” (literally “Mário de Andrade at the Movies”, the book isn’t available in English).

Como colunista da revista Klaxon, Mário constantemente escrevia usando pseudônimos – porque a revista queria que os leitores tivessem a impressão de que havia muitos autores colaborando com artigos. “Klaxon” significa “buzina” em francês e a revista modernista de vida curta recebeu este nome porque seus criadores queriam fazer barulho – um barulho moderno, alto, cosmopolita e por vezes irritante. No Manifesto Klaxon, publicado no primeiro número da revista, Mário define o cinema como “a criação artística mais representativa da nossa época”.

As a columnist for the Klaxon magazine, Mário often wrote under pseudonyms – because the magazine wanted readers to have the impression that it had many collaborators. “Klaxon” means “horn” in French and the short-lived Modernist magazine received this name because their creators wanted to make noise with it – a modern, loud, cosmopolitan and sometimes irritating noise. In the Klaxon Manifest, published in the first number of the magazine, Mário defines cinema as “the most representative artistic creation of our times”.

Mário escreve com frequência sobre as qualidades de “O Garoto” (1921), de Chaplin. Primeiro, ele diz que “Charlie é o professor do século XX”. Em outro artigo, ele foca na sequência de sonho do filme e em como ela representa perfeitamente o psicológico do Vagabundo. Mais tarde, ele fala sobre o rosto de Chaplin, perfeito para a tela, um rosto que se parece com uma caricatura em meio a faces humanas. Neste momento ele diz que Keaton é inferior a Chaplin por causa de seu rosto estático, e este é o momento em que eu mais violentamente discordo do escritor.

Mário often writes about the qualities of Chaplin’s “The Kid” (1921). First, he says that “Charlie is the professor of the 20th century”. In another article, he focuses on the dream scene in the film and on how it perfectly portrayed the Tramp’s psychological state of mind. Later, he talks about Chaplin’s perfect face for the screen, a face that looks like a cartoon amid human faces. At that point he says Keaton is inferior to Chaplin because of his static facial expression, and this was the moment I most violently disagreed with the author.

Mas Chaplin não recebe apenas elogios. Depois de deixar implícito que ele já vira “O Grande Ditador” (1940) mais de uma vez, Mário de Andrade analisa os defeitos do filme. Para ele, Chaplin errou ao fazer uma comédia sobre Hitler. Devemos destruir Hitler, não rir dele: é isso que Mário afirma. Além disso, no monólogo final, é Chaplin que está lá mandando sua mensagem, não seu personagem Vagabundo. Se fosse o Vagabundo, Mário disserta, todos nós nos identificaríamos com ele, pois o Vagabundo Carlitos é um ícone universal. Mário ignora que Chaplin nunca teve a intenção de fazer o Vagabundo falar, e evitou isso, ao mesmo tempo em que quase deu ao público o que eles queriam, na cena em que o Vagabundo canta uma música ininteligível em “Tempos Modernos” (1936). Mário também não viveria para descobrir que Chaplin se arrependeu de zombar de Hitler: em sua autobiografia Chaplin declarou que, se soubesse dos campos de concentração, ele “não poderia ter feito graça com a loucura homicida dos nazistas.”

But Chaplin doesn’t receive only compliments. After implying that he had already watched “The Great Dictator” (1940) more than once, Mário de Andrade analyzes its flaws. For him, Chaplin was mistaken when he made a comedy about Hitler. We must destroy Hitler, not laugh at him: this is what Mário says. Moreover, in the final monologue, it’s Chaplin there giving his message, not his Tramp character. If it was the Tramp, Mário argues, we all would identify with him, as the Tramp is a universal icon. Mário ignores that Chaplin never meant to have the Tramp talking, and avoided it, while kind of giving the people what they wanted, by having the Tramp sing gibberish in “Modern Times” (1936). Mário also wouldn’t live long enough to know that Chaplin regretted making fun of Hitler: in his autobiography Chaplin declared that, if he had known about concentration camps, he “could not have made fun of the homicidal insanity of the Nazis.”

Mário de Andrade acreditava que os europeus inventavam as novas técnicas no cinema – e eu concordo com isso – mas os norte-americanos tinham meios para executar estas técnicas com perfeição. Esta é a razão pela qual ele chama “O Gato e o Canário” (1927) de obra-prima técnica, mas não uma obra de arte. Mais de uma vez Mário clama pelo fim das cartelas de texto, porque o cinema só poderá desenvolver seu potencial total como arte quando as palavras desnecessárias forem suprimidas.

Mário de Andrade believed that Europeans were the ones who invented new techniques in cinema – something I tend to agree – but Americans were the ones who had the means to execute these techniques with perfection. This is the reason why he calls “The Cat and the Canary” (1927) a technical masterpiece but not quite a work of art. More than once Mário advocates for the end of title cards, because cinema can only develop its full potential as an art when the unnecessary words are suppressed.

O autor reclama de como os filmes falados retiraram as orquestras das salas de cinema, porque mesmo uma orquestra ruim podia emanar a sensação de ir a um evento fora de casa, enquanto o aparelho de som, o substituto da orquestra, era como um eletrodoméstico. Pouco depois, ele diz que filmes falados recuados de jazz e musicais em geral estão tornando o cinema “insuportável”, e que as únicas obras-primas criadas com som sincronizado são curtas animados, como a “Dança Macabra” de Walt Disney de 1929!

The author complains about talkies taking orchestras away from the movie theaters, because even a bad orchestra could allude to an out-of-the-house activity, while the phonograph, the substitute of the orchestra, was a homely instrument. A little later, he says that jazz-filled talkies and revues are making cinema “unbearable”, and that the only masterpieces created with synchronized sound are animated shorts, like Disney’s “The Skeleton Dance” from 1929!

Quando escreve sobre filmes de horror – focando em “Frankenstein” de 1931 – Mário de Andrade usa quase uma metodologia psicológica para elogiar o modus operandi de Lon Chaney, comentar sobre o nojo que sente por baratas e mencionar que a literatura tem a capacidade de criar repulsa, mas só o cinema e o teatro podem nos fazer sentir nojo pelo que vemos na tela ou no palco. Ele termina o ensaio dizendo que a única fonte verdadeira de horror é a vida real.

When writing about horror movies – with a focus on 1931’s “Frankenstein” – Mário de Andrade uses almost a psychological approach to compliment Lon Chaney’s modus operandi, comment on his own disgust of cockroaches and mention how literature can create repulsion, but only film and theater can make us feel disgust for what we’re seeing on the screen or stage. He ends his essay by saying that the only true source of horror is real life.

Com o tempo os artigos de Mário ficam mais longos, e o maior deles é um ensaio sobre “Fantasia” (1940), um filme, Mário declara no primeiro parágrafo, que não é uma obra-prima, mas se tornará um clássico. Seu maior problema é a falta de ligação entre as sequências animadas. Outro grande problema é o preço do ingresso: 10 mil-réis (cerca de 125 reais hoje)! Mas, mesmo criticando as formas humanas dos centauros, Mário destaca duas sequências: o Quebra-Nozes e a Fuga de Bach. Ele também comenta como Disney não iluminou as cores no filme, mas coloriu as luzes.

With time Mário de Andrade’s articles became longer, and the longest of them all is an essay about “Fantasia” (1940), a film, Mário declares in the first paragraph, that is not a masterpiece, but will become a classic. His biggest problem is the lack of liaison between the animated sequences. Another huge problem was the price of the ticket: dez mil-réis (roughly 24 dollars)! But, even though he criticizes the human forms of the centaurs, Mário highlights two sequences: the Nutcracker Suite and Bach’s Toccata and Fugue in D Minor. He also talks about how Disney didn’t illuminate the colors in the film, but rather colored the lights.

Como mencionado num ensaio publicado no final do livro pelo pesquisador Paulo José da Silva Cunha, Mário de Andrade tentou, nos anos 1920, definir o cinema, localizado entre a arte e a indústria, e mais tarde ele fez mais conexões entre o cinema e acontecimentos da época, como a guerra. Daquele primeiro período, uma frase se destaca: “Tem dois cinemas: o cinema como criação, isto é, o cinema-arte, e o cinema como sensualidade, isto é, o cinema-comércio”. Uma separação perfeita, não?

As noted in a essay published at the end of the book by researcher Paulo José da Silva Cunha, Mário de Andrade tried, in the 1920s, to define cinema, caught between art and industry, and later he made more connections between film and current events, like war. From the first period, a quote resonates: “There are two cinemas: cinema as creation, that is, cinema-art, and cinema as sensuality, that is, cinema-commerce”. A perfect distinction, isn’t it?

Ler os textos de Mário de Andrade – seriam eles críticas, opiniões ou ensaios? - nos desperta dúvidas. O primeiro crítico de cinema foi, obviamente, autodidata: ele – ou, por que não, ela – não fez faculdade para aprender a analisar os filmes recém-nascidos. Hoje, a origem dos críticos de cinema é diversa: muitos são jornalistas, alguns estudaram cinema na faculdade, alguns aprenderam a profissão conforme a exerciam, e eu sou historiadora – e provavelmente não sou a única historiadora escrevendo sobre cinema. O que faz um bom crítico de cinema? O que faz um bom ensaísta, se você preferir? Há centenas de cursos por aí prometendo ensinar um cinéfilo a ser crítico. Mas esses cursos criarão pensadores, que escreverão artigos instigantes como os de Mário, ou criarão uma nova linha de produção de opiniões sobre filmes? Esta é uma questão legítima, e não tenho resposta para ela.

Reading Mário de Andrade’s texts – are they reviews, opinions, essays? - brings us some doubts. The first film critic was, of course, self-taught: he – or why not she – didn’t go to college to learn how to analyze the newborn movies. Today, the origin of film critics is diverse: many are journalists, some studied film at college, some learned their profession by doing it, and I’m a historian – and I’m probably not the only historian writing about film. What makes a good film critic? What makes a good film essayist, if you prefer? There are hundreds of courses out there promising to teach a film lover to become a critic. But will those courses create real thinkers, writing thought-provoking articles like Mario did, or will they create a new assembly line for opinions on movies? This is a legitimate question and I have no answer to it.


Cartoon by Robert Neubecker

Eu sempre achei uma pena Mário de Andrade ter morrido tão jovem, com apenas 52 anos. Eu me pergunto o que ele pensaria e escreveria sobre os musicais e épicos dos anos 50, e sobre os filmes posteriores de Chaplin, como “Monsieur Verdoux” (1948) e especialmente “Luzes da Ribalta” (1952). Mesmo se você nunca ouviu falar ou nunca leu nada de Mário de Andrade, este pequeno livro mostrará o tanto que ele entendia de pinturas, música clássica e como ele era capaz de conectar todas estas artes. O trabalho de resgate dos escritos de cinema de Mário foi primoroso: ainda bem, pois foi ótimo descobrir o que um dos maiores escritores brasileiros pensava sobre a arte que dominou o seu século.

I’ve always thought that it was a shame that Mário de Andrade passed away so young, at only 52. I wonder what he’d have thought of and written about the musicals and epics of the 1950s, and of Chaplin’s later films, like “Monsieur Verdoux” (1948) and especially “Limelight” (1952). Even if you have never heard of or read anything from Mário de Andrade, this short book (tragically not available in English) will show how much he understood about paintings, classical music and how he could link all those arts. The rescuing of Mário’s writings about cinema was fantastic: thankfully, because it was great to find out what one of the biggest Brazilian writers thought of the art that dominated his century.

This is my first contribution to the 2020 Summer Reading Challenge, hosted annually by Raquel at Out of the Past.

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