} Crítica Retrô: November 2024

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Wednesday, November 13, 2024

Resenha / Book review: La Decisión de Grace Kelly, by Sophie Benedict

 

Minha parte favorita do dia é quando posso relaxar com um bom livro. Quando a leitura é social, melhor ainda. Deixe-me explicar: chamo de “leitura social” o que faço com minha mãe. Ela está aprendendo espanhol e nós lemos juntas, para que eu possa aprimorar meus conhecimentos e ensinar a ela – que foi professora por 38 anos – algumas coisas. Já lemos contos de Gabriel García Márquez e o livro que lemos mais recentemente foi a versão em espanhol de um livro em alemão sobre Grace Kelly.

 

My favorite part of the day is when I can relax and sit back with a good book. When the reading is social, better yet. Let me explain: I call “social reading” what I do with my mom. She’s learning Spanish and we read together, so I can improve my knowledge in the language and teach her – who was herself a teacher for 38 years – a few things. We already read short stories by Gabriel García Márquez and the latest book we read was the Spanish version of a German novel about Grace Kelly.

Grace Kelly esteve sob os holofotes durante a maior parte de sua vida. Primeiro, ela foi uma das mais conhecidas atrizes da década de 1950, inclusive ganhando um Oscar numa escolha polêmica pelo filme “Amar é Sofrer” (1954). Então ela se transformou literalmente numa princesa quando se casou com Rainier de Mônaco. O casamento recebeu cobertura no mundo todo, como eu certa vez demonstrei num artigo sobre a cobertura do Casamento Real na imprensa brasileira. Mas seus dias como estudante de atuação não foram foco de nenhuma investigação mais profunda. Por isso, este período na vida de Grace poderia ser o ponto de partida para um romance especulativo.


Grace Kelly was on the spotlight for most of her life. First, she was one of the most talked about actresses of the 1950s, even winning an Oscar in a polemic choice for the film “The Country Girl” (1954). Then she became a literal princess when she got married to Rainier of Monaco. The wedding was highlighted in newspapers around the world, as I once noted in a blog post about the royal wedding in Brazilian newspapers. But her times studying to become an actress weren’t the focus of deeper investigation. Because of it, this period in her life could become the starting point for a speculative novel.

Somos apresentados a uma jovem Grace que ama brinca de atuar e se transformar em outra pessoa durante brincadeiras infantis. Quando ela tinha 17 anos, seu tio George – um vencedor do Prêmio Pulitzer – convence o pai de Grace a deixá-la ir para Nova York. Lá ela é aceita pela American Academy of Dramatic Arts, apesar de sua voz nasal. Seu professor, Sr ehlinger, inclusive reclama da voz dela na primeira aula.


We are introduced to a young Grace who loves to play theater and become someone else in her childish plays. At 17, her uncle George – a Pulitzer Prize winner – convinces Grace’s father to let her go to New York. There she is accepted to the American Academy of Dramatic Arts, despite her nasal voice. Her teacher, Mr Jehlinger, even complains about her voice in their first class.

Grace faz amizade com duas garotas que moram, como ela, no Edifício Barbizon: Mary Jo e Caitriona, ou Cai. Há uma subtrama sobre Grace ajudar Cai a fazer um aborto, mas nada muito escandaloso ou chocante – no final, não fica claro se Cai foi a um médico fazer um aborto ou teve um aborto espontâneo. Mary Jo, por outro lado, apresenta Grace ao professor Don Richardson, que se torna seu crush... e o primeiro de muitos homens mais velhos com quem ela se envolve.


Grace becomes close friends to two girls who also live at the Barbizon building: Mary Jo and Caitriona, or Cai. There is a subplot about Grace helping Cai with an abortion, but nothing too scandalous or shocking – in the end, it isn’t clear if Cai went to a doctor to perform the abortion or if she had a miscarriage. Mary Jo on the other hand introduces Grace to teacher Don Richardson, who becomes her crush… and first of many older men she dates.

Sessenta por cento do livro é gasto contando as aventuras de Grace como modelo e aspirante a atriz em Nova York. Ao chegar na marca de 60%, a narrativa é transladada para Hollywood – na verdade Grace ficou entre idas e vindas entre Hollywood e Nova York – e a parte mais conhecida da carreira dela. Lá, ela aprende muito com Hitchcock, um diretor exigente que rapidamente se entende com sua nova protagonista. Tudo o que Grace faz em Hollywood é feito com o objetivo de impressionar os pais dela, que não aprovam sua escolha de ser atriz.


Sixty percent of the book is spent telling her adventures as a model and aspiring actress in New York. Hitting the 60% mark brings the narrative to Hollywood – actually Grace went back and forth between Hollywood and New York – and the best known part of her career. There, she learns a lot with Hitchcock, an exigent director who quickly clicks with his new leading lady. Everything she does in Hollywood is done with the goal to impress her parents, who disapprove of her career choice.

Em muitas ocasiões um personagem aconselha Grace a desistir de seu sonho de ser atriz e encontrar um marido que a sustente. E em muitas ocasiões Grace declara que quer ser independente e não depender de nenhum homem. Seu sonho é se casar com um homem que ela realmente ame. E ela tem muitos relacionamentos baseados não em amor verdadeiro, só em atração física.


In many occasions a character advises Grace to stop pursuing her dream of becoming an actress and find a husband who can support her. Time and again Grace says she wants to be independent and not rely on any man. Her dream is to get married to a man she genuinely loves. And she has many relationships based not on true love, just physical attraction.

Surpresa, surpresa: a autora imagina um encontro entre Grace Kelly e Marilyn Monroe, então chamada Norma Jean e trabalhando como modelo em Nova York. Norma dá à jovem Grace conselhos sobre atuação e aceitar ofertas – ela diz que é preciso saber quando dizer “não”, mas mostra que falar é fácil, o difícil é seguir seu próprio conselho. Outro encontro é com Marlon Brando, que é retratado como um desagradável mascador de chicletes no escritório de Edith van Cleve. Edith foi uma agente teatral real para jovens atores iniciantes. Brando, um desconhecido como Grace, se incomoda quando tem de esperar Edith atender Grace antes dele.


Surprise, surprise: the author imagines an encounter between Grace Kelly and Marilyn Monroe, then called Norma Jean and working as a model in New York. Norma gives the younger Grace advice about acting and accepting offers – she says it’s necessary to know when to say “no”, but shows that this is easier said than done. Another encounter is with Marlon Brando, who comes across as a gum-chewing unpleasant brat at Edith van Cleve’s office. Edith was a real theatrical agent for young and upcoming actors. Brando, an unknown like Grace, is bothered that he has to wait for Edith to see Kelly before his appointment.

O título original em alemão é “Grace und die Anmut der Liebe”, que pode ser traduzido como “Grace e a Graça do Amor”. Foi escrito por Sophie Benedict, pseudônimo da autora alemã Steffi von Wolff de Frankfurt. Grace Kelly é sua atriz favorita e a autora escolheu prestar uma homenagem a ela através deste livro – mas teve resultados ambíguos, na minha opinião.


The original title is “Grace und die Anmut der Liebe”, that can be translated as “Grace and the Grace of Love”. It was written by Sophie Benedict, the pseudonym of German author Steffi von Wolff from Frankfurt. Grace Kelly is her favorite actress and the author chose to pay a tribute to her through this book – but it achieved mixed results, in my opinion.

Se eu fosse um membro da família de Grace, não ficaria satisfeita com a maneira como é retratada no livro. Grace é apresentada como frívola e obcecada, tendo casos com todos os homens mais velhos com quem travalha. Sim, ela até é retratada como alguém que faz tudo com perfeição, o que pode agradar aos seus fãs, que são o público-alvo do livro. Minha mãe quase desistiu da leitura, mas nós chegamos ao fim a tempo de celebrar o que seria o 95º aniversário de Grace. Feliz aniversário, doce princesa – você ainda é amada e lembrada.


If I was a member of Grace’s family, I wouldn’t be happy with her portrayal in the novel. Grace is presented as frivolous and obsessed, having affairs with all older men she gets to work with. Yes, she is portrayed as someone who does everything perfectly, and this may please her fans, who are the target for the book. My mother almost gave up on reading, but we reached the end in time to celebrate what would be Grace’s 95th birthday. Happy birthday, sweet princess – you are still loved and remembered.

 

This is my contribution to The 6th Wonderful Grace Kelly blogathon, hosted by The Wonderful World of Cinema and The Flapper Dame.

Saturday, November 9, 2024

Uma Mulher do Outro Mundo (1945) / Blithe Spirit (1945)

 Uma discussão recente causou frisson entre os cinéfilos do Twitter porque um usuário disse que filmes antigos eram displicentes quanto ao uso das cores. Esta pessoa poderia mudar sua visão caso assistisse a qualquer filme em Technicolor feito na Inglaterra nos anos 1940 – os mais notáveis exemplos sendo os filmes de Powell e Pressburger “Narciso Negro” (1947) e “Os Sapatinhos Vermelhos” (1948). De 1945 vem outra maravilha do Technicolor: “Uma Mulher do Outro Mundo”, baseado na obra de Noël Coward.  

A recent discussion caused frisson on Film Twitter because an user said that old movies didn’t put an effort when the issue was color. This person could have his/her mind changed if he/she watched any Technicolor marvel made in 1940s England – the most notorious examples being Powell and Pressburger’s movies such as “Black Narcissus” (1946) and “The Red Shoes” (1948). From 1945 comes another Technicolor marvel: Noël Coward’s “Blithe Spirit”.

Charles Condomine (Rex Harrison) é um autor prestes a iniciar a escrita de seu novo livro – mas primeiro ele precisa fazer uma pesquisa. Ele e a esposa Ruth (Constance Cummings) convidam para jantar um casal de amigos e também uma médium chamada Madame Arcati (Margaret Rutherford). O objetivo é ver que o transe da Madame não passa de charlatanismo, mas algo acontece: a primeira esposa de Charles, Elvira (Kay Hammond), que havia morrido sete anos antes, é invocada. Mas apenas Charles pode vê-la e ouvi-la!

Charles Condomine (Rex Harrison) is a writer ready to start his new book – but first he needs to do some research. He and his wife Ruth (Constance Cummings) invite over for dinner a couple of friends and also a psychic named Madame Arcati (Margaret Rutherford). The goal was to see how Madame’s trance was nothing but charlatanism, but something happens: Charles’ first wife, Elvira (Kay Hammond), who died seven years before, is summoned. But only Charles can see and hear her!

A materialização de Elvira, obviamente, traz todo tipo de problema. Ao falar com ela, é como se Charles dissesse ofensas para Ruth. Quando Elvira começa a interagir com os objetos da casa, Ruth se apavora, como seria esperado na presença de um fantasma. E que fantasma: com pele pálida e unhas e lábios de um vermelho vivo, Elvira deveria aparecer em todas as listas de mais memoráveis fantasmas do cinema.

Elvira’s materialization, of course, brings all sorts of troubles. When talking to her, Charles is perceived as saying offenses to Ruth. When Elvira starts interacting with the things in the house, Ruth freaks out, as one does in the presence of a ghost. And what a ghost: with pale skin and bright red lispstick and nail polish, Elvira should figure in all the lists of most memorable ghosts of cinema.

É interessante notar que muito do diálogo entre Charles e Ruth acontece ao redor da mesa, conforme consomem suas refeições. Isto destaca as origens teatrais de “Uma Mulher do Outro Mundo” e também adiciona a empregada Edith (Jacqueline Clarke) à ação.

It’s interesting to notice that much of Ruth and Charles’ dialogue happens around the table where they are sharing meals. This highlights the theatrical origins of “Blithe Spirit” while also adding the maid Edith (Jacqueline Clarke) to the action.

O visual de Elvira foi criado misturando roupas e maquiagem verde-fluorescente com truques de iluminação – e os efeitos especiais ganharam um Oscar. Kay Hammond literalmente brilha como Elvira, um papel que foi pensado para Myrna Loy – e ela escreveu que havia “nascido para interpretar o papel” – mas a atriz não foi emprestada pela MGM. Filha dos atores Guy Standing e Dorothy Hammond, Kay encontrou sucesso no teatro, onde deu origem à personagem Elvira em 1941, e fez 38 filmes entre 1930 e 1961.

Elvira’s look was created by a mix of fluorescent green clothes and make-up and lighting tricks – and the special effects won an Oscar. Kay Hammond literally shines as Elvira, a role that was intended for Myrna Loy – and one she said she was “born to play” – but the actress wasn’t loaned by MGM. The daughter of actors Guy Standing and Dorothy Hammond, Kay found success in the theater, where she originated the role of Elvira in 1941, and made 28 movies between 1930 and 1961.

Não podemos falar da história das cores no cinema sem mencionar a supervisora de Technicolor Natalie Kalmus. De acordo com o IMDb, ela é creditada em quase 400 filmes feitos entre 1928 e 1950, com dezenas de créditos todos os anos. Esposa de Herbert T. Kalmus, inventor do processo Technicolor, Natalie contribuiu com a invenção e era inserida nos sets de filmagem para supervisionar o uso das câmeras de Tehcnicolor, que eram sensíveis e caras, e decidir as melhores cores para cenários e figurinos. Problemas com as cores fizeram com que as filmagens de “Uma Mulher do Outro Mundo” se prolongassem, e no final Margaret Rutherford estava reclamando que as filmagens duraram seis meses e não as doze semanas previstas.

We can’t talk about the history of color in film without mentioning Technicolor supervisor Natalie Kalmus. According to IMDb, she is credited in almost 400 movies made between 1928 and 1950, with dozens of credits every year. The wife of Herbert T. Kalmus, the inventor of the Technicolor process, Natalie contributed to the invention and was put in film sets to oversee the use of Technicolor cameras, that were both sensitive and expensive, and to decide the colors in sets and clothes. Issues with color made the production of “Blithe Spirit” drag, and in the end Margaret Rutherford was complaining that they were shooting for six months instead of the twelve weeks planned. 

A peça de Noël Coward foi escrita em 1945 e o autor – também produtor do filme – não vendeu os direitos para Hollywood porque as adaptações de seu trabalho feitas por norte-americanos não haviam lhe agradado. Mesmo assim, com as mudanças feitas pelo roteirista e diretor David Lean – que incluíram mudar o final, impossível nos palcos – Coward declarou que a melhor peça que ele havia escrito foi arruinada.

Noël Coward’s play was written in 1941 and the author – also producer of the movie – didn’t sell the rights to Hollywood because he disliked the adaptations of his work made by North Americans until then. Nevertheless, with the changes made by screenwriter and director David Lean – including changing the end, adding one that would be impossible on stage –, Coward declared that they ruined the best play he’d ever written.


Nós, como humanos, amiúde pensamos e imaginamos o que acontece depois que morremos. Há um Paraíso ou uma vida após a morte? O cinema tentou responder à questão de muitas maneiras e em muitas ocasiões. Elvira volta do além mas conta pouco do que acontece por lá. Temos visões mais elaboradas da próxima vida em filmes como “Neste Mundo e no Outro” (1946), da já mencionada dupla Powell e Pressburger. O assunto é tão presente e pertinente que não apenas filmes sobre isso são sucesso mas também médiuns como a Madame Arcati têm sua clientela para conversar com o além.

We, as humans, often think and imagine what happens after we die. Is there a Heaven or an afterlife? Cinema tried to answer the question in many ways and occasions. Elvira comes back from beyond but tells little about what happens there. Wa have more elaborate views of the next life in films such as “A Matter of Life and Death” (1946), by the aforementioned duo Powell and Pressburger. The issue is so present and pertinent that not only movies about it are a success but also psychics such as Madame Arcati have their clientele to talk to the beyond.

“Uma Mulher do Outro Mundo” foi um fracasso de bilheteria, por causa de erros na escalação de elenco, de acordo com o roteirista Anthony Havellock-Allan. Ele disse que precisavam de um homem de meia-idade – e não Rex Harrison – e uma primeira esposa atraente – Constance Cummings era mais bonita que Kay Hammond, Anthony declarou. Mesmo assim, o filme sobreviveu ao teste do tempo e agora é considerado um clássico, e um clássico muito divertido!

“Blith Spirit” was a box-office failure, due to a mistaken casting, according to screenwriter Anthony Havellock-Allan. He said the need was for a middle-aged man – not Rex Harrison – and an attractive first wife – Constance Cummings was more attractive than Kay Hammond, Anthony noticed. Nevertheless, the film stood the test of time and now is righteously considered a classic, and a very enjoyable one!

 

This is my contribution to A Haunting Blogathon: In the Afterlife, by the Classic Movie Blog Association.