Embora Reginald Johnson, tutor do
último imperador da China, tenha tido uma papel semelhante na história e tenha
sido também eternizado no cinema por Peter O’Toole em “O Último Imperador”
(1989), Anna Leonowens continua como a mais famosa educadora ocidental no
oriente. Essa premissa já se mostra falsa ao descobrirmos que Anna nascera na
Índia, mas esta é apenas uma das muitas licenças cinematográficas sobre a vida
da mulher que serviu ao rei do Sião e cuja história foi contada em dois filmes
inesquecíveis.
Anna Leonowens (Irene Dunne em 1946 e
Deborah Kerr em 1956) é uma viúva inglesa que viaja ao Sião com o filho, pois
foi contratada para ser tutora dos filhos do rei Mongkut (Rex Harrison e Yul
Brynner). Não demora para que Oriente e Ocidente entrem em conflito e choques
culturais aconteçam. Para começar, Anna se surpreende com a poligamia e com as
centenas de filhos do rei. Depois, vossa majestade instala a tutora no palácio,
e não em uma casa própria, como ele havia prometido. A situação fica realmente crítica
quando chega a escrava birmanesa Tuptim (Linda Darnell e Rita Moreno), a nova
esposa do rei que não quer se casar de jeito de nenhum, porque tem outro amor.
O rei do Sião passou para a história
como um dos monarcas mais hilários que já existiu, graças à visão sempre
eurocêntrica com a qual é retratado. Rex Harrison, em seu primeiro trabalho no
cinema americano, está bem magro, excessivamente maquiado e bastante divertido.
A vontade de obter mais conhecimento e o descompasso entre as tradições inglesa
e siamesa fica mais latente na versão de 1946. Dez anos depois, o traço maior
de fome de saber do rei é a música “A Puzzlement”, a única cantada pelo
personagem.
Os originais |
Anna é explorada mais a fundo na versão
de 1946. Ela passa por momentos de raiva, compaixão, admiração e divertimento
com o rei. Ela se envolve com os problemas das muitas esposas, de Tuptim em
especial. Ela é mais incisiva em suas vontades e em suas lições tanto para as
crianças quanto para o rei. Talvez o fato de Irene Dunne já ser uma grande estrela
na época tenha direcionado o foco dessa versão mais para Anna, enquanto o
musical foca bastante no rei. Não que Deborah Kerr esteja mal: dublada em suas
canções por Marni Nixon, ela expressa saudades do marido falecido e o amor
pelas crianças.
A Anna de Irene é mais maternal, e o
filme de 1946 dá bastante espaço para Louis (Richard Lyon e Rex Thompson), o
filho de Anna, que inclusive se torna amigo do príncipe Chulalongkorn (Tito
Renaldo e Patrick Adiarte) e cujo destino é bastante fantasioso neste filme.
Ambas as versões ocultam um fato: Anna não tinha um, mas dois filhos: além de
Louis, ela levou também ao Sião a filha mais velha, Avis. A Anna de Deborah
Kerr não era nem para ter existido: a ideia inicial era que Gerturde Lawrence
fizesse o mesmo papel que fazia ao lado de Yul na Broadway. Entretanto, ela
faleceu antes do início das filmagens e começou a cruzada para arranjar uma
substituta. Kerr não foi a primeira opção, pois Maureen O’Hara, cujo potencial
como cantora quase nunca é reconhecido, foi recusada. Além do mais, Dunne é uma
confidente do rei, enquanto a relação de Kerr com o soberano tem um lado mais
amoroso, pois ele sente ciúmes dela e a música “Shall We Dance” mostra toda a
tensão sexual entre eles.
A disputa é acirrada quando se trata do
rei. Não é possível negar que este é o papel mais comumente associado a Yul
Brynner, um tipo exótico que sem o rei do Sião dificilmente conseguiria
trabalho em Hollywood. Brynner deu vida a Mongkut desde a estreia do musical em
1951 na Broadway, e continuou protagonizando novas temporadas dele até sua
morte em 1985, além de interpretar o rei na televisão em 1972. Rex Harrison,
por sua vez, tem outros personagens memoráveis, entre eles o protagonista de “O
Fantasma Apaixonado \ The Ghost and Mrs Muir” (1947) e o professor Higgins em
“My Fair Lady” (1964), pelo qual ganhou o Oscar. “O Rei e Eu” foi o responsável
por dar o Oscar de Melhor Ator a Yul Brynner, e aqui tenha minha opinião: quem
merecia o prêmio na ocasião era Kirk Douglas por interpretar Van Gogh em “Sedede Viver \ Lust for Life”.
Todas as obras referentes a Anna e o
rei do Sião são baseadas nas memórias de Anna e também no livro escrito por
Margaret Landon em 1944. Ambas eram feministas, e por isso deram bastante
ênfase à misoginia com que as várias mulheres da corte eram tratadas. Em 1946,
o rei surge como uma figura mais engraçada, pois sua busca por sabedoria muitas
vezes se mostra ingênua, enquanto em 1956 e na própria peça de teatro de
Rodgers & Hammerstein ele é uma figura mais tirânica. O reflexo dessa
caracterização foi óbvio: na Tailândia, antigo Sião, a versão de 1956 foi
banida, enquanto a de 1946 pode ser exibida. Mesmo assim, a primeira provocou
reação: dois intelectuais tailandeses escreveram em 1948 um livro com sua
versão sobre o rei do Sião.
A história de Anna e
o rei do Sião também virou desenho, em 1999, e mais um filme, no mesmo ano, com
Jodie Foster e Yun-Fat Chow. Com alguns exageros e outros detalhes
surpreendentes (o rei realmente escreveu para o presidente dos Estados Unidos
oferecendo-lhe uma manada de elefantes, o que Abraham Lincoln recusou
educadamente), a história dessas duas pessoas tão diferentes merece ser
conhecida, não importa a qual versão você assista. Et cetera, et cetera, et cetera : )
This is my last contribution to the Summer Under the Stars Blogathon, hosted by Jill at
Sittin’ on a Backyard Fence and Michael at ScribeHard on Film. Wonderful event!
Menina, eu AMO "O Rei e Eu". Um musical muito bonito (apesar de, é claro, estar em 3º, atrás de West Side Story & Cantando na Chuva)e sonho dançar uma valsa como a de Yul Brynner & Deborah Kerr. E sou "antiga" o suficiente para ter visto - e me apaixonado, pela série de 1972. Quero ter a chance de ver o de 46, com Rex Harrison. E, se não me engano, quem levou o Oscar em Sede de Viver foi Anthony Quinn, como Paul Gauguin.
ReplyDeleteanna e o rei eu vi, o outro não. anotado. beijos, pedrita
ReplyDeleteSão dois clássicos que ainda não assisti, como a versão mais recente.
ReplyDeleteAté mais
Já vi as versões de Deborah e Yull Brynner, e com a Irene, como gosto muito da Deborah Kerr, prefiro essa versão, etc, etc, etc. Amei o post!
ReplyDeleteLê, I love both Anna and the King of Siam and The King and I - they are quite different (beyond the fact that one is a musical and one is not), as your piece points out, and both have many strengths. One of the 1946 version's great strengths is the depiction of the king as sympathetic - and Rex Harrison's canny portrayal of him. This is the version that always tends to squeeze a tear out of me...
ReplyDeleteA segunda versão uma boa representação do melhor do super espetáculo musical.
ReplyDeleteApenas assisti a versão com a Jodie Foster e amei! É um filme perfeito - em termos de cenário, fotografia e figurinos então, é maravilhoso.
ReplyDeleteIrei tentar assistir os outros dois, Lê. A versão de 1946 me chamou bastante a atenção.
Beijos <3
P.S: Românticos Anônimos é um filme ótimo, adorei! Muito fofo né?
Wonderful post! It's true that Yul Brenner owns the role, but Harrison and Dunne were very good together. Both versions are enchanting - and very different.
ReplyDeleteOla,adorei tua postagem sobre Ana e o rei de Sião.Gosto demais desta historia e assisti aos dois filmes.Pretendo em algum momento cantar "shall we dance"e postar algo sobre.Poderiamos ter feito até algo em conjunto tipo "eu canto de cá e tu escreves de lá".Talvez num outro filme possamos fazer isso,se quiseres,é claro.Mais uma vez te parabenizo pelo extremo bom gosto de tuas escolhas.Meu grande abraço.SU
ReplyDeleteNão me recordo quando vi as duas versões, mas me lembro perfeitamente da história. Não se pode negar que são dois clássicos, ambos com elenco incrível. No entanto, gosto mais de 'O Rei e Eu' com Yul Brynner e Deborah Kerr. Achei que a escolha dos atores foi perfeita.
ReplyDeleteBeijos.
Thank you Le for such a great piece on a fantastic film! And thanks for all your contributions to this year's SUTS blogathon.
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