“Zorro”, em
espanhol, significa “raposa”. O autor nova-iorquino Johnston McCulley sabia bem
o que estava fazendo quando escolheu o nome de sua criação: o personagem, um quase
Robin-Hood hispânico, é de fato esperto como uma raposa. No ano seguinte
Douglas Fairbanks mostrou que também era esperto e estrelou o primeiro filme de
Zorro, que, além de revolucionar a carreira do ator, ainda gerou uma herança
nem sempre agradável para diversos personagens latinos no cinema.
Don Diego
Vega (Douglas Fairbanks) acabou de voltar de uma temporada na Espanha. Ele
encontra sua Califórnia natal cheia de problemas e, com as ideias modernas
adquiridas no Velho Continente, decide fazer justiça com as próprias mãos.
Capa, espada, chapéu, máscara, bigode: está pronto o disfarce de Zorro, o
defensor dos fracos e oprimidos! O terror dos poderosos! A esperança do povo! O
sonho das donzelas! Bem, Zorro pode ser o sonho de qualquer donzela, ao
contrário de Don Diego: quando enviado para fazer a corte a Lolita Pulidos
(Marguerite de La Motte), ele faz de tudo para parecer um homem bobo e pouco
interessante. Ao mesmo tempo, ele prega uma peça em Lolita aparecendo para ela
como Zorro, e fazendo-a se apaixonar pelo personagem. Ninguém desconfiaria que
o jovem tolo era na verdade o herói corajoso.
Esse é o
ingrediente principal de “A Marca do Zorro / The Mark of Zorro” (1920): humor.
Outros temperos do filme são a ação e a aventura. Em menos de quinze minutos de
projeção, já temos uma luta de espadas de tirar o fôlego entre Zorro e o sargento Gonzales (Noah
Beery). A dupla identidade de Don Diego / Zorro não poderia ser explorada de
forma mais cômica. O fidalgo preguiçoso tem como única diversão fazer truques
com um lenço, mas sua identidade secreta é zombeteira e audaciosa. Zorro
provoca os corruptos, tem os mais divertidos meios de sair de uma situação de
perigo e termina seus duelos deixando sua marca no oponente. Aos 37 anos, o
habilidoso Douglas Fairbanks dispensa dublês para escalar muros e saltar do
alto de janelas.
Em “O Filho
do Zorro / Don Q Son of Zorro” (1925), Fairbanks faz papel duplo (ou triplo?):
Don Diego / Zorro, e o filho de Don Diego, Don Cesar. Este filme, mais longo e
com mais aventura, tem um pouco menos de humor e uma dose extra de romance.
Isto é facilitado pelo fato de estrelar Mary Astor, então uma adorável starlet de 19 anos. Cesar Vega tem todas
as habilidades para conquistar Dolores de Muro (Astor): sabe fazer truques com
chicote, luta com espada, toca violão e é toureiro quando necessário. Herdou o
charme, a boa aparência e a coragem do pai.
Para impedir
que este ótimo cavalheiro conquiste a nobre Dolores, entra em cena o guarda
Sebastian (Donald Crisp, também diretor do filme). Acrescente a isso a presença
de Jean Hersholt como o calculista Don Fabrique e está feita uma sequência que,
se não melhor que a original, mais envolvente. Ambientada na Espanha e baseada no
romance “A história de amor de Don Q” (que NADA tinha a ver com Zorro), a
história não poderia ser transportada para as telas de um jeito melhor.
Zorro ousado |
Quem poderia
interpretar o “amante latino” na época do cinema mudo? Somente Douglas
Fairbanks. Ele possuía um ótimo físico e grande carisma, e podia muito bem
interpretar um latino sem passar vergonha (ou exagerar na maquiagem). Sua
imagem aqui é a que cria o estereótipo ao qual os latinos ficariam presos
durante décadas: o “Latin lover”. Para o cinema, o sangue latino representa
luxúria e espontaneidade. Alegria e sensualidade. Assim, muitos atores que nem
eram latinos, por sua pele morena e porte diferenciado, acabaram personificando
o “Latin lover” (Rudolf Valentino, por exemplo, era italiano).
E assim
Zorro se tornou para sempre sexy. Depois de Fairbanks, Tyrone Power interpretou
o personagem no filme de 1940, e Guy Williams o levou para as telas da
televisão – isso para citar só os casos mais notáveis. Em “O Pirata” (1948),
Gene Kelly toma emprestada a agilidade atlética de Fairbanks e nos faz
imaginar: não seria ótimo se Gene tivesse tido a chance de interpretar Zorro?
Ele poderia não ser original, mas seria uma bela volta às origens. O primeiro
Zorro 100% latino foi Antonio Banderas, em 1998. Novamente, o estereótipo se
repetia: irreverente, sensual e corajoso.
Assim como
os negros e asiáticos, os latinos são muito mal representados no cinema. Quando
não são coadjuvantes de westerns e usam sombreros
enormes, são garotas de sotaque engraçado (Carmen Miranda em alguns filmes e
Sofía Vergara na série “Modern Family”), são vilões de bigode (“greaser bandit”) ou são as “dark ladies”, moças morenas muito
sensuais (Rita Hayworth em “Sangue e Areia”, 1941). Os espanhóis e latinos não
são todos assim. Somos uma colcha de retalhos do ponto de vista cultural e de
personalidade.
Se não
bastassem todas essas influências do Zorro de Fairbanks, ele também tem papel
importante na trajetória de outro herói: Batman. Nos quadrinhos, os pais do
menino Bruce Wayne foram assassinados depois de uma sessão de “A Marca do
Zorro”, de 1920, e o pequeno Bruce presenciou o crime (a primeira história em
quadrinhos de Batman saiu em 1939, de modo que o Zorro que o influenciou só
pode ser Fairbanks). O próprio disfarce do homem-morcego lembra bastante o
justiceiro hispânico.
Quem mais
lucrou com “A Marca do Zorro” foi, claro, Douglas Fairbanks. Este primeiríssimo
longa-metragem distribuído pela United Artists deu uma nova carreira a
Fairbanks, que passou a ser o grande herói e conquistador dos anos 20,
interpretando cavaleiros, piratas e até Robin Hood. A influência do personagem
foi tamanha que uma cena de “A Marca do Zorro” aparece no filme “O Artista”
(2011). Mas, alegrias à parte, é a herança de “Latin lover” de Zorro que ficou
com mais força – e menos honradez.
This is my contribution
for the Hollywood’s Hispanic Heritage blogathon, hosted by the muchachas Aurora
at Citizen Screen and Kay at Movie Star Makeover. ¡Olé!
OLE! Indeed! Terrific commentary on Fairbanks and his representation of one of filmdom's great characters! I can't get enough of Zorro and it's thanks to this wonderful actor that the character has remained in our consciousness through the years, the standard by which all subsequent representations have been based. I've a soft spot for Ty Power's portrayal, but Fairbanks' version is unforgettable. Great entry and addition to the blogathon, Le!!
ReplyDeleteah, esse zorro, bacana. beijos, pedrita
ReplyDeleteYou make a very good point about Latino stereotyping. Hollywood seems to portray all Latinos as hot-blooded and impulsive, people who want nothing more than passion. It's not very often you see Latino characters as philosophers, math teachers or engineers in Hollywood.
ReplyDeleteI'd never made the Zorro - Batman connection before, great shout. I know he's stereotyped, but Zorro has always been one of my favourite 'Latino' characters, although whether that's truly down to the character or my love of Fairbanks' portrayal of the character is impossible to say!
ReplyDeleteI would've loved to see Gene play Zorro too—I guess we'll just have to settle for The Pirate, as you say :)
ReplyDeleteI very much enjoyed your thoughtful article. The dashing Zorro is an unforgettable character. Fairbanks has such fun in the role that it has resonated with generations and all future portrayals.
ReplyDeleteA great post! Tyrone Power is my favourite Zorro, but Douglas Fairbanks's portrayal would shape the character as we know him today. Mr. Fairbanks certainly did a great job!
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