} Crítica Retrô: 2019

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Monday, December 30, 2019

Kitty Foyle (1940)


O que te faz querer ver um filme? É o elenco, o diretor ou a sinopse? Você tem uma lista de filmes para assistir? Você se planeja com antecedência ou assiste a qualquer coisa que encontrar na TV ou no streaming? Você se importa com os prêmios que um filme ganhou ou isso é irrelevante? Estou perguntando porque há muitos, muitos filmes para ver, e algum critério deve ser aplicado para que possamos escolher quais filmes ver e quais deixar passar. “Kitty Foyle”, de 1940, por exemplo, parecia digno de ser visto por ter trazido a única indicação ao Oscar de Ginger Rogers... e ela ganhou o Oscar! E, de fato, “Kitty Foyle” me fez refletir bastante.

What makes you want to watch a movie? Is it the cast, the director or the synopsis? Do you have a watch list? Do you plan ahead or do you watch whatever is on TV or streaming? Do you care if a film has won awards or isn’t it relevant for you? I’m asking because there are many, many movies to see, and some criteria must be applied for us to choose which ones to check and which ones to ignore. “Kitty Foyle”, from 1940, for instance, seemed worth checking out because it brings Ginger Roger’s only Oscar nomination… and she won that Oscar! And, indeed, “Kitty Foyle” made me think a lot.


O começo do filme é de doer: em uma breve sequência ambientada no começo do século XX, o filme mostra uma jovem vivendo uma vida perfeita, completa com marido e filhos. A mulher decide “descer de seu pedestal” e perder “privilégios” para conseguir direitos iguais – isto é, poder votar e trabalhar fora de casa. Já dá para perceber que o livro “Kitty Foyle” e o roteiro do filme foram escritos por homens?

The beginning of the film is cringe worthy: in a brief sequence set in the 1900s, the film shows a girl living the perfect life, complete with husband and kids. The woman decided to “climb down her pedestal” and lose her “privileges” in order to achieve equal rights – that is, to be able to vote and join the workforce. Can you see that the novel “Kitty Foyle” was written by a man, and so was the screenplay?


Kitty (uma Ginger Rogers morena) é uma jovem trabalhadora dos anos 40 tendo que escolher entre dois pretendentes. Uma noite, após sair do trabalho, ela acompanha seu namorado médico Mark (James Craig) até a casa de uma paciente. Lá ele ajuda no parto de um bebê e, quando Kitty o ajuda e segura o bebê, ele a pede em casamento. Ela aceita e ainda diz que se sente “tão completa” segurando aquele bebê. Eles planejam se casar naquela mesma noite, mas quando Kitty chega à pensão onde vive, ela encontra seu outro pretendente, Wyn (Dennis Morgan). Só há um problema: Wyn quer ficar com ela, mas se recusa a se divorciar de sua esposa.

Kitty (a brunette Ginger Rogers) is a 1940s “white-collar girl” having to choose between two beaus. One night, after leaving her work, she accompanies her doctor boyfriend Mark (James Craig) to a patient's house. There he helps deliver a baby and, when Kitty helps him and holds the baby, he proposes to her. She says yes, and also says that she feels “so right” holding that baby. They plan to get married that same night, but when Kitty arrives at the boarding house she lives in, she finds her other beau, Wyn (Dennis Morgan). There is only a problem: Wyn wants to be with her, but he won't divorce his wife.


Uma sequência em flashback nos mostra que Kitty havia trabalhado para Wyn como datilógrafa. Em um gesto que deveria ser romântico, mas que se parece mais com assédio no trabalho, ele confessa seu amor por ela. E ela não conhece Mark em circunstâncias mais convenientes: ele a ajuda quando ela acidentalmente dispara o alarme da loja em que havia sido recém-contratada, e ele a chantageia para que ela aceite sair com ele.

A flashback sequence shows us that Kitty had worked for Wyn as a typist. In a move that should be romantic but looks more like workplace harassment, he confesses he loves her. And she doesn't meet Mark in more convenient circumstances either: he helps her when she accidentally sounds the alarm from the store she has just started working in and he humorously blackmails her to go on a date with him.


Há momentos mais progressistas no filme. Em um deles, Kitty enfrenta a família rica de Wyn, quando descobre que ele só poderia usar o dinheiro de sua herança se ele e ela vivessem na casa da família. Quando ela protesta por “gente morta poder ditar como Wyn vive sua vida”, nós quase nos esquecemos do discurso datado do começo.

There are more progressive moments in the film. In one of them, Kitty faces Wyn's rich family, when learning that he would only use his inheritance money if he and she lived in the family property. As she protests about how “dead people can say how Wyn must live his life”, we almost forget about the dated speech from the beginning.


O filme também lida com gravidez fora do casamento, mas encontra uma maneira muito convencional de rapidamente se livrar do assunto. Curiosamente, o livro era muito mais controverso – ele era vendido como “a novela mais ousada sobre uma mulher a ser escrita por um homem” – mas quase todos os temas controversos foram excluídos do roteiro por causa do Código Hays. Mais uma vez, o Código arruinou um filme – afinal, não podemos nos esquecer de que, na época, até a palavra “grávida” era proibida no cinema.

The film also deals with pregnancy out of wedlock, but it finds a very conventional way to quickly erase the subject. Interestingly, the novel was much more controversial – it was marketed as “the most daring novel ever written by a man about a woman” – but nearly all controversial themes had to be excluded from the screenplay due to the Hays Code. Once again, the Code has ruined a movie – after all, let’s not forget that back in the day even the word “pregnant” was forbidden in a film.


O título completo do filme é: “Kitty Foyle – A história natural de uma mulher”.  Isto é revelador, como se contentar-se com menos, com o mais conveniente, fosse o destino de todas as mulheres. Eu costumo dizer que se a poligamia fosse normalizada, 90% de todas as tramas de filmes perderiam o sentido. Isso aconteceria aqui, onde Kitty tem de escolher entre um homem que ela ama demais, mas com quem seu futuro é incerto, e um homem que ela não aprecia muito, mas com quem seu futuro será seguro.

The full title of the film is: “Kitty Foyle – The natural history of a woman”. This is revealing, as if settling for less, for the most convenient, was the fate of all women. I usually say that if polygamy was normalized, 90% of all film plots would stop working. This would happen here, where Kitty needs to choose between a man she loves deeply, but with whom her future is uncertain, and a man that she doesn’t like so much, but with whom her future will be safe.


Gostar de coisas antigas não significa ter valores antiquados. Eu não gostaria de ter nascido nos anos 1930. Eu sei que, se eu tivesse nascido naquela época, minha chance de ser uma mulher comum, dona de casa e mãe, seria muito maior do que minha chance de ter sido uma mulher trabalhadora e independente. Eu acredito que meu ponto de vista feminista é algo único que eu trago para minhas críticas, e tenho de apontar detalhes antiquados em filmes como “Kitty Foyle” para que possamos parar de romantizar a Era de Ouro do cinema como uma época melhor. Ela certamente não foi melhor para todos – talvez apenas para os homens brancos e heterossexuais, e é ótimo que nós, como sociedade, estejamos mudando isso.

Liking vintage things does not mean having vintage values. I don't wish I was born in the 1930s. I know that, if I was born back then, my chance of being a common woman, housewife and mother, would be much bigger than my chance of being an independent career woman. I believe that my feminist point of view is something unique I add to my reviews, and I have to point out those dated details in films like “Kitty Foyle” for us to sometimes stop romanticizing the Golden Age of Film as a better time. It certainly wasn’t better for all – maybe only for straight white man, and it’s so good that we, as a society, are changing this.


O roteiro foi escrito por Dalton Trumbo, com ajuda de Donald Ogden Stewart, mas ele pouco se parece com os melhores trabalhos destes grandes escritores. A história é romântica e por vezes engraçada, mas não tem o charme de “A Princesa e o Plebeu” (1953) de Trumbo e de “Núpcias de Escândalo” (1940) de Stewart.

The screenplay was written by Dalton Trumbo with help from Donald Ogden Stewart, but it hardly looks like the best works by those great writers. The story is romantic and sometimes funny, but lacks the charm of Trumbo’s “Roman Holiday” (1953) and Stewart’s “The Philadelphia Story” (1940).


Aliás, Ginger ganhou o Oscar derrotando Katharine Hepburn, de “Núpcias de Escândalo” – que havia se recusado a fazer “Kitty Foyle” – e outras indicadas cujas performances parecem ter merecido mais o prêmio do que ela: Joan Fontaine em “Rebecca” (1940) e a melhor de todas as indicadas, Bette Davis em “A Carta” (1940). Ah, e devemos nos lembrar de que Vivien Leigh sequer foi indicada por sua performance arrebatadora em “A Ponte de Waterloo” (1940)!

By the way, Ginger won her Oscar over Katharine Hepburn, from “The Philadelphia Story” – who had refused to star in “Kitty Foyle” – and other nominees whose performances seem more deserving than hers: Joan Fontaine in “Rebecca” (1940) and, the best of the bunch, Bette Davis in “The Letter”. Oh, and we must remember that Vivien Leigh wasn’t even nominated for her heartbreaking performance in “Waterloo Bridge” (1940)!


Ginger também lançou moda dentro e for a do filme. Do filme veio o “vestido Kitty Foyle”, um vestido escuro com colarinho e abotoadura brancos. Fora do filme, no Oscar, Ginger usou um vestido que causou frisson: com a parte de cima parecendo uma lingerie, o vestido de seda cinza foi considerado ousado demais. Mesmo que Ginger tenha seguido a sugestão de usar “tons sérios” por causa da guerra que estava em curso, foi a transparência do vestido que gerou críticas.

Ginger also created fashion trends in and outside the film. From the film came the “Kitty Foyle dress”, a dark dress with white collar and cuffs. Outside the film, at the Academy Awards, Ginger wore a dress that caused a stir: with the top part looking like a negligee, the grey silk dress was considered too daring. Although Ginger kept with the suggestion of wearing “muted tones” because of the ongoing war, it was the transparency of her dress that brought criticism.


“Kitty Foyle” é ruim? Não. É datado? Sim. Com um discurso de que o destino da mulher trabalhadora ainda é o casamento, o filme tem as qualidades e os defeitos que também encontramos nos melodramas de Douglas Srik, e nos anos 1950 Sirk provavelmente teria remodelado a história para torná-la mais interessante. Afinal, se havia alguém na Velha Hollywood que conhecia a “história natural de uma mulher”, este alguém era Sirk.

Is “Kitty Foyle” bad? No. Is it dated? Yes. With the speech about how the fate of the “white-collar girl” is still marriage, it has the positive and negative characteristics we also find in Douglas Sirk’s melodramas, and in the 1950s Sirk would probably have revamped the story to make it more interesting. After all, if there was someone in the Old Hollywood who knew about “the natural history of a woman”, this someone was Sirk.

This is my contribution to the Second Fred Astaire and Ginger Rogers blogathon, hosted by Michaela and Crystal at Love Letters to Old Hollywood and In the Good Old Days of Classic Hollywood.

Sunday, December 22, 2019

François Truffaut, filmes de guerra e eu

François Truffaut, war movies and me

François Truffaut é um dos deuses do cinema. Além de ser um grande diretor, roteirista e por vezes ator, ele amava o cinema acima de todas as coisas. Ele era um de nós, cinéfilos. Mas isso não significa que ele estava sempre correto em suas opiniões sobre o cinema. Há algum tempo eu li algo que Truffaut disse e discordei dele. Truffaut disse que não existe um filme completamente antiguerra porque mesmo os filmes antiguerra acabam glorificando a guerra.

François Truffaut is one of the cinema gods. Besides being a great director, screenwriter and sometimes actor, he loved cinema above all else. He was one of us, film people. But it doesn’t mean he was always right in his opinions about film. A while ago I read something Truffaut said and I strongly disagreed. Truffaut said that there can’t be a completely anti-war movie because even anti-war movies end up glorifying war.

Chicago Tribune - November 11th, 1973 

Eu encontrei esta declaração enquanto pesquisava para uma apresentação. Eu passei 2019 e boa parte de 2018 fazendo esta pesquisa. No final, escolhi 34 filmes, feitos entre 1917 e 2017 – este intervalo de 100 anos foi coincidência – sobre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais.

I came across this declaration when I was doing research for a presentation. I spent 2019 and a good chunk of 2018 doing this research. In the end, I chose 34 films, made between 1917 and 2017 – this 100-year period was a coincidence – about World War I and World War II.


Minha intenção era analisar o discurso nestes filmes, e como ele mudou com o passar do tempo. No final, eu descobri que, durante as guerras, os filmes tinham um tom bem patriótico, mas depois ele mudava. Com “Eu Acuso!” (1919) de Abel Gance, os filmes e a sociedade em geral começaram a ver a Primeira Guerra Mundial como uma guerra na qual não valeu a pena lutar – e que moldou a Geração Perdida. Entretanto, por causa dos horrores dos campos de concentração, a Segunda Guerra Mundial sempre foi retratada no cinema como uma guerra do bem contra o mal, com os bons sendo parte da Geração Grandiosa.

My intention was to analyze the discourse in those films, and how it changed over time. In the end, I found out that, during the wars, the films had a very patriotic tone, but afterwards it changed. With Abel Gance’s “J’Accuse!” (1919), films and society in general started seeing World War I as a war that was not worth fighting – and one that shaped the Lost Generation. However, due to the horrors of concentration camps, World War II was always portrayed in film as a war of good versus evil, with the good ones being part of the Greatest Generation.

Me at the presentation

Isso significa que a maioria dos filmes sobre a Primeira Guerra Mundial é de filmes antiguerra, enquanto filmes sobre a Segunda Guerra Mundial são a favor da guerra. No artigo, Truffaut menciona “Glória Feita de Sangue” (1957), de Kubrick, como um filme antiguerra que na verdade glorifica a guerra. Eu não concordo muito com isso, mas há um filme que é completamente antiguerra e contesta a teoria de Truffaut: “Nada de Novo no Front” (1930).

This means that most films about WWI are anti-war films, while WWII films are pro-war. In the article, Truffaut mentions Kubrick’s “Paths of Glory” (1957) as an anti-war film that actually glorifies war. I don’t really agree with that, but there is one film that is completely anti-war and disproves Truffaut’s theory: “All Quiet on the Western Front” (1930).


“Nada de Novo no Front” é um filme de 1930 da Universal Pictures dirigido por Lewis Milestone. Ele é baseado no romance homônimo de Erich Maria Remarque, publicado em 1928. Ele conta a história do jovem alemão Paul Bäumer (interpretado por Lew Ayres) e seus colegas de classe que se alistam no exército após um inflamado discurso patriótico feito por um professor. Eles aprenderão que a guerra é bem diferente da descrição do professor: menos emocionante e glamourosa.

“All Quiet on the Western Front” is a 1930 Universal Pictures movie directed by Lewis Milestone. It is based on the novel of the same name by Erich Maria Remarque, published in 1928. It follows the young German Paul Bäumer (played by Lew Ayres) and his fellow classmates who enlist in the German Army after their teacher makes an intense patriotic speech. They all will learn that war isn’t that exciting or glamorous as the teacher had painted it.


Para mim, há duas sequências fundamentais que mostram a desilusão destes jovens e também que a guerra não merecia o esforço. A primeira é quando o Cabo Himmelstoss (John Wray) – o homem abusivo que treinou os jovens antes de eles partirem para o campo de batalha – chega ao front e, vendo a guerra pela primeira vez, se mostra um covarde. Himmelstoss só era valente perto de jovens imaturos. Fato curioso: Himmelstoss significa "céu em queda" em alemão.

For me, there are two key sequences that show the disillusionment of those youngsters, also showing that the war was not worth fighting. The first is when Corporal Himmelstoss (John Wray) – the abusive man who trained the boys before they went to the front – arrives in the front and, seeing war for the first time, acts with cowardice. Himmelstoss was, after all, only a big bully. Curious fact: Himmelstoss means "falling sky" in German.


A segunda sequência envolve Paul voltando para casa, de folga. Quando ele chega à sua cidade natal, ele percebe que ninguém lá é capaz de imaginar os horrores da guerra, e eles inclusive acham que a Alemanha está a um passo da vitória. Pior ainda: quando ele visita sua velha escola, ele vê o professor Kantorek (Arnold Lucy) repetindo o mesmo discurso patriótico glorioso para alunos muito mais jovens que Paul. Revoltado, Paul conta a eles a verdade sobre a guerra, e como o professor não sabe do que está falando porque nunca esteve no front. Paul é então chamado de covarde pelos jovens estudantes, em transe com o discurso patriótico.

The second sequence involves Paul coming back home for a while. When he reaches his hometown, he realizes that nobody there imagines the horrors of war, and they all actually think that Germany is almost winning the war. Even worse: when he visits his old school, he finds Professor Kantorek (Arnold Lucy) repeating the same glorious patriotic speech to students much younger than Paul. Revolted, Paul tells them the truth about war, and how the professor can’t know them because he had never been to the front. Paul is then called a coward by the young students entranced by the patriotic speech.


“Nada de Novo no Front” era tão pacifista em sua mensagem que foi banido na Alemanha Nazista, na Itália fascista, na Áustria e até mesmo na França. Estes países só puderam ver a obra-prima de 1930 após a Segunda Guerra Mundial.

“All Quiet on the Western Front” had such a strong pacifist message that it was banned from Nazi Germany, fascist Italy, Austria and even France. Those countries could only see the 1930 masterpiece after World War II.


Além disso, a história foi tão profunda que fez o ator Lew Ayres se tornar pacifista. Isso lhe custou muito: ele se opunha à Segunda Guerra Mundial e se alistou no exército apenas para servir como ajudante médico. Depois de alguma confusão, ele finalmente seguiu no exército no posto desejado.

Moreover, the story was so appealing that it turned actor Lew Ayres into a lifelong pacifist. This cost a lot to him: he was a conscientious objector to the Second World War and enlisted in the army only to serve as medical aid. A little kerfuffle followed, until he was granted his wish.


Eu não consegui encontrar nada sobre o que Truffaut achou de “Nada de Novo no Front” – e sua opinião seria bem-vinda, porque o filme só estreou na França em 1963, quando Truffaut já era crítico de cinema. De qualquer forma, eu posso dizer uma coisa: por ter os vencedores da guerra contando uma história empática sobre os perdedores, “Nada de Novo no Front” humaniza ambos os lados do conflito e mostra que a guerra é inútil porque somos todos iguais. E eu sinto muito, monsieur Truffaut, mas este filme cria este discurso antiguerra da mais perfeita e inquestionável maneira que eu já vi no cinema.

I couldn’t find anything about what Truffaut thought of “All Quiet on the Western Front” – and his thoughts would be welcome, because the film was only allowed to be shown in France in 1963, when Truffaut was already a film critic. Anyway, I can say one thing: by letting the winners of the war tell an empathetic story about the losers, “All Quiet on the Western Front” humanizes both sides of the conflict and shows that war is useless because we’re all equal. And I’m sorry, monsieur Truffaut, but this film does this anti-war speech in the most perfect, unquestionable way I’ve ever seen on a screen.

Thursday, November 21, 2019

Teu Nome é Mulher (1957) / Designing Woman (1957)


Lauren Bacall provou que era ótima na comédia em 1953 com “Como Agarrar um Milionário”. Em 1957, ela substituiu Grace Kelly em uma comédia ao lado de um ator que foi uma escolha incomum para protagonista cômico: Gregory Peck! Com isso, é fácil ver, desde o início, que “Teu Nome é Mulher” não é um filme comum.

Lauren Bacall had proved that she was great at comedy in 1953 with “How to Marry a Millionaire”. In 1957, she replaced Grace Kelly in a comedy alongside an unusual choice for comic leading man: Gregory Peck! With this, it’s easy to see, from the beginning, that “Designing Woman” is not a common film.


“Teu Nome é Mulher” começa com cinco personagens quebrando a quarta parede e falando sobre certo “caso de Boston”. Finalmente, o primeiro personagem, interpretado por Gregory Peck, começa a contar o que aconteceu. Mike Hagen (Peck) está de ressaca após uma noite da qual ele não se lembra. Os efeitos sonoros são altos e exagerados, para que o espectador se sinta como o Mike de ressaca se sente: mesmo um alfinete tocando no fundo de uma lata de lixo o incomoda.

Designing Woman” starts with five characters breaking the fourth wall and talking about a certain “Boston affair”. Finally, the first character, played by Gregory Peck, starts telling what happened. The flashback begins. Mike Hagen (Peck) is hung-over after a wild night that is not stored in his memory. The sound effects are loud and exaggerated, in order to make us feel like hung-over Mike feels: even a pin hitting the bottom of a trash can bothers him.


Na noite anterior, enquanto estava bêbado, Mike conheceu e levou Marilla Brown (Lauren Bacall) para um bar. Lá ela o ajudou a escrever um artigo para sua coluna esportiva num jornal, e ele deu a ela 700 dólares como recompensa. Na manhã seguinte, ela devolve o dinheiro para Mike e, agora sóbrio, ele percebe que gosta da companhia dela. Logo – logo mesmo – eles estão casados.

The night before, while drunk, Mike had met and taken Marilla Brown (Lauren Bacall) to a bar. There she helped him write an article for his sports column at the newspaper, and he gave her 700 dollars as a reward. The morning after, she returns Mike the money and, now sober, he realizes he enjoys her company. Soon – too soon – they're married.


Mike e Marilla não sabem muito um sobre o outro. Quando eles voltam para Nova York, descobrem que não poderiam ser mais diferentes. Mike é colunista esportivo, Marilla é estilista. Mike morava em um apartamento que era como uma caixa de sapatos, Marilla o convenceu a se mudar para o apartamento dela, um lugar chique onde ela recebe seus amigos da alta sociedade. Mike tinha um relacionamento complicado com a atriz e cantora Lori Shannon (Dolores Gray), enquanto o produtor teatral Zachary Wilde (Tom Helmore) queria se casar com Marilla.

Mike and Marilla don't know much about each other. When they fly back to New York, they find out they couldn't be more different. Mike is a sports columnist, Marilla is a clothes designer. Mike lived in an apartment that is like a shoebox, Marilla convinces him to move to her place, a chic apartment where she receives her high society friends. Mike had a thing going on with actress / singer Lori Shannon (Dolores Gray), while theater producer Zachary Wilde (Tom Helmore) wanted to marry Marilla.


Marilla não suporta o fato de que Mike precisa assistir a lutas de boxe para o trabalho, e acha o amigo dele, Maxie (Mickey Shaughnessy), um ex-boxeador, muito estranho. Mike também não aprova os amigos de Marilla que estão montando uma peça de teatro, em especial o extravagante coreógrafo Randy (Jack Cole, coreógrafo do filme). Mas as coisas só começam a se complicar quando Marilla, Zach e Lori passam a trabalhar na mesma peça, e Mike desagrada o magnata do boxe Mart Daylor (Edward Platt) e começa a receber ameaças.

Marilla can't stand the fact that Mike needs to watch boxing matches to work, and finds his friend Maxie (Mickey Shaugnessy), a former boxer, a weird guy. Mike also disapproves Marilla's friends from a theater play, in special the extravagant choreographer Randy (Jack Cole, the film's real choreographer). But things only start getting complicated when Marilla, Zach and Lori start working in a theater play, and Mike displeases boxing mogul Mart Daylor (Edward Platt) and starts receiving threats.


Isso não é algo que você escuta todo dia, mas Gregory Peck está hilário neste filme. Como Mike, ele tem a oportunidade de mostrar seu talento tanto na comédia física quanto na hora de reagir a um acidente bastante incomum. Infelizmente, nem tudo é divertido: um elemento que envelheceu mal foi o tratamento de Maxie. Maxie é um homem que certamente teve danos cerebrais causados pela violência do boxe, e não foi certo usá-lo para causar riso.

This is not something you read every day, but Gregory Peck is hilarious in this film. As Mike, he has the opportunity to show his talent both in slapstick comedy and by doing deadpan faces as a reaction to a very uncommon incident. Unfortunately, not everything is fun: a bit that has aged badly is Maxie's treatment. Maxie is a man who certainly has had brain damage thanks to his boxing career, and it was not nice to use him to make the public laugh.


“Teu Nome é Mulher” deveria ser um projeto para Grace Kelly e James Stewart. Grace deixou Hollywood para se casar com o príncipe Rainier de Mônaco, e Stewart abandonou o projeto. Lauren Bacall e Gregory Peck, os novos protagonistas, se tornaram grandes amigos, uma amizade que durou o resto da vida. Mas o grande destaque do filme é mesmo o coreógrafo Jack Cole como Randy.

“Designing Woman” was meant to be a vehicle for Grace Kelly and James Stewart. Grace left Hollywood to marry Prince Rainier of Monaco, and Stewart abandoned the project. Lauren Bacall and Gregory Peck, the new leads, became good friends, a friendship that last until the end of their lives. But the MVP in this film is indeed choreographer Jack Cole as Randy.


“Teu Nome é Mulher” tem uma história curiosa: o filme foi escrito por George Wells, também produtor associado, e foi baseado em uma ideia da estilista Helen Rose! Wells ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original, embora muitas pessoas na indústria do cinema acreditassem que a trama era muito parecida com outro filme, “A Mulher do Dia”, de 1942 – o que eu não acredito. Há uma coisa, entretanto, com a qual todos concordamos: “Teu Nome é Mulher”, assim como todos os filmes de Vincente Minnelli, é uma delícia.

“Designing Woman” has a very unique background: this film was written by George Wells, also associate producer, and based on an idea given by stylist Helen Rose! Wells won the Oscar for Best Original Screenplay, although many people in the industry believed the plot followed too closely another film, 1942’s “Woman of the Year” – I don’t think so. There is one thing, however, that we all can agree with: “Designing Woman”, as all of Vincente Minnelli’s films, is delightful.

This is my contribution to the Third Annual Lauren Bacall blogathon, hosted by Crystal at In the Good Old Days of Classic Hollywood.


Friday, November 15, 2019

Fernando Pessoa e o cinema / Fernando Pessoa and film


Os dois escritores mais famosos de Portugal são o romancista José Saramago – que inclusive ganhou o Nobel – e o poeta Fernando Pessoa. Enquanto Saramago chegou a Hollywood com a adaptação paras as telas de seu livro “Ensaio Sobre a Cegueira” em 2008 – curiosamente dirigido pelo diretor brasileiro Fernando Meirelles – Pessoa nunca chegou a Hollywood. De acordo com o IMDb, seus escritos serviram de base para 36 produções, a maioria curtas-metragens. Mas o próprio Pessoa já havia sonhado em conquistar as telas.

The two most famous writers from Portugal are novelist José Saramago – who is also a Nobel laureate – and poet Fernando Pessoa. While Saramago made it to Hollywood when his novel “Ensaio Sobre a Cegueira” (Essay on Blindness) was adapted for the screen as the film “Blindness” (2008) – curiously directed by Brazilian director Fernando Meirelles – Pessoa never made it to Hollywood. According to IMDb, his writings were the base for 36 productions, most of them shorts. But Pessoa himself once dreamed about reaching the screen.


É importante dizer que Fernando Pessoa não era só um: ele era múltiplo. Ele criou diversos heterônimos para escrever em estilos diferentes e sobre assuntos diversos – e até criou biografias para eles. Um destes heterônimos era Álvaro de Campos, um poeta futurista, engenheiro e quase sempre um homem amargo. Em seu poema “Carnaval” ele diz: “Fitas de cinema correndo sempre / E nunca tendo um sentido preciso”. Álvaro de Campos criticava tudo, incluindo o cinema.

It’s important to say that Fernando Pessoa wasn’t just one: he was multiple. He created several alter egos / heteronyms to write in different styles and about different subjects – and even created biographies for them. One of these alter egos was Álvaro de Campos, a futuristic poet, an engineer and almost always a bitter man. In his poem “Carnaval” he says: “Film reels always running / And never having a precise sense”. Álvaro de Campos criticized everything, including cinema.
 
Fernando Pessoa Not Himself
(oil on canvas, 1976 by António Costa Pinheiro)
Mas o próprio Fernando Pessoa pensava que o cinema poderia ser muito útil para promover Portugal em terras estrangeiras. Então, o que ele fez? Ele planejou abrir uma companhia cinematográfica! Seu empreendimento, que seria chamado Cosmopolis, produziria filmes especiais de propaganda, mostrando o melhor lado do moderno e agora democrático país que era Portugal – o país se tornou uma república em 1910, abandonando o regime monárquico.

But Fernando Pessoa himself thought that cinema could be very useful to promote Portugal in foreign lands. So, what did he do? He planned to open a film company! His endeavor, to be called Cosmopolis, would produce special propaganda films, showing the best side of the modern and now democratic Portugal – the country became a republic in 1910, abandoning the monarchic government.
 
"I have in me all the dreams of the world"
O plano da Cosmopolis foi feito no final da década de 1910 e logo abandonado. Mas Pessoa voltou nos anos 20 com uma nova ideia: uma produtora de cinema a ser chamada de Ecce Film, que teria sua sede na famosa Rua de São Bento, 333-335, onde muitos filmes já haviam sido feitos. Este empreendimento também não se realizou. Mas Pessoa não se importou, pois em meados dos anos 1920 ele estava escrevendo argumentos para o cinema.

The Cosmopolis plan was made in the late 1910s and soon abandoned. But Pessoa came back in the 1920s with a new idea: a film production company to be called Ecce Film, and to have its headquarters at the famed São Bento Street, 333-335, where many films had been shot. This endeavor also didn’t become true. But Pessoa didn’t care, as in the mid-1920s he was actually writing film arguments.


Os sete argumentos que Fernando Pessoa escreveu foram mantidos em segredo por quase 80 anos, e em 2011 eles foram reunidos no livro “Argumentos para Filmes” pelos pesquisadores Patricio Ferrari e Claudia Fischer. Pessoa escreveu os argumentos em português (apenas os diálogos), inglês e francês, e estes textos podem ser divididos em duas categorias: thrillers (cinco deles) e comédias (os outros dois).

The seven arguments Fernando Pessoa wrote were kept a secret for nearly eighty years, and in 2011 they were reunited in the book “Argumentos para Filmes” (that is, Movie Scripts), by researchers Patricio Ferrari and Claudia Fischer. Pessoa wrote the arguments in Portuguese (dialogues only), English and French, and these texts can be divided in two categories: thrillers (five of them) and comedies (the other two).


Um argumento, intitulado “Três Andares”, demonstraria as desigualdades sociais através de três famílias de um mesmo prédio, mas de diferentes classes sociais, que executam a mesma ação. Um thriller inclusive apresenta o uso do MacGuffin: neste filme, um milionário cruzaria o Atlântico de navio levando consigo um objeto valioso e acompanhado por um detetive particular, e então várias pessoas tentariam roubar este objeto... apenas para descobrir no final que o objeto real já havia sido enviado em outro navio na semana anterior.

One argument, called “Three Floors”, would demonstrate social inequalities by having three families from the same building but from different social classes do the same actions. One thriller even has a clever use of the MacGuffin: in this film, a millionaire would cross the Atlantic by ship taking a valuable object with him and accompanied by a private detective, then several people try to steal this object... only to find out in the end that the real object had been shipped a week earlier in another ship.
Lisbon in the 1920s
É também interessante notar que Pessoa escreveu, em 1930: “Com exceção dos alemães e dos russos, ninguém ainda colocou nada de arte no cinema”. Ele parece refletir aqui a opinião de outros escritores portugueses que escreviam e publicavam a revista Presença e geralmente davam destaque aos filmes alemães e soviéticos. Embora Pessoa criticasse os “homens vazios do cinema”, comparando Mary Pickford e Rodolfo Valentino a aventureiros tolos que apenas queriam quebrar recordes de velocidade (ele usa as palavras “viciados em velocidade, estrelas de papelão do cinema”), uma revista com anotações encontrada em seus pertences mostra que ele estava particularmente interessado no mapa astral de Joan Crawford.

It’s also interesting to see that Pessoa wrote, in 1930: “Except the Germans and the Russians, no one has as yet been able to put anything like art into the cinema”. He seems to reflect here the opinion of fellow Portuguese writers who wrote and published the magazine Presença (Presence) and often highlighted German and Soviet films. Although Pessoa criticized the “film hollow men” of Hollywood, comparing Mary Pickford and Rudolf Valentino to silly adventurers who only wanted to break speed records (he uses the words “speed dopers, film cardboarders”), an annotated magazine found in his belongings shows that he was particularly interested in Joan Crawford’s astrology chart.


Fernando Pessoa faleceu em 1935 aos 47 anos – por causa de cirrose ou pancreatite. Ele deixou muitos trabalhos e empreendimentos inacabados, incluindo todos estes mencionados na seara do cinema. Companhia cinematográfica, produtora de filmes, argumentos fílmicos: é bastante coisa para alguém que escreveu, em uma carta de 1929 para o amigo José Régio: “Ao inquérito sobre cinema não responderei. Não sei o que penso do cinema.”

Fernando Pessoa passed away in 1935 at age 47 – due to either cirrhosis or pancreatitis. He left many works and endeavors unfinished, including all these mentioned in the film world. Film company, production company, seven arguments: it’s a lot for someone who wrote, in a 1929 letter to his friend José Régio: “I won’t answer the questionnaire about cinema. I don’t know what I think about cinema.”

"Como Fernando Pessoa Salvou Portugal" (2018)
Fontes:

FERRARI, Patricio. FISCHER, Claudia. Fernando Pessoa: Argumentos para Filmes. Lisboa: Editora Ática, 192 p, 2011.

FRIAS, Joana Matos. Transforma-se o espectador no próprio espectáculo: O desassossego fílmico de Fernando Pessoa.

MARTONI. Alex Sandro. O cinema de Fernando Pessoa. Cadernos de Letras da UFF - Dossiê: Palavra & Imagem n° 44, p. 393-398, 2012.

SANTIAGO, Silviano. Fernando Pessoa e o cinema. Estado de São Paulo, 09 de junho de 2012.

This is my contribution to the Luso World Cinema Blogathon, hosted by Beth and me at Spellbound by Movies and here at Crítica Retrô.