ESTE
ARTIGO CONTÉM SPOILERS.
Antes
de ER, Grey's Anatomy Private Practice, House e tantas outras séries
mostrarem a vida pessoal dos profissionais de saúde, o grande
diretor William A. Wellman, em tempos de pre-Code,
desfez parte da aura de caridade e desprendimento que tantas vezes é
criada em torno de médicos e enfermeiros. Ao mostrar que médicos e
enfermeiros têm desejos, se comportam mal e às vezes são realmente
detestáveis, este filme de mais de 80 anos nos ensina que há muitas
maneiras de salvar uma vida – incluindo formas jamais consideradas
em casos clínicos.
Lora
Hart (Barbara Stanwyck) não tem experiência nenhuma, mas, por ser
bonita, agradável e ter lindas pernas, recebe a ajuda do influente
Doutor Bell (Charles Winninger) para conseguir uma vaga no curso de
formação de enfermeiras. A colega de quarto de Lora é Maloney
(Joan Blondell), que não muito entusiasmada pela profissão, costuma
chegar muito tarde no dormitório e vive mascando chiclete, tendo
assim um ar despreocupado sempre. Maloney não leva Lora para um mau
caminho, felizmente, e as duas se formam no curso e se tornam,
finalmente, enfermeiras profissionais.
O
trabalho noturno de Lora consiste em cuidar de duas meninas que já
tinham ficado internadas no hospital sob seus cuidados. As irmãs não
apresentaram nenhuma melhora depois de voltar para casa, e Lora
desconfia de que elas estão desnutridas. Órfãs de pai, com uma mãe
constantemente bêbada, as meninas ficam sob o cuidado de uma
empregada, e também do motorista Nick (Clark Gable).
Uma
enfermeira não deve se intrometer nos assuntos pessoais de seus
pacientes, mas e quando essa intromissão pode fazer a diferença
entre a vida e a morte de uma criança? É quando a mais nova das
meninas de quem Lora cuida começa a piorar que a enfermeira passa a
desconfiar de Nick e seu cúmplice, o médico exclusivo do caso,
Doutor Ranger (Ralf Harolde). E Lora poderá pedir ajuda apenas para
um velho “amigo”, Mortie (Ben Lyon), um contrabandista de bebidas
de quem ela extraiu uma bala de revólver e mentiu para que ele não
fosse preso.
Desmistificar
a profissão médica é algo que não se vê muito em filmes. Mostrar
médicos e enfermeiros como seres normais, não endeusados que têm
“a nobre vocação de salvar vidas” é louvável e, como podemos
ver, acontece no cinema há muito mais tempo que imaginamos. Embora
Nick seja o grande vilão da história, doutor
Ranger é seu cúmplice, e a quantidade de médicos imprestáveis e
interesseiros no mundo é muito maior do que se pensa.
A
inversão das expectativas é, portanto, o que torna o filme mais
interessante. A Maloney de Joan Blondell não é divertida, mas sim
entediada, e a qualquer momento ela poderia dizer “frankly,
my dear, I don't give a damn”. E
Clark Gable como vilão é algo quase inimaginável, mas ele está
detestável em seus poucos minutos em cena, em um papel que quase foi
interpretado por James Cagney.
Em
muitas cenas Stanwyck e Blondell ficam só de lingerie enquanto
colocam seus uniformes de enfermeiras. Blondell é sedutora e está
mais preocupada com seus encontros que com seu trabalho. Mais tarde,
Gable agride Stanwyck violentamente. O mundo pre-Code
é a vida real, sem retoques ou
atenuantes.
Ainda
sem seu bigode famoso, Clark Gable foi dispensado da Warner Brothers
por ter orelhas muito grandes. Blondell e Stanwyck viram nele o
potencial de um astro, e estavam certas: Gable logo foi contratado
pela MGM, onde se tornou o “rei de Hollywood”.
Os
primeiros filmes da carreira de Barbara Stanwyck, feitos na era
pre-Code (1929-1934)
nunca decepcionam. Barbara brilha em cada um deles, e “Triunfos de
Mulher / Night Nurse” é um dos melhores trabalhos da atriz, e um
dos melhores filmes dos anos 30. Temos
assédio
envolvendo enfermeiras, médicos e residentes, mães alcoólatras,
motoristas elegantes e perigosos, um impensável herói
contrabandista e
um profundo debate sobre ética em mais uma obra-prima estrelada por
nossa querida Stanwyck.