} Crítica Retrô: 2024

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Monday, October 14, 2024

43ª Giornate del Cinema Muto / 43rd Pordenone Silent Film Festival

 O que pode ser dito sobre a Giornate del Cinema Muto que eu não tenha dito antes aqui no meu blog? Claro, é a melhor semana do ano e prova de que uma pessoa pode assistir somente a filmes mudos pelo resto da vida e seria feliz. Mas tem uma coisa nova: ao ver um pouco quando entrou no meu quarto, minha mãe disse, sem querer ser desagradável: “gostar desse tipo de filme não pode ser normal”. Então aqui está, a cobertura da 43ª edição da Giornate Del Cinema muto para todas as pessoas maravilhosamente anormais que existem.

What could be said about the Pordenone Silent Film Festival that I didn’t say before here in my blog? Sure, it’s the best week of the year and the proof that one could watch only silent movies for the rest of one’s life and be happy. But there is something new: watching a bit when she entered my bedroom, my mother said, without meaning to be rude: “liking these kinds of movies isn’t normal.” So here it is, the coverage of the 43rd Giornate del Cinema Muto for all the wonderfully abnormal people out there.

No primeiro dia da programação online eu reencontrei um velho amigo, mas bem mais jovem do que eu havia visto antes: Ivor Novello. Ele é a estrela de “The Call of the Blood” (“L’Appel du Sang, 1919) junto a Phyllis Neilson-Terry. Ivor e Phyllis interpretam o casal de ingleses Maurice e Hermion, que vão de férias para a Sicília, na Itália, onde ele conhece Maddalena (Desdemona Mazza). Hermione tem de partir para a África para ajudar seu amigo Emile Artois e Maurice, graças ao sangue quente siciliano (!!!), inicia um romance com Maddalena. Este melodrama foi o primeiro filme de Novello!  

On the first day of online programming I got to meet again an old friend, although younger than when I met him: Ivor Novello. He was the star of “The Call of the Blood” (1919) alongside Phyllis Neilson-Terry. Ivor and Phyllis play English newlyweds Maurice and Hermione, who go vacationing to Sicily, Italy where he meets Maddalena (Desdemona Mazza). Hermione has to leave for Africa to help her friend Emile Artois and Maurice, due to his hot Sicilian blood (!!!), starts a romance with Maddalena. This melodrama was actually Novello’s film debut!

Outra velha amiga que reencontrei em Pordenone - curiosamente uma amiga também relacionada com o período mudo da obra de Alfred Hitchcock - foi Anny Ondra. Em “Suzy Saxofone” (1928), as amigas Suzy Hiller (Mary Parker) e Anni von Aspen (Anny Ondra) de Viena trocam de lugar em Londres. A nova Anni vai para um colégio interno e a nova Suzy vai para a Escola Tiller de dança. A narrativa se torna mais complexa com uma subtrama sobre apostas, até que Anni volta para Viena como Suzy Saxofone. Anny Ondra estava adorável e este filme reforçou meu amor pelo cinema alemão.

Another old friend I got to meet again at Pordenone – curiously a friend who is also tied to Alfred Hitchcock’s silent years – was Anny Ondra. In “Miss Saxophone” (or “Suzy Saxophone”, 1928), friends Suzy Hiller (Mary Parker) and Anni von Aspen (Anny Ondra) from Vienna swap places in London. The new Anni goes to boarding school and the new Suzy goes to the Tiller School for dancers. The narrative thickens with a subplot about bets, until Anni returns to Vienna as Saxophone Suzy. Anny Ondra was adorable and this film reinforced my love for German cinema.

Este ano as retrospectivas exibiram os cinemas - sim, no plural, - do Uzbequistão e da América Latina. O primeiro filme uzbeque foi “O Minarete da Morte” (exibido no Brasil como “O Harém da Morte”, 1925), baseado num conto popular do século XVI que conta as desventuras de uma mulher chamada Jemal (Nadezhda Vendelin). Primeiro ela é capturada por um bandido, então libertada pela mulher que o ama e inveja Jemal. Depois ela é novamente capturada, desta vez por um Emir e se torna o prêmio num jogo popular de Kok-Bori ou “capture a cabra”. Quem a ganha é Sadiq (Oleg Frelikh), o homem que a salvou na primeira ocasião, mas é sequestrada mais uma vez pelo filho do Emir, Shahruck-bek (Iona Talanov), para seu harém. Sadiq então inicia uma verdadeira revolução para salvar Jemal. Este foi provavelmente meu primeiro filme do Uzbequistão, um bastante impressionante com múltiplas cenas de multidão, belas locações, edição estilo soviético... e roupas maneiras.   

This year the special retrospectives showcased the silent cinemas – yes, the plural – of Uzbekistan and Latin America. The first Uzbek movie was “The Minaret of Death” (1925), based on a 16th century folk tale that tells the misadventures of a woman named Jemal (Nadezhda Vendelin). First she is captured by a common bandit, then set free by the woman who loves him and envies Jemal. Then she is captured once again, now by an Emir and becomes the prize in a popular game of Kok-Bori or “catch the goat”. She is won by Sadiq (Oleg Frelikh), the man who saved her in the first occasion, but is kidnapped once again by the Emir’s son, Shahrukh-bek (Iona Talanov), for his harem. Sadiq then leads a literal revolution to rescue Jemal. This was probably my first Uzbek film, and an impressive one with multiple crowd scenes, beautiful locations, Soviet-style editing… and nice clothes.

Oleg Frelikh é a estrela de “O Minarete da Morte” e o diretor de “A Leprosa”. O roteiro foi escrito por uma mulher, Lolakhan Saifullina, baseado no romance de F. Duchêne. A protagonista é Tyllia-Oi (Rachel Messerer), que se casa com Said-Vali e é agredida pelo marido. Ela procura ajuda mas acaba sendo estuprada pelo Coronel (Adrey Fayt). Isso é visto como uma traição ao marido e Tyllia-Oi tem de ser devolvida para a casa de seu pai, agora um lar desgraçado. As metáforas visuais aqui foram certeiras e a discussão toda muito moderna.  

Oleg Frelikh was the star of “The Minaret of Death” and the director of “The Leper” (1928). The screenplay was written by a woman, Lolakhan Saifullina, based on F. Duchêne’s novel. The lead is Tyllia-Oi (Rachel Messerer), who marries Said-Vali and is beaten by her husband. She seeks help but instead she’s raped by the Colonel (Andrey Fayt). This is seen as a betrayal to her husband and Tyllia-Oi has to be returned to her father’s home, now disgraced because of her. The visual metaphors here were on point and the overall discussions very forward-thinking.

Podemos encontrar melodrama não somente em “The Call of the Blood”, mas também na América Latina - em mais de um sentido. É estimado que mais de 90% dos filmes mudos latino-americanos estão perdidos e aqui trabalhamos, como Jay disse em sua introdução, em instituições com verbas pequenas e menosprezadas, se comparadas com o resto do mundo. Por causa disso, muito - se não a maioria - do nosso cinema mudo está em estado de fragmentos. E Pordenone não se avexou em exibir fragmentos em sua versão online, felizmente. Tivemos uma comédia do Chile, um melodrama moralizante que deveria ser um filme falado do México e uma divertida propaganda do Brasil.   

We can find melodrama not only in “The Call of the Blood”, but also in Latin America – in more than one sense. It’s estimated that more than 90% of Latin American silent film is lost and we here work, as Jay mentions in his intro, in underfunded and undervalued institutions, compared to the rest of the world. Due to this, much – if not most – of our silent cinema is in fragmentary state. And Pordenone didn’t shy away from showing fragments in its online version, thankfully. We had a slapstick from Chile, a moralizing melodrama that was supposed to be a talkie from Mexico and a funny advertisement from Brazil.

Agora o melodrama cinematográfico: o filme que provavelmente inaugurou um gênero e escreveu sua gramática, “Santa” de 1918 existe parcialmente. Sua protagonista é a atriz, diretora e fundadora do primeiro arquivo de cinema mexicano, Elena Sánchez Valenzuela. Santa é expulsa de sua casa no interior quando sua família descobre que ela não é mais virgem. Ela vai para a cidade grande, onde conhece um homem cego, Hipólito, e se apaixona por um toureiro, El Jarameño. Suas más decisões a levarão a uma vida de alcoolismo ou um amor cego a salvará?

Now to the reel melodrama: the film that probably inaugurated a genre and wrote its grammar, 1918’s “Santa” is half extant. Its lead is actress, director and the founder of the first Mexican film archive, Elena Sánchez Valenzuela. Santa is expelled from her countryside home when her family finds out she isn’t a virgin anymore. She goes to the big city, where she befriends a blind man, Hipólito, and falls in love with a bullfighter, El Jarameño. Will her bad decisions take her on a life of alcoholism or will a blind love save her?

De Cuba veio “A Virgem da Caridade” (“La Virgen de la Caridad, 1930), que é o único filme mudo que sobrou do país. Conta a história de amor entre Yeyo (Miguel Santos) e Trina (Diana Marde), ameaçada pelo pai dela e um falsário que quer tanto a propriedade “La Birijita” de Yeyo quanto Trina para si. Com um tom religioso sem ser pregador, foi um filme muito bom.

From Cuba came “La Virgen de la Caridad” (1930), which is actually the sole surviving silent film from the country. It tells the love story between Yeyo (Miguel Santos) and Trina (Diana Marde), challenged by her father and a forger that wants Yeyo’s property “La Birijita” and Trina for himself. With a religious undertone without being preachy, it was a very good film.

Outra retrospectiva em Pordenone focou no designer de cenários e diretor de arte Ben Carré, que trabalhou durante muitos anos na França e foi para Hollywood junto de Maurice Tourneur - a dupla fez um de meus filmes favoritos, o visualmente impactante “O Pássaro Azul” (1918). Não há tantos cenários deslumbrantes em “For the Soul of Rafael” (1920), no qual clara Kimball Young interpreta uma moça mexicana chamada Marta Raquel Estevan, criada num convento e prometida para Rafael Arteaga (Bertram Garssby). Rafael gosta de festejar e é primo de um bandido conhecido como El Capitan (Juan de La Cruz), que se disfarça de padre para despistar a polícia.  

Another retrospective in Pordenone focused on set designer and art director Ben Carré, who worked for many years in France and then went to Hollywood alongside Maurice Tourneur – the duo worked together in one of my favorite and most visually stunning movies, “The Blue Bird” (1918). Lavish sets aren’t so many in “For the Soul of Rafael” (1920), where Clara Kimball Young plays a Mexican girl named Marta Raquel Estevan, raised in a convent and betrothed to Rafael Arteaga (Bertram Garssby). Rafael likes to party hard and is the cousin of a bandit known as El Capitan (Juan de la Cruz), who disguises as a priest to deceive the police.

Rafael e Marta se casam, mas ela descobre que ele tem um filho que não assumiu. Para piorar as coisas, o caminho de Marta se cruza com o de Keith (J. Frank Glendon), um americano que ela ajudou a recuperar a saúde e que sua fiel criada indígena Polonia (Paula Merritt) disse ter morrido. Mas Marta está numa encruzilhada, pois ela prometeu para a sogra que cuidaria da alma de Rafael. Você pode perceber que a trama é bastante complexa e leva tempo para se formar, embora o final seja meio corrido.

Rafael and Marta get married, but she finds out he has an illegitimate child. To make things worse, Marta’s path crosses with Keith’s (J. Frank Glendon), an American she helped nurse back to health and her loyal Indian servant Polonia (Paula Merritt) said had died. But Marta is at a crossroads, as she promised her mother-in-law that she would guard the soul of Rafael. You can see that the plot is very complex and takes its time to develop, although the ending is a bit rushed.

E houve mais uma retrospectiva focada nos filmes mudos feitos ao redor do mundo por Anna May Wong. O festival online exibiu “Song” (1928), feito na Alemanha e escrito especificamente para Anna. Uma garota pobre chamada Song é resgatada numa praia de dois marmanjos que queriam machucá-la. Quem a resgata é John Houben (Heinrich George), um atirador de facas. Song se torna parte do número, até que os caminhos deles se cruzam com o de Gloria Lee (Mary Kidd), uma velha conhecida de John, por quem ele ainda nutre sentimentos. A maneira como Anna May Wong atua com as mãos, demonstrando sentimentos, é uma lembrança de uma arte perdida e de uma artista injustiçada.   

And there was yet another retrospective focusing on the silent films made all over the world by Anna May Wong. The online festival showed “Show Life” (“Song”, 1928), made in Germany and written specifically for Anna. A poor girl named Song is rescued at the beach from two men who wanted to harm her. The rescuer is John Houben (Heinrich George) a knife-thrower. Song becomes part of his act, until their paths cross with Gloria Lee’s (Mary Kidd), John’s old acquaintance for whom he still has feelings. The way Anna May Wong acts with her hands, showing emotion, is a reminder of a lost art and an artist treated unfairly.  

Há fantasia não apenas em “O Pássaro Azul”, mas também em “Folly of Vanity”, de 1925. O filme segue os recém-casados Robert (Jack Mulhall) e Alice (Billie Dove) conforme os primeiros desentendimentos da vida de casados acontecem, graças ao cliente dele, Mr Ridgeway (John St. Polis), que cultiva o ciúme no coração de Robert. A felicidade deles só voltará depois que Alice cair de um iate e foi levada até o Reino de Netuno debaixo d’água, completo com aqua-balés!

There is fantasy not only in “The Blue Bird”, but also in 1925’s “Folly of Vanity”. It follows newlyweds Robert (Jack Mulhall) and Alice (Billie Dove) as the first misunderstandings of their married life happen, thanks to Robert’s client Mr Ridgeway (John St. Polis), who cultivates jealousy in Robert’s heart. Their happiness will only come back after Alice falls from a yacht and is taken to Neptune’s Kingdom under the sea, complete with aqua-ballets!

E eu ainda não falei dos curtas-metragens! Muitos programas online consistiam de um ou dois curtas mais um longa. “La Mort de Mozart” (1909) foi um curta visualmente belo da retrospectiva Ben Carré que foi magistralmente acompanhado ao piano por meu amigo José María Serralde Ruiz. Outro deleite foi “Per La Morale” (191), que mostra quão ridículos são a censura e os censores - um assunto na ordem do dia.  

And I haven’t talked about all the shorts yet! Many screenings online consisted of one or two shorts plus the feature film. “La Mort de Mozart” (1909) was a visually stunning short from the Ben Carré retrospective that was masterfully accompanied by my friend José María Serralde Ruiz. Another delight was “Per la Morale” (1911), that shows how ridiculous censorship and censors are – a timely subject.

A atração final da 43ª edição foi “O Maricas” (“Girl Shy”, 1924) de Harold Lloyd acompanhada pela Zerorchestra. Lloyd interpreta o pobre garoto Harold Meadows, que escreve um livro sobre como conquistar as mulheres mesmo não sendo nenhum amante latino - na verdade, ele gagueja quando conversa com as garotas! E então ele conhece a rica Mary (Jobyna Ralston)... Há uma sequência elaborada de corrida contra o tempo que casou perfeitamente com o acompanhamento musical.  

The closing attraction for the 43rd edition was Harold Lloyd’s “Girl Shy” (1924) accompanied by the Zerorchestra. Lloyd plays the poor boy Harold Meadows, who writes a book on how to conquer women even though he’s no Latin Lover – in fact, he stutters when he talks to girls! And then he meets the rich girl Mary (Jobyna Ralston)… There was an elaborate sequence consisted of racing against time that was matched perfectly with the score.

E assim acaba minha cobertura da 43ª Giornate del Cinema Muto. As datas para o próximo ano já foram anunciadas. Vou cobrir o evento novamente? Sem dúvida! Mas estarei online ou ao vivo na bela Itália? É o que veremos...

And this ends my coverage of the 43rd Pordenone Silent Film Festival. Next year’s dates have already been announced. Will I cover it again? Without a doubt! But will I be online or there in the beautiful Italy? We shall see…

Saturday, September 28, 2024

Play Time - Tempo de Diversão (1967) / Play Time (1967)

 

“Meu Tio” (1958), de Jacques Tati, é um dos meus filmes preferidos de todos os tempos. Também gostei muito de “As Férias do Sr Hulot” (1953), do mesmo diretor. Por isso, não poderia estar mais animada para finalmente assistir ao filme que é considerado sua obra-prima “Play Time – Tempo de Diversão” (1967), que é tanto uma ode quanto uma crítica à modernidade. Infelizmente, me desapontei um pouco com o filme.

Jacques Tati’s “Mon Oncle” (1958) is one of my favorite movies of all time. I also highly enjoyed his “Monsieur Holut’s Vacation” (1953). So I couldn’t be more excited to finally watch what is considered his masterpiece, “Play Time” (1967), a movie that is both an ode to and a critic of modernity. Unfortunately, the film left me a bit disappointed.

Há duas linhas narrativas em “Play Time” que convergem em mais de uma ocasião. Uma linha segue um grupo totalmente feminino de turistas norte-americanas em Paris. A segunda segue, a partir dos 12 minutos de projeção, nosso velho amigo, o Sr Hulot (Tati).

There are two narrative lines in “Play Time” that get intertwined in more than one occasion. One line follows a group of North American female tourists in Paris. The second line follows, starting at the 12-minute mark, our old friend Monsieur Hulot (Tati).

Hulot tem um compromisso agendado em um enorme prédio de escritórios onde também está havendo uma feira de bugigangas modernas. Tati leva tempo – e isso é de se admirar – apresentando os ambientes para nós antes que cheguem os personagens. Isso acontece com o aeroporto no começo, o prédio de escritórios e o restaurante chique.

Hulot has an appointment in a huge office building where there is also a fair presenting modern gadgets. Tati takes his time – and that’s something to admire – to present the environments to us before the characters arrive there. This happens with the airport in the beginning, the office building and the fancy restaurant.

No meu DVD havia um especial para a TV norte-americana chamado “Tativille”, mostrando a cidade cenográfica construída por Tati especialmente para o filme. Tati declarou que, quando você inicia um filme, é você contra o mundo. Em “Play Time”, durante toda a projeção, é Hulot contra o mundo moderno. A modernidade é desconjuntada e fria, e Hulot traz calor para contrapor. Ele também traz calor ao quebrar a porta de vidro do restaurante: dali em diante não são só os “escolhidos” que podem entrar no recinto, que se torna então um local para todos.

In my DVD there was an special for American TV called “Tativille”, showing the town built on studio by Tati especially for the film. Tati declared that, when you start a movie, it’s you against the world. In “Play Time”, all during the projection, it’s Hulot against the modern world. Modernity is disjointed and cold, and Hulot brings warmth to it. He also brings warmth as he shatters the glass door in the restaurant: from then on, not only the “chosen ones” can enter the restaurant, it’s now a place for everybody.

Em “Tativille” também fiquei sabendo que Tati escolheu as turistas norte-americanas entre esposas de marinheiros que estavam em serviço perto do estúdio. A única que recebe mais atenção – e um nome – é a charmosa Barbara (Barbara Dennek). Dennek era uma babá alemã vizinha de Tati, por isso ele a contratou para o papel. Ela ficou, entretanto, incomodada com o longo tempo de gravação, por isso não fez mais filmes.

In “Tativille” I also learned that Tati chose the North American tourists among wives of sailors stationed near the studio. The one that receives more attention – and a name – is the charming Barbara (Barbara Dennek). Dennek was a German au pair who lived next door to Tati, so he hired her for the role. She was, however, disillusioned with the long shooting, so she didn’t appear in another film afterwards.

No IMDb fiquei sabendo que a sequência do restaurante demorou sete semanas para ser filmada, por causa de toda a ação que acontecia tanto no background quanto mais perto da câmera. A filmagem completa durou três anos e por não ter conseguido recobrar os gastos com a bilheteria, Tati ficou endividado por muito tempo.

On IMDb I learned that the restaurant sequence took seven weeks to shoot, because of all the action happening both in the background and the foreground. The whole shooting took three years and the failure to recover the costs at the box office left Tati in debt for a long time.

Jacques Tati disse que a estrela de “Play Time – Tempo de Diversão” é a decoração. Eu concordo. O filme é um deleite para os olhos, capaz de enlouquecer arquitetos e engenheiros. Para mim, não teve a simplicidade e o contraste entre o antigo e o novo que fizeram “Meu Tio” funcionar. A falta de uma linha narrativa também não ajudou. Ainda admiro Tati imensamente, mas “Meu Tio” continua sendo meu favorito entre seus filmes.

Jacques Tati said that the real star of “Play Time” is the decor. I agree. The film is a feast for the eyes and will make architects and engineers go crazy. For me, it lacked the simplicity and the contrast between old and new that made “Mon Oncle” work. The lack of a proper storyline to follow also didn’t help. I still admire Tati immensely, but “Mon Oncle” remains my favorite among his movies.

Saturday, September 21, 2024

O Marido Ideal (1947) / An Ideal Husband (1947)

 

A melhor coisa que pode acontecer quando você começa a assistir a um filme britânico é ver na abertura o alvo redondo que indica que o filme a que você assistirá é uma produção The Archers, companhia de Powell e Pressburger. A segunda melhor coisa que pode acontecer na mesma situação é ver o Big Bem, indicando que você assistirá a uma produção de Alexander Korda. Esta segunda coisa acontece no começo de “O Marido Ideal” (1947), produzido e dirigido por Korda.

 

The best thing that can happen when you start watching a British film is seeing in the opening the round target that indicates that the film you’ll watch was a production of The Archers, the production company for Powell and Pressburger. The second best thing that can happen in the same situation is seeing the Big Ben, indicating that you’ll watch an Alexander Korda production. This second thing happens in the beginning of “An Ideal Husband” (1947), produced and directed by Korda.


Como diz Mabel (Glynis Johns), a (alta) sociedade de Londres é “inteiramente composta de belos idiotas e brilhantes lunáticos”. É numa festa da alta sociedade dada pela cunhada de Mabel, Gertrude (Diana Wynyard), que somos apresentados aos personagens. O anfitrião é Robert Chiltern (Hugh Williams) e vinda de Viena para falar diretamente com ele temos a senhora Cheveley (Paulette Goddard). Ao redor deles há ainda o Lorde Caversham (C. Aubrey Smith) e seu filho, o Lorde Goring (Michael Wilding).


As Mabel (Glynis Johns) says, London (high) society is “entirely composed of beautiful idiots and brilliant lunatics”. It is in a high society séance hosted by Mabel’s sister-in-law Gertrude Chiltern (Diana Wynyard) that we’re introduced to our characters. The host is Robert Chiltern (Hugh Williams) and coming from Vienna to speak directly to him is Mrs Cheveley (Paulette Goddard). Around them there are also Lord Caversham (C. Aubrey Smith) and his son, Lord Goring (Michael Wilding).


O marido ideal é Robert, mas é Gertrude que o salva de cair na teia da senhora Cheveley. A socialite de Viena queria que ele defendesse um esquema para construir um canal na Argentina, e o convenceu a fazer isso através de chantagem. Quando Gertrue fica sabendo que seu marido não era tão “ideal” quanto ela pensava, o casamento entra em crise.

 

The ideal husband is Robert, but it’s Gertrude who saves him from falling in Mrs Cheveley’s web. The socialite from Vienna wanted him to endorse a scheme to build a canal in Argentina, and convinced him to do so through blackmail. When Gertrude learns that her husband isn’t as “ideal” as she thought, the marriage goes into crisis.

“O Marido Ideal” é baseado em uma peça de 1895 de Oscar Wilde, e foi adaptado para as telas por Laos Biró. Há espaço para humor, como quando duas mulheres – a senhora Cheveley e a Lady Markby (Constance Collier), para ser mais precisa – com chapéus extravagantes conversam sobre moda. Nascido no que era então o Império Austro-Húngaro, Lajos Biró faleceu menos de um ano após a estreia de “O Marido Ideal” nos cinemas. Ele era o chefe de roteiros para o estúdio de Korda.

 

“An Ideal Husband” is based on a work from 1895 by Oscar Wilde, written for the screen by Lajos Biró. There is space for humor, like when two women – Mrs Cheveley and Lady Markby (Constance Collier), to be precise –  with extravagant hats talk about fashion. Born in what was then Austria-Hungary, Lajos Biró died less than one year after “An Ideal Husband” premiered in theaters. He was the scenario chief for Korda’s production company.


Os figurinos foram feitos por Cecil Beaton. O destaque vai para um vestido lilás extravagante com uma capa laranja usada por Goddard. Ainda havia racionamento na Inglaterra durante as filmagens, por isso Beaton teve de improvisar em muitas cenas. Para piorar a situação, o filme foi rodado no verão, com o clima deixando os vestidos ainda mais desconfortáveis. Beaton mais tarde faria vestidos semelhantes para “Gigi” (1958) e “Minha Bela Dama” (1964).

 

The costumes were made by Cecil Beaton. The highlight is an extravagant lilac dress with an orange cape worn by Goddard. There was still rationing in England during the period, so Beaton had to improvise in many scenes. To make things worse, the film was shot during summer, making the heavy costumes even more uncomfortable to wear. Beaton later made similar dresses for “Gigi” (1958) and “My Fair Lady” (1964).


“O Marido Ideal” foi o último filme feito por Korda como diretor, embora ele tenha continuado trabalhando como produtor. O primeiro produtor de cinema britânico a se tornar Sir, Korda produziu 82 filmes e dirigiu 69, numa carreira que começou no cinema mudo na sua Hungria natal, assim como na Áustria e na Alemanha. Ele passou dois breves períodos em Hollywood, um no final da era muda e o segundo durante a Segunda Guerra Mundial. Entre os filmes mais famosos que ele dirigiu, temos “Longe dos Olhos”(1945) e, obviamente, “O Ladrão de Bagdá” (1940).

  

“An Ideal Husband” was Alexander Korda’s last credit as a director, even though he continued working as a producer. The first British film producer to receive knighthood, Korda produced 82 movies and directed 69, in a career that started in silent movies in his native Hungary as well as in Austria and German. He had two brief stints in Hollywood, one in the end of the silent era and the second during World War II. Among the most famous movies he directed, we have “Vacation from Marriage” (1945) and, of course, “The Thief of Bagdad” (1940).


“O Marido Ideal” é espirituoso e charmoso, mas o destaque é o Technicolor. O assunto é bastante arriscado, mas não se arrisca em demasiado. É como se a Inglaterra estivesse seguindo o código de produção de Hollywood. Não funcionou, pois o filme não teve grande bilheteria em mercados estrangeiros, mesmo sendo um dos dez maiores sucessos de bilheteria na Inglaterra. Há certas coisas que só os nativos gostam!

 

“An Ideal Husband” is witty and charming, but the highlight is the Technicolor. The subejct is rather raw, but no risks are taken. It's as if England was following Hollywood’s production code. It didn’t work, as the movie performed poorly in foreign markets, despite being one of the Top 10 money-makers in England. There are certain things that only locals can enjoy!

 

“O Marido Ideal” está disponível no YouTube com legendas em inglês.

 

“An Ideal Husband” is available on YouTube.

 

This is my contribution to the 11th Annual Rule, Britannia Blogathon, hosted by Terence at A Shroud of Thoughts.

Friday, August 30, 2024

Mortalmente Perigosa (1950) / Gun Crazy (1950)

 

Geralmente pensamos na Era de Ouro de Hollywood como uma época em que só filmes bons eram feitos por grandes estúdios. Não era bem assim: filmes ruins também eram feitos no período, só que eles não entraram no “cânone”. E não eram somente grandes estúdios que estavam fazendo filmes: os chamados estúdios da “Rua da Pobreza” também existiam, e alguns fizeram filmes muito bons. Uma destas pérolas de estúdios pequenos é “Mortalmente Perigosa” (1950).

  

We often think about the Golden Age of Hollywood as a time when only good movies were made by big studios. It wasn’t exactly like that: bad movies were also made at the period, they just didn’t enter “the canon”. And not only big studios were making movies: the so-called “Poverty Row” studios also existed, and some made very good movies. One of these pearls from small studios is “Gun Crazy” (1950).

Bart Tare sempre foi louco por armas e por atirar - algo que lhe causa problemas e por causa disso ele é mandado para o reformatório. De volta depois de anos ausente, Bart (John Dall) e seus amigos de infância vão assistir a um espetáculo itinerante da atiradora Annie Laurie Starr (Peggy Cummins). Depois de desafiar Laurie no palco, Bart consegue um lugar no espetáculo.

 

Bart Tare has always been crazy about guns and shooting - something that gets him into trouble and because of that he is sent to reform school. Back from years of absence, Bart (John Dall) and his childhood friends go see an itinerant show featuring the shooter Annie Laurie Starr (Peggy Cummins). After challenging Laurie on the stage, Bart gets a spot on the show.

A carreira dele como artista de espetáculo itinerante dura apenas alguns dias. Bart é um tolo apaixonado por Laurie, e ela também gosta dele. Mas o gerente do show, Packie (Berry Kroeger), diz que Laurie é dele. Quando Bart desafia a ordem do chefe de não ver mais Laurie, Packie demite ambos. Eles se casam, mas a felicidade e o pouco dinheiro que tinham não duram muito. O que eles fazem? Começam a fazer assaltos e, como são excelentes atiradores, eles sabem que não machucarão ninguém, só assustarão as pessoas com sua mira. Eles logo entram nas listas de Mais Procurados. E então eles planejam um último assalto antes de se aposentarem.

 

His career as a carnival attraction lasts for only a few days. Bart is a fool in love with Laurie, and she likes him too. But the carnival manager, Packie (Berry Kroeger), says Laurie is his. When Bart defies his order to not see Laurie, Packie fires both. They get married, but their happiness and the little money they have don’t last long. What do they do? Start robbing places and, as they are excellent shooters, they know they won’t harm anyone, just scare people with their aim. They soon enter the Most Wanted list. And then they plan one last job before retiring.

É interessante como Laurie é construída enquanto uma femme fatale. Quando eles são demitidos do espetáculo, é ela que dirige o carro - ela é a condutora da história, no final das contas. É ela quem tem grandes aspirações, quer coisas caras e um homem que possa dá-las para ela. Ela é a mente por trás dos assaltos e atira para matar quando quer, enquanto Bart não consegue machucar ninguém. Como todos os homens vítimas de femme fatales, Bart começa seu caminho para perdição quando conhece Laurie.

 

It’s interesting how Laurie is built as a femme fatale. When they are fired from the carnival, it’s her who drives the car - she is the conductor of the story, after all. She is the one with big aspirations, wanting expensive things and a man who can provide them for her. She is the mind behind the robberies and shoots to kill when she wants to, while Bart can’t harm any person. Like all the men who fall victims of femme fatales, Bart meets his doom when he becomes involved with Laurie.

O último a receber crédito é alguém que não se tornou uma grande estrela, mas que apareceu em filmes de prestígio como “Amor, Sublime Amor” (1961): Rusty Tamblyn, que é a primeira pessoa a aparecer na tela, como um jovem Bart que quebra a vitrine de uma loja para roubar uma arma. Atuando desde os 14 anos de idade, ele adotou o nome artístico Russ em 1953, aos 19 anos. Ele é atualmente o último protagonista sobrevivente de “Sete Noivas para Sete Irmãos” (1954).   

 

Last credited, someone who wouldn’t become exactly an A-lister, but who appeared in prestigious movies such as “West Side Story” (1961): Rusty Tamblyn, who is the first person to appear on screen, as a young Bart breaking a shop window to get a gun. Acting since age 14, he adopted the name Russ in 1953, at 19. He is currently the last surviving lead of “Seven Brides for Seven Brothers” (1954).

O diretor Joseph H. Lewis queria Veronica Lake como protagonista, mas não conseguiu libertá-la do contrato com outro estúdio. Peggy Cummins tem em “Mortalmente Perigosa” seu principal papel, dos 29 filmes e programas de TV que fez numa carreira que durou de 1940 a 1965. Peggy viveu até os 92 anos.

 

Director Joseph H. Lewis wanted Veronica Lake as the lead, but wasn’t able to get her out from the studio contract. Peggy Cummins has in “Gun Crazy” her main role, out of only 29 movies and TV shows she made in a career that lasted from 1940 to 1965. Peggy lived to be 92.

“Mortalmente Perigosa” foi baseado numa história originalmente publicada no Saturday Evening Post. O crédito foi para o autor da história, MacKinlay Kantor, e Millard Kaaufman, mas na realidade o roteiro foi escrito por Dalton Trumbo, que estava então na Lista Negra, e que persuadiu Kaufman a receber o crédito em seu lugar.

 

“Gun Crazy” was based on a story first published at the Saturday Evening Post. The credit goes to the author of said story, MacKinlay Kantor, and Millard Kaufman, but in reality the screenplay was written by Dalton Trumbo, then blacklisted, who persuaded Kaufman to receive credit in his place.

Bart e Laurie são levemente baseados em Bonnie e Clyde, mas é outro membro da Cena Criminal dos Velhos Tempos que merece destaque: o consultor técnico Al J. Jennings. Ele havia feito filmes, tanto mudos quanto falados, antes, mas foi sua experiência como ladrão de bancos que o levou para o set de “Mortalmente Perigosa”. Sua autobiografia foi filmada um ano depois com Dan Duryea interpretando-o em “Entre o Crime e a Lei”.

 

Bart and Laurie are loosely based on Bonnie and Clyde, but it’s another member of the Old-Days Crime Scene who gets the spotlight: technical advisor Al J. Jennings. He had appeared in a few films, both silent and talkies, before, but it was his expertise as a bank robber who brought him to the set of “Gun Crazy”. His autobiography was filmed one year later with Dan Duryea playing him in “Al Jennings of Oklahoma”.

O título original “Gun Crazy” pode se referir tanto a Bart quanto a Laurie. O título em português, “Mortalmente Perigosa”, com o adjetivo no feminino, se refere exclusivamente a Laurie. O título foi “Viver para Matar” (“Vivir para Matar”) na Argentina, “Mulher ou Demônio” (“Femme ou Démon”) na Bélgica e “O Demônio das Armas” (“El Demonio de las Armas”) na Espanha.

 

The original title “Gun Crazy” can refer to either Bart or Laurie. The title in Portuguese, “Deadly Dangerous”, as it has a female adjective, refers exclusively to Laurie. The title became “Living to Kill” (“Vivir para Matar”) in Argentine, “Woman or Devil” (“Femme ou démon”) in Belgium and “The Demon of the Guns” (“El Demonio de las Armas”) in Spain.

O estúdio King Brothers Productions esteve ativo em Hollywood entre 1941 e 1969. Além de “Mortalmente Perigosa”, que foi distribuída pela United Artists, ele também produziu “Arenas Sangrentas”(1956), também de um roteiro de Dalton Trumbo. A história do estúdio nos mostra que nunca há nada que seja “pequeno demais” - nem esteja “na lista negra” - que impeça um grande filme de ser feito.

 

King Brothers Productions was active in Hollywood from 1941 to 1969. Besides “Gun Crazy”, that was distributed by United Artists, it produced the successful “The Brave One” (1956), also from a script by Dalton Trumbo. The studio’s story shows us that there is never such a thing as “too small” - nor “blacklisted” - that can prevent a great movie to be made.

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