} Crítica Retrô: February 2023

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Saturday, February 25, 2023

Cinderela Baiana (1998)

 

Em 1995, um filme estreou no Brasil: “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil”, marcando o que se costumou chamar de Retomada do Cinema Brasileiro: depois de 20 anos de ditadura militar - quando a censura reinava - e uma década de inflação galopante, o cinema voltava a ser feito. Três anos depois, outro filme estreou, merecendo destaque por razões diferentes:  “Cinderela Baiana” é amplamente considerado o pior filme já feito no Brasil. Eu o assisti e escrevi esta crítica para que você não precise assisti-lo.

 

In 1995, a film premiered in Brazil: “Carlota Joaquina, Princess of Brazil”, marking what we used to call the Renaissance of Brazilian cinema: after 20 years of military dictatorship - when censorship was widespread - and a decade of high inflation, cinema was being made again. Three years later, another film premiered, outstanding for different reasons: “Cinderela Baiana” is widely considered the worst movie ever made in Brazil. I watched it and wrote this review so you don’t have to.

 


O filme começa bizarramente com uma cobra na cama de Maria (Juliana Calil). Não há nada para comer na casa e a família decide sair para começar o dia. Maria é a mãe de Carlinha, e Carlinha (interpretada quando criança por Carla Fabianny) é nossa heroína: uma garota que ama dançar. Maria sofre com uma tosse insistente e morre em consequência dela naquele mesmo dia, sem ouvir as boas notícias que o marido trazia: ele recebeu uma bolsa de estudos em Salvador, capital do estado da Bahia.

 

The film begins bizarrely with a snake on Maria’s (Juliana Calil) bed. There is nothing to eat in the house and the family decides to leave the house to start the day. Maria is Carlinha’s mother, and Carlinha (played as a child by Carla Fabianny) is our heroine: a girl who loves to dance. Maria has a persistent cough and dies from it that very same day, without hearing the good news from her husband: he was awarded a scholarship to study in Salvador, the capital of the state of Bahia.

 


Carlinha e seu pai vão para Salvador, onde ela frequenta a escola e ele encontra o sucesso trabalhando num escritório - mesmo assim, eles vivem numa favela alagada. Carlinha cresceu (interpretada agora por Carla Perez), mas ainda ama dançar. Apoiada por amigos, ela vai dançar num clube, onde é vista por um caça-talentos e sua vida muda para sempre.  

 

Carlinha and her father go to Salvador, where she enters school and he finds success working in an office - even though they live in a kind of shanty town. Carlinha is now grown up (and played by Carla Perez), but still loves to dance. Supported by friends, she goes to dance in a club where a talent hunter sees her and her life changes forever.

 


Carla Perez, que interpreta a protagonista, era uma famosa dançarina no grupo É o Tchan, um dos mais populares da época. Escolher alguém como ela para protagonizar um filme em nada difere de uma prática que vemos com frequência hoje: influenciadores digitais tentando se lançar como atores e atrizes - e em geral falhando. Como os influencers de hoje, fica claro que Carla Perez não tem talento como atriz - mesmo tentando, como na cena em que Carlinha anda de salto alto pela primeira vez - e a consequência é que o filme todo sofre com isso. A atriz que interpreta Graça, rival de Carlinha, também é terrível.

 

Carla Perez, who plays the lead, was a famous dancer in the group É o Tchan, one of the most popular at the time. Choosing her to be the lead of a movie is not at all different from a practice we see often today: digital influencers trying to become actors and actresses - and often failing. Like the influencers of nowadays, it’s clear that Carla Perez had no talent as an actress - even if she tries her best, like when Carlinha is walking in high heels for the first time -, and the consequence is that the film suffers as a whole. The actress who plays Carlinha’s rival Graça is also terrible.

 


Os novatos certamente são um problema, mas um ator profissional salva o filme. Perry Salles, então já estabelecido e popular como ator, interpreta Pierre, o empresário de Carlinha, como uma caricatura: um homem que só quer dinheiro e é verdadeiramente exagerado, sendo por vezes cômico, por vezes aterrorizante. Perry certamente percebeu que o filme era brega e exagerou na atuação de propósito, nos legando uma incrível performance em meio ao caos total.

 

The newcomers certainly have a problem, but a professional actor saves the movie. Perry Salles, then already an established and popular actor, plays Pierre, Carlinha’s manager, as a caricature: a man who only wants money and is truly larger-than-life, being at times comic, at times terrifying. Perry certainly realized that the film was camp and overacted on purpose, giving us an amazing performance in the middle of total chaos.

 


Foi curioso ver uma sequência envolvendo o quase-roubo de acarajés, prato típico baiano que eu adoro. Infelizmente, depois que os acarajés são dados aos famintos, todos começam a dançar na rua, mas não sabemos de onde a música está vindo. Em outra sequência, Carlinha dança ao ritmo de uma música que não está sendo tocada perto dela.

 

It was curious to see a sequence involving the near-theft of acarajés, a delicious typical dish from Bahia that I love. Unfortunately, after the acarajés are given to the hungry ones, everyone starts to dance on the street, but we don’t know where the song is coming from. In another sequence, Carlinha dances to the rhythm of a song that is not even being played near her.

 


Mas vamos falar sobre alguns pontos positives: o departamento de figurino se saiu bem, dando a Carlinha algumas poucas roupas rotas para usar, mostrando assim como ela era pobre. O departamento de arte também não glamourizou o “antes” da vida de Carlinha, mostrando que ela vivia e perambulava pela Salvador que não é mostrada para os turistas. Também foi bacana ouvir algumas das músicas mais populares da década d 1990 na trilha sonora.   

 

But let’s talk about some positive points: the wardrobe department did well, giving Carlinha only a few ragged clothes to wear showing us how poor she is at first. The art department also didn’t glamourize the “before” in Carlinha’s life, showing that she lived in and wandered through the Salvador that is not presented to the tourists. It was also nice to hear some of the most popular songs of the 1990s in the soundtrack.

 


Houve uma tentativa de “rebranding” de “Cinderela Baiana” como um filme infantile, mas não deu certo: é verdade que as crianças dos anos 1990 estavam assistindo a Carla Perez dançando nas tardes de domingo com o É o Tchan e sabiam as coreografias de todas as suas músicas, mas este definitivamente não é um filme para crianças. Por exemplo: muitas não entenderiam a trama principal, uma crítica de como o show business usa as pessoas quando elas estão no auge e depois as descarta.

 

There was an attempt to “rebrand” “Cinderela Baiana” as a kid’s movie, but it doesn’t work: it’s true that children in the 1990s were watching Carla Perez dance on Sunday afternoon with É o Tchan and knew the choreography to all their songs, but this definitely isn’t a movie for kids. For instance, many won’t understand the main plot, a critic to how show business uses people when they are at the top and then discharges them.

 


É com uma surpresa que lemos o nome de Lázaro Ramos quase no final dos créditos. “Cinderela Baiana” foi um de seus primeiros filmes, e aqui ele interpreta Chico, vizinho de Carlinha que gosta de espiá-la dançando e lhe dá o apelido de “Cinderela Baiana”. Com o tempo, Lázaro Ramos mostrou seu talento como ator, fazendo diversos filmes, séries de TV e novelas, e inclusive sendo indicado ao Emmy Internacional. Mais recentemente ele também se tornou diretor, com o potente “Medida Provisória” (2022) sendo sua estreia detrás das câmeras. Lázaro certa vez disse que não se arrependeu de fazer “Cinderela Baiana”, pois com o cachê que recebeu pôde pagar por aulas de atuação e deixar seu emprego num laboratório de análises clínicas.

 

It is with surprise that we read the name of Lázaro Ramos near the end of the credits. “Cinderela Baiana” was one of his first films, and here he plays Chico, Carlinha’s neighbor who likes to spy on her dancing and is actually the one who nicknames her “Cinderela Baiana”. With time, Lázaro Ramos showed his talent as an actor, making several movies, TV shows and soap operas, and was even nominated for an Emmy International. More recently he became a director too, with the powerful “Executive Order” (2022) being his directorial debut. Lázaro once said that he doesn’t regret being in “Cinderela Baiana”, because with the payment he received for the film he could take acting lessons and leave his job in a health lab.

 


O produtor Antonio Polo Galante estava fazendo sua volta triunfal depois de uma década longe dos cinemas. Ele foi um prolífico produtor da “Boca do Lixo”, uma região em São Paulo que serviu de resistência cultural à ditadura militar. “Cinderela Baiana” foi feito 100% com os recursos de Galante, por isso o fracasso do filme nas bilheterias acabou com sua carreira. Este foi também o último filme do diretor e roteirista Conrado Sanchez.


Producer Antonio Polo Galante was making his comeback after a decade away from cinema. He was a prolific producer from “Boca do Lixo”, a region in São Paulo that offered cultural resistance to the military dictatorship. “Cinderla Baiana” was made fully with Galante’s resources, so the film’s failure at the box office ended his career. It was also the last film made by screenwriter and director Conrado Sanchez.

 


Eu já vi uma boa quantidade de filmes brasileiros ruins - inclusive, minhas críticas mais populares no Letterboxd são de dois destes filmes brasileiros terríveis - e “Cinderela Baiana” pode entrar nesta lista. Com apenas 83 minutos de duração, por vezes o filme parecia se arrastar. E é mais uma prova de que uma má protagonista pode destruir um filme.


I’ve seen a fair share of awful Brazilian movies - in fact, my most popular reviews on Letterboxd are of two terrible Brazilian movies - and “Cinderela Baiana” is up there with these bad flicks. At only 83 minutes long, sometimes it felt that the movie dragged. And it is another proof that a bad lead can destroy a movie.

 

This is my contribution to the Fifth So Bad It’s Good blogathon, hosted by Rebecca at Taking Up Room.

Monday, February 20, 2023

Madame DuBarry (1919)

 

Onde estão as mulheres da História? Comumente negadas posições de poder e apagadas dos relatos, elas podem ser encontradas em livros de História como notas de rodapé ou por causa de sua ligação com homens poderosos. Uma das mulheres deste último grupo é Madame DuBarry (1743-1793), amante do Rei Luís XV e uma das múltiplas vítimas da guilhotina na Revolução Francesa.  A vida de Madame DuBarry foi tão interessante que era óbvio que serviria de inspiração para os cineastas. Um destes cineastas inspirados foi Ernst Lubitsch, que filmou sua versão da história em 1919, num filme estrelado por Pola Negri.

 

Where are the women in History? Often denied positions of power and erased from accounts, they can be found in History books as either footnotes or in mentions thanks to their liaisons with powerful men. One woman from the latter group is Madame DuBarry (1743-1793), King Louis XV’s mistress and one of many people to die in the guillotine during the French Revolution. Madame DuBarry’s life was so interesting that it’d be obvious that it would inspire filmmakers. One of the filmmakers inspired was Ernst Lubitsch, who made his own version of her story in 1919, starring Pola Negri.


Foi por acaso que a chapeleira Jeanne Vaubernier (Pola Negri) se aproximou da realeza francesa. Uma caixa de chapéus que ela levava foi pisoteada pelo cavalo do espanhol Don Diego (Magnus Stifter). Mesmo estando em um relacionamento com Armand (Harry Liedtke), ela aceitou o convite de Don Diego para ir até a casa dele numa tarde de domingo - e lá ela conheceu o Conde DuBarry (Eduard von Winterstein). Quando Armand mata Don Diego num duelo improvisado durante um baile, Jeanne rapidamente corta relações com Armand e vai viver com o Conde DuBarry, mesmo ele sendo abusivo com ela.

 

It was by chance that hatmaker Jeanne Vaubernier (Pola Negri) became close to French royalty. Her hatbox was stomped by the horse belonging to Spaniard Don Diego (Magnus Stifter). Despite being in a relationship with Armand (Harry Liedtke), she accepted Don Diego’s invitation to go to his residence on Sunday afternoon - and there she met the Count DuBarry (Eduard von Winterstein). When Armand kills Don Diego in an improvised duel during a ball, Jeanne quickly cuts ties with Armand and goes to live with Count DuBarry, even though he’s abusive towards her.


Um dia, o Rei Luís XV (Emil Jannings) vê Jeanne nos jardins reais. Ela é levada até o rei e os dois logo começam um relacionamento. Jeanne fica falada e, para ser respeitável novamente, ela se casa com o irmão do Conde DuBarry, Wilhelm. Agora Madame DuBarry, condessa, ela é a mulher mais poderosa da França, uma vez que é também amante do rei. Igualmente desprezada pelas mulheres da corte e pela gente comum, Madame DuBarry também esconde o fato de que ainda nutre sentimentos por Armand.

 

One day, King Louis XV (Emil Jannings) sees Jeanne in the royal gardens. She is brought to the king’s presence and the two soon start an affair. Jeanne becomes the talk of the town and, in order to be respectable again, she marries Count DuBarry’s brother Wilhelm. Now Madame DuBarry, a countess, she’s the most powerful woman in France, as she’s also the king’s mistress. Equally despised by the women in the court and by the common folks, Madame DuBarry also hides the feelings she still had for Armand.

“Madame DuBarry” foi dirigido por Ernst Lubitsch - sim, o mesmo Lubitsch que anos mais tarde encantou Hollywood com o “toque de Lubitsch”. Lubitsch havia começado sua carreira como ator, fazendo seu primeiro filme em frente às câmeras em 1913. Seu primeiro filme atrás das câmeras foi feito no ano seguinte, e até 1920 Lubitsch alternava trabalhos como diretor e ator. Ele teve grande êxito fazendo tanto dramas históricos - como “Madame DuBarry” - e comédias durante a era muda.

     

“Madame DuBarry” was directed by Ernst Lubitsch - yes, the same Lubitsch who years later amazed Hollywood with the “Lubitsch touch”. Lubitsch had started his career as an actor, making his first film in front of the cameras in 1913. His first film behind the cameras was made the following year, and until 1920 Lubitsch alternated works as director and actor. He found great success with both historical dramas - like “Madame DuBarry” - and comedies during the silent era.


Pola Negri é perfeita para o papel-título icônico. Flertando o tempo todo, ela tem um momento bastante breve para brilhar ao se vestir de homem para espionar os planos revolucionários de Armand. Sua cena mais curiosa, entretanto, acontece quando ela perde a cabeça ao ver o caixão de Luís XV. Muitos relatos afirmam que Pola também perdeu a cabeça no funeral de seu então namorado Rodolfo Valentino em 1926, então esta cena basicamente prevê um dos momentos mais icônicos da vida real de Pola Negri.

 

Pola Negri is perfect for the iconic title role. Flirtatious all the time, she has a too brief moment to shine when dressed as a male to spy on Armand’s revolutionary plans. Her most curious scene, however, happens when she loses her mind when she sees Louis XV’s coffin. Many accounts tell us that Pola also made a huge scene in the funeral of her then beau Rudolph Valentino in 1926, so this scene basically foresees one of Pola’s most iconic real life moments.


Os figurinos e cenários são, obviamente, o destaque. O vestido que Pola Negri usa quando Madame DuBarry é apresentada à corte é de tirar o fôlego, perfeitamente exagerado. Também gostei de ver um homem com “papilotes” no cabelo. As cenas com multidões são muito bem dirigidas e a pessoa responsável pela direção de arte foi Kurt Richter, um colaborador constante de Ernst Lubitsch.

 

The costumes and sets are, of course, outstanding. The dress Pola Negri wears when Madame DuBarry is introduced to the court is breathtaking, as well as perfectly exaggerated. I also liked seeing a guy with “papilottes” on his hair. The scenes with crowds are beautifully staged and the person responsible for the art direction was Kurt Richter, a constant collaborator of Ernst Lubitsch.

 


A versão de “Madame DuBarry” que eu vi tinha cartelas de texto tanto em alemão quanto em francês, e também legendas em português. Desta forma, pude praticar meu alemão enquanto assistia a esta bela restauração levada a cabo pelo Instituto F.W. Murnau em 2013. Melhorar meu alemão é uma das grandes metas que tenho para 2023, e é ainda melhor que eu possa fazer isso com filmes.

 

The version of “Madame DuBarry” I watched had title cards in both German and French, and also Portuguese closed captions. This way, I could improve my German while watching this beautiful restoration made by the F.W. Murnau Institute in 2013. Improving my German is one big goal I have for 2023, and it’s even better if I can do this with movies.


Suntuoso e divertido, “Madame DuBarry” é um ótimo filme com dois grandes nomes da época do cinema mudo: o diretor Lubitsch e a atriz Pola Negri. O filme foi um grande sucesso em Hollywood quando estreou em 1921, sob o título “Paixão”. Pode não ser um filme “obrigatório” para os fãs de cinema mudo, mas é uma maravilhosa produção de encher os olhos.

 

Lavish and entertaining, “Madame DuBarry” is a great silent film with two big players in the silent film era: director Lubitsch and actress Pola Negri. The film was a huge success in Hollywood when it arrived in 1921 under the title “Passion”. It may not be a “mandatory” viewing for silent film fans, but it’s a wonderful production and a feast for the eyes.

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