Quando comecei a ler o livro “Opostos que se atraem: as vidas de Erich
Maria Remarque e Paulette Goddard”, de Julie Gilbert, confesso que estava mais
interessada na estrela de cinema que no escritor. Com o passar das páginas,
esta opinião mudou completamente, e fiquei surpresa com o quanto me
identifiquei com Remarque, e não apenas por termos o mesmo signo e
escrevermos. Já com Paulette, minha
experiência foi diferente, mas também terminei o livro com uma impressão nova
sobre ela.
Erich Paul Remark nasceu em Osnabrück, Alemanha, em 22 de junho de
1898. Serviu na Primeira Guerra Mundial, indo para o front durante um mês em
1917. Sofreu ferimentos sem grandes consequências e passou o resto da guerra se
recuperando. Alcançou fama mundial com “Nada de Novo no Front”, seu terceiro romance,
publicado em 1928. Marion Goddard Levy nasceu em 3 de junho de 1910, em Nova
York, foi dançarina do Ziegfeld Follies ainda adolescente, fez pontas no cinema
e conquistou a fama em “Tempos Modernos”, de 1936. Embora seus caminhos tenham
se cruzado diversas vezes, eles só começaram a se relacionar em 1950,
casando-se em 1958.
Remarque sempre teve uma vida muito atrelada ao cinema. Seu
best-seller virou filme em 1930 e ganhou dois Oscars. Remarque havia sido,
inclusive, convidado a estrelar o filme, mas recusou o convite e o papel
principal ficou para Lew Ayres. O autor só viraria ator em outra adaptação de
um de seus livros: “Amar e Morrer”, de 1957. Entretanto, em suas várias
temporadas nos Estados Unidos, ele se envolveu com Marlene Dietrich, que conheceu
ainda na Alemanha, e teve uma espécie de amizade colorida com Greta Garbo.
Paulette foi moldada por Chaplin, e é imortal graças às suas duas
participações em filmes dele (sendo a outra em “O Grande Ditador”, de 1940).
Assim como as outras companheiras de cena de Chaplin (Edna Purviance, Lita
Grey, Virginia Cherrill...), ela não teve grandes sucessos longe dele, mas
conseguiu se manter em Hollywood graças à sua beleza e um jeitinho especial.
Foi casada quatro vezes. Seu segundo marido foi Chaplin e o terceiro, o ator
Burgess Meredith.
Paulette sabia falar sobre qualquer assunto e parecia esbanjar
cultura, mas o tempo todo fiquei com uma sensação de que Paulette era fútil.
Caprichosa e apaixonada por joias, ela tratava bem a quem poderia lhe dar algum
benefício, e era só. Remarque era um homem, no geral, sério, mas dado ao abuso
do álcool. Os trechos do diário de Remarque, nunca antes publicados, são o
grande trunfo do livro e trazem muitos esclarecimentos sobre a vida amorosa do
autor. Em geral, ele se relacionou com mulheres que prezavam mais sua
independência do que o companheirismo com o parceiro, e não digo que isto é de
tudo ruim. Mas creio que não gostaria de passar um tempo com Paulette.
Remarque foi um excelente escritor, e o tema que definiu todas as suas
obras tem um quê de autobiográfico: a guerra. Seja nas trincheiras, na volta
para casa e readaptação ou no ato de fugir da guerra, os livros do autor sempre
estão envoltos no conflito que marcou o século XX para a pátria alemã. Tendo se
refugiado na Suíça pouco depois de o partido nazista chegar ao poder, Remarque
tinha uma relação estranha com seu país de origem e, mesmo com todas as
homenagens, a Alemanha nunca o perdoou totalmente pelo pacifista “Nada de Novo
no Front”.
Paulette foi construída por Chaplin, e, no resto da carreira, esperava
que houvesse um diretor de mão firme para guiá-la sempre. Assim se deu bem com
Cecil B. DeMille, com quem fez três filmes a cores nos anos 40. Um deles,
“Vendaval de Paixões / Reap the wild Wind” (1942), foi seu prêmio de consolação
por ter perdido o papel de Scarlett O’Hara. Uma das justificativas era que
Paulette e Chaplin viviam juntos em 1939, mas não eram casados, e era
inaceitável que uma grande estrela vivesse nesta situação “ilegal”. Ela perdeu
o papel que 10 entre 10 moças de Hollywood queriam, mas isso não a impediu de
se tornar uma diva do cinema, rica e linda (em especial em seus filmes em
Technicolor).
A autora Julie Gilbert, da Universidade de Nova York, foi estimulada a
escrever o livro após ler o obituário de Paulette, em 1990. Como ela já tinha
desejo de escrever sobre Remarque, morto em 1970, foi aconselhada por Harriet
Pilpel, antiga advogada e confidente de Remarque, a unir os temas e escrever um
livro sobre os dois. Os capítulos alternam o ponto de referência, e de fato
funcionam bem separados: você pode ler só sobre quem lhe interessa. Mas estará
perdendo muito: Julie foi indicada ao Prêmio Pulitzer, o que mostra a qualidade
do livro.
As fotos bem no meio do livro são espetaculares. Conhecemos a família
e os cães de Remarque, a mulher com quem ele se casou duas vezes, Jutta, e
temos a rara oportunidade de ver Paulette loira, no começo da carreira, no Ziegfeld
Follies e como figurante no cinema. As entrevistas com personalidades de
Hollywood, de Luise Rainer a Ruth Albu (companheira de Marlene Dietrich nos
palcos alemães), de Douglas Fairbanks Jr a Billy Wilder. Fiquei um pouco
chateada apenas com o fato de haver spoilers da maioria dos livros de Remarque.
Bem, tirando isso, esta é uma biografia nota dez, que merece ser lida por todos
que querem entender melhor a cultura literária e cinematográfica do século XX.