} Crítica Retrô: March 2020

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Saturday, March 21, 2020

Desenho Retrô: Manda-Chuva

Retro Cartoon: Top Cat


Um dos meus desenhos favoritos de quando eu tinha uns oito anos de idade era “Manda-Chuva”. Não sei dizer exatamente o porquê de eu gostar tanto deste desenho – talvez porque era muito bacana e colorido? Talvez porque os gatos do beco usavam roupas? De qualquer forma, eu fiquei surpresa quando, recentemente, percebi que “Manda-Chuva” teve apenas UMA temporada – só 30 episódios! E, mesmo assim, deixou uma grande marca nas mentes dos amantes de desenhos – inclusive em minha mente.

One of my favorite cartoons as a kid of about eight years old was “Top Cat”. I can't exactly say why I liked that cartoon so much – maybe because it was so groovy and colorful? Maybe because the alley cats wore clothes? Well, anyway, I was surprised when, recently, I realized “Top Cat” only had ONE season – only 30 episodes! And, nevertheless, it left a huge mark on the minds of cartoon lovers – including my mind.


Dos seis gatos principais, meu favorito é o Xuxu. Ele é rosa, quieto, dramático e – a principal razão de eu gostar dele – ele usa um suéter branco de gola rulê. Xuxu é um cara blasé, calmo e elegante. Na verdade, meu episódio favorito de “Manda-Chuva” tem Xuxu como protagonista da ação: é o episódio 24, “Xuxu Fica Gagá”.

Out of the six main cats, my favorite is Choo-Choo. He is pink, quiet, dramatic and – the main reason why I like him – he wears a white sweater with a turtleneck. Choo-Choo is a blasé, calm, fashion guy. In fact, my favorite “Top Cat” episode puts Choo-Choo front and center in the action: it's episode 24, “Choo-Choo Goes Ga-Ga”.


O episódio começa com Manda-Chuva levando seus amigos Gênio, Bacana, Espeto e Batatinha para o parque para ver gatinhas. Eles não encontram gatinhas, mas veem Xuxu, que está prestes a pular da ponte porque está apaixonado pela estrela de cinema felina Lola Glamour e não consegue declarar seu amor por ela.

The episode begins with Top Cat taking his pals Brain, Fancy-Fancy, Spook and Benny to the park to see pretty kittens. They find no kittens there, but they see Choo-Choo, who is about to jump from a bridge because he's in love with feline movie star Lola Glamour and can't confess his feelings for her.


Lola mora no Hotel Ritzy Plaza. Ela toma café da manhã na cama, sempre recebe presentes dos admiradores, sai com marajás e barões e possui montes de joias. Ela também é um pouco antipática. Xuxu será capaz de conquistá-la? O primeiro desafio será entrar no hotel, mas Manda-Chuva se encarregou desta missão. Ele também dirá a Lola que Xuxu é na verdade o Conde Chooch – um milionário que é dono do Texas. O maior desafio será Xuxu vencer sua timidez.

Lola lives at the Ritzy Plaza Hotel. She eats breakfast in bed, always receives presents from admirers, goes out with barons and maharajahs and owns tons of jewels. She is a bit unsympathetic, too. Can Choo-Choo woo her? The first challenge will be to enter the hotel, but Top Cat got this mission. He will also tell Lola that Choo-Choo is actually Count Chooch – a millionaire who is the owner of Texas. The bigger challenge will be for Choo-Choo to overcome his shyness.


Esta não foi a primeira vez que Xuxu se apaixonou. Em um episódio anterior – “O Romance de Xuxu” - o gato rosa se apaixona por uma gata francesa chamada Goldie. No início, Manda-Chuva crê que o romance de Xuxu não pode dar certo, porque se der certo ele abandonará o grupo, mas quando descobre que Goldie tem um namorado, ele insiste em ajudar Xuxu a impressioná-la – primeiro ao salvá-la de bandidos, depois ao escrever poemas de amor.

This was not the first time Choo-Choo fell in love. In a previous episode – “Choo-Choo's Romance” - the pink cat becomes infatuated with a French kitten called Goldie. At first, Top cat thinks Choo-Choo's romance must sink, because if it is successful he'll abandon the group, but once he finds out Goldie has a boyfriend, he insists on helping Choo-Choo woo her – first by saving her from criminals, then by writing love poems.


“Manda-Chuva” foi inspirado pelos East Side Kids – um grupo de jovens atores originado nos Dead End Kids dos anos 1930 –, “The Phil Silvers Show”, que foi ao ar entre 1955 e 1959 e ao desenho de Hanna-Barbera “Joca e Dingue-Lingue”. Os gatos no desenho estavam sempre armando esquemas para enriquecer rápido ou conseguir uma boa refeição de graça. O Guarda Belo estava sempre por perto monitorando a gangue felina.

“Top Cat” was inspired by the East Side Kids – a group of youg actors originated in the 1930s Dead End Kids –, “The Phil Silvers Show”, that was broadcast between 1955 and 1959 and the Hanna-Barbera cartoon “Hokey Wolf”. The cats in the cartoon were always scheming some way to get rich quick or get a good meal for free. Officer Dibble was always around monitoring the feline gang.


Nos EUA, Arnold Stang dublava Manda-Chuva e Marvin Kaplan dublava Xuxu. Como curiosidade, a atriz Jean Vander Pyl dublou Goldie e Lola, as duas gatas por quem Xuxu se apaixona.  No Brasil, o ator Lima Duarte, então no começo da carreira, dublou Manda-Chuva e Espeto, com um sotaque bem diferente. O dublador Waldir Guedes dublou Xuxu e Bacana.

In the US, Arnold Stang voiced Top Cat and Marvin Kaplan voiced Choo-Choo. As a curiosity, actress Jean Vander Pyl voiced Goldie and Lola, the two cats Choo-Choo falls in love with. In Brazil, actor Lima Duarte, then in the beginning of his career, voiced Top Cat and also Spook, with a very different accent. Voice artist Waldir Guedes voiced both Choo-Choo and Fancy-Fancy.


Rever “Manda-Chuva” já adulta me permitiu rir de piadas que eu não compreendi quando era criança. Eu acredito que a maioria dos desenhos tem um pouco de conteúdo só para adultos, porque crianças não entendem algumas piadas e trocadilhos. Conforme eu revia o desenho, eu também vi que talvez, eu goste de Xuxu porque ele é como eu: quieto, dramático, tímido e muito elegante (hahaha).

Rewatching “Top Cat” as an adult allowed me to laugh at jokes that fell flat when I was a kid. I believe most cartoons really have a bit of their content made for adults only, because kids can't understand some jokes or puns. As I rewatched the cartoon, I also saw that, maybe, I like Choo-Choo because he is like me: quiet, dramatic, shy, and with great fashion sense (LOL).


Piadas à parte, eu acredito que “Manda-Chuva” foi cancelado cedo demais. Com seus episódios simples mas interessantes, eu posso imaginar o desenho durante muitas temporadas sem cansar. Infelizmente, o desenho teve muito mais sucesso na América Latina do que nos EUA. “Manda-Chuva” sobreviveu por uma década como história em quadrinhos e foi revivido por um estúdio de animação mexicano para dois longas em 2011 e 2015. Os novos filmes não foram grandes sucessos – e nós nunca saberemos que outras aventuras nossos amigos gatos poderiam ter vivido no desenho se ele tivesse durado mais um pouco.

Jokes aside, I believe “Top Cat” was cancelled too soon. With its simple yet amusing episodes, I could see the cartoon lasting many seasons without getting boring. Unfortunately, it was way more successful in Latin America than in the US. “Top Cat” survived for over a decade as a comic book and was revived by a Mexican animated studio for two features in 2011 and 2015. The revival was not very successful – and we'll never know the further adventures our cat friends could have lived in the cartoon if it had lasted longer.


This is my contribution to the 6th Annual Favourite TV Show Episode Blogathon, hosted by Terry at At Shroud of Thoughts.


Saturday, March 14, 2020

Uma Cabana no Céu (1943) / Cabin in the Sky (1943)


Hollywood é racista? A maioria de nós concordaria com a afirmação – e diria que Hollywood era ainda mais racista na chamada “Era de Ouro do cinema”, que não foi de ouro para todo mundo. Filmes com protagonistas negros eram raros, e diretores negros eram ainda mais raros. Mas, durante a Segunda Guerra Mundial, Hollywood viu potencial no mercado afro-americano e, tentando abraçar a diversidade, fez alguns musicais com elenco 100% negro. “Uma Cabine no Céu” (1943) foi um destes musicais.

Is Hollywood racist? Most of us would agree that it is – and it was even more in the so-called “Golden Age of Cinema”, one that wasn’t golden for everybody. Films with black leads were rare, and black directors were even rarer. But, during World War II, Hollywood saw a potential in the African-American market and, trying to embrace diversity, it made some all-black musicals. “Cabin in the Sky” (1943) was one of them.


Petunia (Ethel Waters) e Little Joe (Eddie ‘Rochester’ Anderson) se amam profundamente. Entretanto, Joe tem vícios que incomodam sua esposa e atrapalham sua vida. Estes vícios são jogos de azar e a vamp Georgia Brown (Lena Horne). Um dia, Joe escapa da missa para ir jogar e, talvez, pagar uma dívida. Mas ele é baleado no clube e levado de volta para casa em estado crítico.

Petunia (Ethel Waters) and Little Joe (Eddie 'Rochester' Anderson) love each other very much. However, Joe has addictions that bother his wife and prevents him to live his fullest. These addictions are gambling and the vamp Georgia Brown (Lena Horne). One day, Joe escapes church service to go gambling and, maybe, pay a debt. But he is shot at the club and taken back home in a critical state.


Joe morre, e começa uma batalha por sua alma. Para Lúcifer Jr. (Rex Ingram), é óbvio que ele pertence ao inferno. Mas a prece de Petunia é tão poderosa que um soldado (Kenneth Spencer) de Deus intervém. Depois de consultar o próprio Deus, os dois lados decidem dar a Joe uma segunda chance. Ele agora tem seis meses para limpar a alma (o termo usado é “whitewashing”!!!), ou ele irá direto para o inferno. O uso de luz e sombras nesta sequência é admirável.

Little Joe dies, and a battle for his soul starts. It's clear for Lucifer Jr. (Rex Ingram) that he belongs to hell. But Petunia's prayer is so powerful that a soldier (Kenneth Spencer) of God intervenes. After consulting God himself, the two sides decide to give Joe a second chance. He now has six months to “whitewash” (!!!) his soul, or he'll go straight to hell. The use of light and shadows in this sequence is something to admire.


Lúcifer Jr. e seu bando decidem intervir e mandar tentações para Joe. Eles decidem torná-lo rico – uma ideia de um diabólico Louis Armstrong – e adicionar Georgia Brown à equação para criar desentendimentos entre Petunia e Joe e fazê-lo escolher o pecado.

Lucifer Jr. and his crew decide to intervene and send temptations to little Joe. They decide to make him rich – an idea from a devilish Louis Armstrong – and add Georgia Brown to the equation to create a misunderstanding between Petunia and Joe and make him choose sin.


Nossa vamp Georgia Brown aparece apenas depois de 44 minutos. Ela é o exato oposto de Petunia. Petunia é a esposa esperta e trabalhadora, que se dedica de corpo e alma ao marido – sua felicidade tem nome, e esse nome é Joe. Georgia é uma femme fatale num musical, uma sedutora interessada em presentes, dinheiro e sexo.

Our vamp Georgia Brown only appears after 44 minutes. She is the exact opposite of Petunia. Petunia is the smart, hardworking wife who is completely devoted to her husband – her happiness has a name, and this name is Joe. Georgia is a femme fatale in a musical movie, a seductress interested in gifts, money and sex.


Ethel Waters e Lena Horne eram cantoras extraordinárias. Eddie ‘Rochester’ Anderson, por outro lado, não cantava tão bem, mas isso ajudou na imagem de homem comum de Joe. Você consegue imaginar alguém com a voz de, por exemplo, Paul Robeson como um pobre homem viciado em jogo e fraco para as tentações? Eu também não.

Ethel Waters and Lena Horne were outstanding singers. Eddie 'Rochester' Anderson, on the other hand, couldn't sing so well, but this helped the everyman image of his character Joe. I mean, can you imagine someone with the vocal range of, let's say, Paul Robeson being a poor man addicted to gambling and weak to temptations? Neither can I.


Lena Horne começou sua carreira como corista no famoso Cotton Club de Nova York no início dos anos 1930. No final da década ela já cantava com várias orquestras, e em 1942 ela foi contratada pela MGM. No entanto, na maioria de seus filmes ela aparecia como ela mesma em pequenas performances, sem importância para a trama, para que seu número pudesse ser cortado para a exibição do filme no sul dos EUA, região notadamente racista.

Lena Horne started her career as a chorus girl at the famous Cotton Club in New York in the early 1930s. By the end of the decade she was singing with several big band orchestras, and in 1942 she was hired by MGM. However, most of her film appearances at this time were as herself and in small walk-on performances, unimportant to the plot, so her number could be cut when the film was exhibited in the racist US South.


Mas houve alguns filmes que escandalizariam os racistas, e estes filmes tinham elenco 100% negro. “Uma Cabine no Céu” foi um deles – embora fosse apenas o quarto musical protagonizado por negros feito por um grande estúdio desde a chegada do som no cinema. Outro musical com elenco todo negro foi “Tempestade de Ritmo”, também feito em 1943, e também com Lena Horne. Isso significa que os dois maiores sucessos de Lena em Hollywood estrearam no mesmo ano.

But there were some films that would freak racists out, and those films had an all-black cast. “Cabin in the Sky” was one of them – although only the fourth all-black musical made by a major studio since the arrival of talkies. Another musical with an all-black cast was “Stormy Weather”, also released in 1943, and also featuring Lena Horne. This means the two biggest successes Lena had in Hollywood happened in the same year.


Além de Lena, você também encontrará Duke Ellington e sua orquestra tocando no clube onde Joe vai jogar. A orquestra de Ellington era o que chamavam de “hot bands”: bandas lideradas por negros e especializadas em swing e blues – jazz para dançar, não para relaxar. Duke Ellington esteve à frente de sua orquestra por mais de 60 anos e compôs mais de mil músicas.

Besides Lena, you can also find Duke Ellington and his orchestra playing at the club Joe goes to gamble. Ellington’s orchestra was what they called “hot bands”: bands leaded by black performers and specialized in swing and blues – jazz to dance, not to relax while listening. Duke Ellington led his orchestra for over 60 years and composed over 1,000 songs.


O então jovem diretor Vincente Minnelli recebeu seu primeiro crédito de direção em “Uma Cabine no Céu”. Busby Berkeley ajudou o novato em uma sequência, mas não recebeu crédito. Minnelli queria que Dooley Wilson, que interpretou Little Joe na Broadway, repetisse o papel no filme, mas a MGM acreditava que Eddie ‘Rochester’ Anderson era mais conhecido. Dooley Wilson, obviamente, é mais lembrado como o pianista Sam de “Casablanca”.

Up-and-coming director Vincente Minnelli received his first directing credit in “Cabin in the Sky”. Busby Berkeley helped the newcomer in one sequence, but went uncredited. Minnelli wanted Dooley Wilson, who had played Little Joe on Broadway, to also play the role in the film, but MGM believed Eddie ‘Rochester’ Anderson was a bigger star. Dooley Wilson, of course, is best remembered as pianist Sam from “Casablanca” (1942).


Eu vi duas coincidências interessantes entre “Uma Cabine no Céu” e “O Mágico de Oz” (1939), estrelado por Judy Garland, que mais tarde se casaria com Minnelli. Em ambos há um tornado importante para a trama – na verdade, a MGM reutilizou algumas tomadas do tornado de Oz no filme de 1943. E em ambos há atores que interpretam dois papéis, um num mundo de sonho ou sobrenatural – a terra de Oz em “O Mágico de Oz” e o Céu / Inferno em “Uma Cabine no Céu” – e outro no mundo real.

I saw two cool coincidences with “Cabin in the Sky” and “The Wizard of Oz” (1939), starring Judy Garland, who later would marry Minnelli. In both there is a tornado that is key to the plot – indeed, MGM reused some of the Oz tornado footage in the 1943 movie. And in both there are actors who play two roles, one in the dream or supernatural world – the Land of Oz in “The Wizard of Oz” and the Heaven / Hell in “Cabin in the Sky” – and another in the real world.


Este filme foi feito em uma época em que Hollywood estava tentando mostrar como eles eram amigáveis no tratamento do público afro-americano. Alerta de spoiler: eles não eram tão amigáveis. Estamos falando sobre os anos 1940, quando a segregação era forte e quando alguns prisioneiros de guerra nazistas se surpreenderam como péssimo tratamento dispensado aos negros no sul dos EUA. A própria Lena Horne se recusava a se apresentar para as tropas se os prisioneiros alemães fossem colocados nas fileiras da frente e os soldados negros nas fileiras de trás – uma prática muito comum até então.

This film was made in a time when Hollywood was trying to show how friendly they were towards the African-American public. Spoiler alert: they weren't so friendly. We're talking about the 1940s, when segregation was in full swing and when some Nazi prisoners of war were surprised by how badly black people were treated in the US South. Lena Horne herself refused to perform for war troops if German prisoners were put in the front row and black soldiers were put in the back – a very common practice then.


Lena Horne poderia ter mais tempo na tela em “Uma Cabine no Céu” se seu número “Ain’t It the Truth” não tivesse sido cortado. Ele foi considerado arriscado demais, pois Lena cantava enquanto tomava um banho de espuma. Como consequência, a versão de Louis Armstrong da mesma música também foi cortada, e ele ficou com um papel mínimo. A sequência foi usada num curta-metragem de 1946 e exibida em “Era Uma Vez em Hollywood, Parte III” (1994).

Lena Horne could have had more screen time in “Cabin in the Sky” if her number “Ain’t It the Truth” wasn’t cut. It was considered too risky, as Lena sung it while taking a bubble bath. As a consequence, Louis Armstrong’s rendition of the same song was also cut, leaving the musician with a minimum role. The sequence was used in a 1946 short and featured in “That’s Entertainment! III” (1994).


“Uma Cabine no Céu”, tanto o show da Broadway quanto o filme de Hollywood, foram escritos e dirigidos por homens broncos. Por causa disso, vemos algumas semelhanças na maneira como os negros são retratados aqui e em outras obras dos anos 1940. Por exemplo: em “Uma Cabine no Céu” e no último esquete de “Seis Destinos” (1942) – que também tinha Ethel Waters no elenco – os negros são mostrados como um pouco ingênuos, muito religiosos e com um forte senso de comunidade. Enquanto alguns temas, como a escolha entre bom e mau, são universais, é revigorante ver uma história como essa interpretada por artistas negros, o que também nos faz imaginar o que mais eles poderiam ter feito se Hollywood estivesse realmente interessada em diversidade.

“Cabin in the Sky”, both the Broadway show and the Hollywood movie, were written and directed by white men. Because of this, we see some similarities between how black people are portrayed here and in other works from the 1940s. For instance: in both “Cabin in the Sky” and in the last segment of “Tales of Manhattan” (1942) – that also had Ethel Waters in the cast – black people are portrayed as a bit naïve, deeply religious and with a strong sense of community. While some themes, like choosing good over evil, are universal, it’s refreshing to see a story like this played by black performers, which also makes us wonder what else they could achieve if Hollywood was really interested in diversity.

This is my contribution to the Pop Stars Moonlighting blogathon, hosted by Gill at ReelWeegieMidget Reviews.

Tuesday, March 10, 2020

Bancando o Águia (1924) / Sherlock Jr (1924)


Mise-en-abyme. Você pode não ter ouvido este termo – mas certamente sabe o que é: você já leu um livro ou, mais provável, viu um filme que usa esta técnica. Mise-en-abyme é uma narrativa dentro da narrativa, ou, no cinema, um filme dentro do filme. O primeiro deste tipo é provavelmente “The Countryman and the Cinematograph”, de 1901, mas um dos exemplos mais memoráveis vem de 1924, quando Buster Keaton não apenas apresentou um filme dentro do filme em “Bancando o Águia”, mas também entrou na tela para ser o herói com quem sonhava.

Mise-en-abyme. You may not have heard this term – but you certainly know what it is: you already have read a book or, more probably, seen a film that uses this technique. Mise-en-abyme is the narrative-within-a-narrative, or, in cinema, a film-within-a-film. The first of its kind is probably “The Countryman and the Cinematograph”, from 1901, but one of the most memorable examples comes from 1924, when Buster Keaton not only featured a film within a film in “Sherlock Jr”, but also entered the screen to be the hero of his dreams.


Um garoto (nosso Buster) é projecionista num cinema e aprendiz de detetive. Ele está apaixonado por uma garota (Kathryn McGuire), que também é cortejada por outro cara, o “Sheik Local” (Ward Crane). Um dia, o Sheik rouba um relógio do pai da garota e a culpa recai sobre Keaton. Buster segue o rival por um tempo, em uma cena perfeitamente coreografada, mas mais uma vez é enganado por ele.

A boy (our Buster) is a movie theater projectionist and a detective-in-training. He is in love with a girl (Kathryn McGuire), who is also courted by another guy, the Local Sheik (Ward Crane). One day, the Local Sheik steals a watch from the girl’s father and the blame falls on Keaton. Buster follows the Local Sheik for a while, in a perfectly choreographed scene, but is once again outsmarted by him.


Triste com seu fracasso investigativo, Buster vai trabalhar no cinema. O filme daquela noite é “Corações e Pérolas”, um romance de mistério e aventura sobre pérolas roubadas, estrelado pela mente brilhante de Sherlock Jr. Buster cai no sono na sala de projeção e sonha que está no filme – na verdade, a garota, o pai e a mãe dela e o Sheik Local estão todos no filme. Como Sherlock Jr, Buster tem inclusive seu próprio assistente, Gillette – uma homenagem a William Gillette, o primeiro ator a interpretar Sherlock nos palcos. Gillette é interpretado por Ford West, que também é o gerente do cinema e patrão de Buster.

Sad with his investigative failure, Buster goes to work in the movie theater. That night’s movie is “Hearts and Pearls”, a mystery-adventure-romance about stolen pearls starring the master mind Sherlock Jr. Buster falls asleep in the projection cabin and dreams he’s in the movie – indeed, the girl, her father, mother and the Local Sheik are all characters of the movie. As Sherlock Jr, Buster even has his own assistant, Gillette – an homage to William Gillette, the first actor to play Sherlock on stage. Gillette is played by Ford West, who also plays the theater manager.


O roteiro foi escrito por Jean Havez e Joe Mitchell, colaboradores frequentes de Buster, e Clyde Bruckman, um brilhante escritor de gags que co-dirigiu “A General” (1926). Lutando contra o alcoolismo desde o começo da era falada do cinema, Bruckman nunca recuperou sua carreira e se matou em 1955 usando a arma de Buster Keaton.

The screenplay was written by Jean Havez and Joe Mitchell, frequent Keaton contributors, and Clyde Bruckman, a brilliant gag writer who co-directed “The General” (1926). Battling alcoholism starting in the beginning of the sound era, Bruckman never regained his career and killed himself in 1955 using Buster Keaton’s gun.


“Bancando o Águia” traz a famosa cena da caixa d’água em que Buster quebrou o pescoço – mas não percebeu que estava quebrado até os anos 30, quando consultou um médico por causa de dores de cabeça. Também merece ser mencionada a sequência do bilhar. Buster teve de praticar por quatro meses e demorou cinco dias para filmar a sequência, e na tela ela flui com facilidade e mágica. Outra sequência memorável, porém perigosa, envolve Buster andando numa moto sem motorista, evitando acidentes por um triz.

“Sherlock Jr” brings the infamous water tower stunt in which Buster broke his neck – but didn’t realize it was broken until the 1930s, when he saw a doctor and complained about migraines. It’s also worth mentioning the pool playing sequence. Buster had to practice for four months and took five days to shoot the sequence, and in the screen it flows easily and magically. Another memorable yet dangerous sequence involves Buster riding in a motorcycle without a driver, avoiding accidents by a millimeter.

TRAIN!
Muito se debate sobre se Roscoe Arbuckle trabalhou ou não como diretor neste filme. Roscoe e Buster eram bons amigos, e foi nos curtas de Arbuckle que Buster estreou no cinema. Buster nos conta o que aconteceu de verdade no set de “Bancando o Águia” em sua autobiografia “My Wonderful World of Slapstick”: Roscoe ainda era um pária por causa do escândalo de Virginia Rappe alguns anos antes. Buster lhe ofereceu um trabalho como diretor sob um pseudônimo. Entretanto, Roscoe era insuportável no set. Sem autoconfiança e muito nervoso, ele fazia, segundo Buster, Kathryn McGuire chorar doze vezes por dia. Buster então convenceu Marion Davies a contratar Roscoe para dirigir o filme “O Moinho Vermelho” – e ela o fez, deixando que Buster dirigisse “Bancando o Águia” sozinho.

It’s debated whether or not Roscoe Arbuckle worked as a director in this film. Roscoe and Buster were good friends, and it was in Arbuckle’s shorts that Buster got his start in the movies. Buster tells us what really happened on the set of “Sherlock Jr” in his autobiography “My Wonderful World of Slapstick”: Roscoe was still a pariah due to the Virginia Rappe scandal a few years before. Buster offered him a directing job under a pseudonym. However, Roscoe was just irascible on set. Without self-confidence and very nervous, he’d make, as Buster states, Kathryn McGuire cry a dozen times a day. Buster then convinced Marion Davies to hire Roscoe to direct her picture “The Red Mill” – which she did, and Buster alone directed “Sherlock Jr”.


Assim como muitos outros, eu adoraria se “Bancando o Águia” fosse mais longo – afinal, quando mais Buster Keaton, melhor. Entretanto, este filme de 44 minutos consegue contar duas histórias paralelas, apresentar muitas gags e, o mais importante, mostrar como o cinema pode ser ao mesmo tempo escapismo e inspiração.

As I’m sure many others would, I’d love if “Sherlock Jr” was longer – after all, the more Buster, the better. However, this 44-minute film manages to tell two parallel stories, deliver a lot of gags and, the most important, show how cinema can be at the same time escapism and inspiration.


This is my contribution to the Sixth Annual Buster Keaton blogathon, hosted by Lea at Silent-ology.


Sunday, March 8, 2020

Laços de Sangue (1951) / Hard, Fast and Beautiful (1951)


Você provavelmente ouviu falar das mães loucas pela fama (“overbearing stage mothers” – mulheres que obrigam suas filhas a entrar para o mundo do entretenimento para que as carreiras das filhas sejam a realização dos sonhos das mães. Estas mulheres também controlam as carreiras das filhas de perto, afinal, tudo que suas filhas alcançam é visto por elas como uma vitória pessoal. Mas este tipo de mulher também age nos bastidores do mundo esportivo. Poderíamos chamá-las de “mães loucas pelo troféu”? Talvez. Vão importa o termo, temos um exemplo perfeito deste tipo abusivo de maternidade no filme “Laços de Sangue” (1951), de Ida Lupino.

You probably have heard about overbearing stage mothers – women who push their daughters to have a career in entertainment as a way to fulfill their own dreams of stardom. These women also control their daughters’ careers close, after all, everything their daughters accomplish is felt by them as a personal victory. But this kind of women also acts backstage in the sports world. Could we call them “overbearing court mothers”? Maybe. No matter the term, we have a perfect example of this abusive kind of motherhood in Ida Lupino’s “Hard, Fast and Beautiful” (1951).


Florence Farley (Sally Forrest) é uma jovem com talento natural para jogar tênis. Ela treina rebatendo a bola contra a porta da garagem de casa, e ela está novamente neste estranho treino quando Gordon McKay (Robert Clarke) a vê. Gordon estudou na mesma escola que ela, e trabalha em um clube local. Ele convida Florence para jogar tênis no clube. Vendo o potencial dela, Clarence (Joseph Kearns), o gerente do clube, se oferece para pagar para que ela participe de torneios de tênis pelo país.

Florence Farley (Sally Forrest) is a young woman with a natural talent to play tennis. She practices by hitting the ball in her garage door, and she’s doing just that when Gordon McKay (Robert Clarke) sees her. Gordon went to the same high school as she, and works in a local club. He invites Florence to go to the club and play. Seeing her potential, Clarence (Joseph Kearns), the club manager, offers to pay for her to participate in tennis tournaments around the country.


A mãe de Florence, Millie (Claire Trevor), insiste em acompanhar a filha nos torneios. Millie está presente quando Florence impressiona o olheiro Fletcher Locke (Carleton Young). Depois de flertar com Millie, Fletcher embarca na missão de fazer de Florence a campeã nacional das amadoras.

Florence’s mother, Millie (Claire Trevor), insists on accompanying her daughter to the competitions. Millie is there when Florence impresses the scout Fletcher Locke (Carleton Young). After flirting with Millie, Fletcher dives in the mission of turning Florence into the national amateur champion.


Enquanto isso, o pai de Florence, o apático Will (Kenneth Patterson, que se parece com Fredric March), acompanha de casa a carreira da filha, longe de toda a excitação que sua esposa busca. Como amadora, Florence não pode ganhar prêmios em dinheiro, mas pode receber presentes como roupas, descontos na compra de um carro e estadias grátis em hotéis. Ela é como uma influencer, mas do mundo do tênis – e Millie não podia estar mais feliz. Mas as coisas se complicam quando Florence anuncia que vai de casar com Gordon e está pensando em abandonar o esporte.

Meanwhile, Florence’s father, the apathetic Will (Kenneth Patterson, a Fredric March lookalike), follows his daughter’s career from home, far from all the excitement that thrills his wife. As an amateur, Florence can’t receive money prizes, but she can receive little gifts, like clothes, discounts in cars and free stays in hotels. She is like an influencer, but from the tennis world – and Millie couldn’t be happier. But things get complicated when Florence announces she’s marrying Gordon and thinking about abandoning the sport.


É óbvio que conquistar a fama através do esporte era o sonho de Millie, não de Florence. Isso fica claro quando Florence vence sua primeira competição e, quando um repórter de rádio pergunta como ela se sente após ganhar, ela diz para ele perguntar para a mãe dela. Millie responde com perfeição, como uma porta-voz ensaiada.

It’s obvious that becoming notorious through sport was Millie’s dream, not Florence’s. This is clear when Florence wins her first competition and, when a radio reporter asks her how she feels about winning, she tells him to ask her mother. Millie answers him perfectly, as a media-trained spokesperson.


Claire Trevor é uma atriz brilhante e subestimada. Inesquecível em filmes como “No Tempo das Diligências” (1939) e “Paixões em Fúria” (1948), aqui ela é sedutora e manipuladora. Eu entendo que, na juventude, Millie pode não ter tido as mesmas oportunidades de Florence, mas nada justifica manipular alguém para que essa pessoa faça o que você não foi capaz de fazer quando era jovem.

Claire Trevor is a brilliant and underrated actress. Unforgettable in films like “Stagecoach” (1939) and “Key Largo” (1948), here she is seductive and manipulating. I understand that, growing up, Millie may not have had the same opportunities as Florence, but nothing justifies manipulating someone to do what you couldn’t do earlier in your life.


Sally Forrest fo um dos talentos descobertos e cultivados por Ida Lupino enquanto diretora. Vinda da dança, Sally foi protagonista de dois filmes anteriores de Lupino, “Mãe Solteira” (1949) e “Quem Ama Não Teme” (1950). Com olhos brilhantes e uma expressão ingênua, ela faz com que a transformação de Florence no decorrer do filme seja ainda mais notável.

Sally Forrest was one of the talents discovered and cultivated by Ida Lupino as a director. Coming from dance, Sally was the lead of two previous Lupino-directed films, “Not Wanted” (1949) and “Never Fear” (1950). With bright eyes and a naïve expression, she makes Florence’s transformation later in the picture even more notable.


Um usuário do Letterboxd mencionou que Lupino enquadra seus personagens como se eles estivessem em uma partida de tênis metafórica. Isso é visto claramente quando a cerca e o grande girassol servem como uma rede de tênis para separar Florence e Gordon. Florence e Millie por vezes estão separadas por uma mesa, mas eu vejo a dinâmica delas mais como um cabo de guerra, em especial quando Florence percebe que está sendo manipulada.

One reviewer on Letterboxd mentioned that Lupino frames her characters as if they were in a metaphorical tennis match. This happens clearly when the fence and the massive sunflower serve as a tennis net to separate Florence and Gordon. Florence and Millie are sometimes separated by a table, but I see their dynamics more as a tug of war, in special when Florence realizes she’s being manipulated.


“Laços de Sangue” é um filme com ritmo rápido e dinâmico. A ação acontece na casa da família Farley, no clube, em diversos torneios aqui e ali, e a passagem de um cenário a outro é feita com fluidez. Você ficará hipnotizado pelas partidas de tênis mesmo se nunca foi fã do esporte. Sally Forrest foi treinada pela jogadora de tênis profissional Eleanor Tennant.

“Hard, Fast and Beautiful” is a movie with a quick, dynamic rhythm. The action happens in the Farley house, at the club, in several tournaments here and there, and going from one to the other happens with an easy flow. You’ll find yourself hypnotized by the tennis matches even if you’ve never been a fan of the sport. Sally Forrest was coached by professional tennis player Eleanor Tennant.


“Laços de Sangue” tem uma característica irônica, se pensarmos no filme com uma mentalidade moderna: no final, Florence tem de escolher entre uma mãe ciumenta que quer controlar a carreira dela e um homem ciumento que quer que ela abandone a carreira. É irônico pensar que este é o principal conflito em um filme feito pela única mulher diretora da Hollywood dos anos 1950. Mas, uma vez que conhecemos o conjunto da obra de Lupino, aprendemos que ele pode ser resumido em uma palavra: resiliência. E, às vezes, é sendo resiliente que uma mulher consegue o que quer – algo que Millie não aprendeu.

“Hard, Fast and Beautiful” has an ironic twist once we think about it with modern lenses: ultimately, Florence needs to choose between a jealous mother who wants to control her career and a jealous man who wants her to abandon her career. It’s ironic to think that this is the main conflict in a movie made by the only female director working in 1950s Hollywood. But, once we get to know Lupino’s body of work, we learn that it can be summarized in one word: resilience. And, sometimes, it’s by being resilient that a woman gets what she wants – something Millie didn’t learn.

This is my contribution to The 110 Years of Claire Trevor blogathon, hosted by Virginie and Crystal at The Wonderful World of Cinema and In the Good Old Days of Classic Hollywood.


Para saber mais sobre a carreira de Ida Lupino, dê uma olhada no Dossiê Ida Lupino.

To learn more about Ida Lupino’s career, take a look at the Ida Lupino Files.

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