Você
deve saber que Elizabeth Taylor foi a primeira atriz de cinema a receber um
milhão de dólares por um único filme: “Cleópatra”, em 1963. Antes dela, outras
atrizes já haviam interpretado a mais famosa rainha do Egito, entre elas Theda
Bara, Claudette Colbert e Vivien Leigh. Apenas Leigh pôde viver Cleópatra com
uma surpreendente dose de humor, e um estilo muito parecido com o de Scarlett O’Hara,
sua mais famosa personagem. Embora seja o Júlio César interpretado por Claude
Rains o grande herói da história, todos os olhares se voltam para a mais bela
joia do Nilo quando ela surge na tela.
Cleópatra
é mostrada como uma jovem divertida, ingênua e muitas vezes inconsequente. Ela
é um produto da dominação de Júlio César. Ele a toma como pupila e lhe ensina a
comandar um reino com firmeza. O primeiro encontro dos dois se dá aos pés de
uma esfinge, e aqui a voz aguda da inexperiente Cleópatra já denuncia sua
ingenuidade. César a convence a levá-lo ao palácio, sem dizer-lhe quem
realmente é. Ele dá suas primeiras lições sobre como tratar os escravos e como
ter confiança. Quando Cleópatra descobre quem é seu conselheiro, a empatia já
está formada.
César
agora está instalado dentro do palácio, e toma decisões sobre a própria
política do Egito. Um impasse ocorria entre Cleópatra e seu irmão / esposo
(porque os nobres egípcios se casavam com seus irmãos para manter a pureza do
sangue, algo que surpreende os romanos). Ptolomeu (Anthony Harvey), fraco e
despreparado para governar o Egito, logo estará fora da questão, apesar dos
esforços de seu gordo tutor Pothinus (Francis L. Sullivan).
A
trajetória da Cleópatra de Vivien Leigh curiosamente muito se assemelha à de
Scarlett O'Hara. Ela inclusive conta com uma “babá” ao estilo de Mammy (Hattie
McDaniel): a fiel e inconformada Ftatateeta (Flora Robson). Da menina mimada e
ingênua à mulher forte e tirana, Vivien passeia com a mesma graça, seja ela
Scarlett ou Cleópatra na tela. Linda e de olhar penetrante (em especial nos
close-ups perto do final), ela reproduz com muito charme a cena histórica em
que Cleópatra é dada de presente para César, enrolada em um grande tapete.
Nesta cena também merece destaque o entregador do tapete, o siciliano Apollodorus
(Stewart Granger), em um traje romano minúsculo.
A era
de ouro dos épicos bíblicos e históricos só aconteceria na década seguinte, e
talvez “César e Cleópatra” seria melhor se fosse feito dez anos depois. A
verdade é que alguns elementos grandiosos das superproduções em Cinemascope ou
de Cecil B. DeMille já estavam ali presentes, e é o cenário que se destaca,
junto com a surpreendente e maravilhosa mímesis de um pôr do sol nas areias do
deserto egípcio.
Se você
prestou atenção aos créditos, viu o nome de George Bernard Shaw. O dramaturgo escreveu
a peça “César e Cleópatra” em 1898, e ela foi encenada pela primeira vez em
1901. Em 1945, a ideia era ter Vivien Leigh como Cleópatra e John Gielgud como
Júlio César, mas Gielgud recusou o papel devido à sua antipatia para com o
diretor e produtor Gabriel Pascal. Entre 1951 e 1952, Vivien Leigh interpretou
Cleópatra nos palcos, em uma dupla sessão com Laurence Olivier ao seu lado, nos
papéis de Júlio César e Marco Antônio. Fui durante uma das apresentações da
peça que ela foi informada de que havia ganhado seu segundo Oscar.
E a
empreitada de 1945 se transformou em uma grande peça de teatro filmada. Os
diálogos são típicos do teatro, a ação é quase nula (não que isso seja ruim), e
às vezes as imagens em locação se parecem mais com sets unidimensionais que
locais reais. O esforço para filmar foi extremo, com uma custosa viagem ao
Egito para buscar areia (!!!), gravações na Inglaterra (durante a Segunda
Guerra Mundial, o que fazia com que as filmagens fossem interrompidas diversas
vezes por bombardeios) e até a construção de uma esfinge cenográfica gigante.
Quem pagou mais caro, entretanto, foi Vivien Leigh: grávida, ela foi obrigada
pelo diretor a fazer uma cena arriscada sem dublê, escorregou no chão do
palácio e sofreu um aborto espontâneo. Vivien jamais perdoou o diretor Gabriel
Pascal pelo ocorrido.
Situado
entre uma comédia histórica e um épico prematuro, “César e Cleópatra” ainda
merece ser visto. Há, é claro, a especulação de como seria o filme se Olivier
interpretasse César, uma vez que Claude Rains funciona mais como uma figura
paterna para a Cleópatra de Vivien Leigh. Entre a eterna Scarlett e o eterno
Capitão Renault não há nenhuma tensão sexual, e muito menos indícios do início
de uma bela amizade.