Cada novo
filme que estreia recebe um parágrafo de sinopse e uma nota, baseada em sabe-se
lá qual critério. A boa e velha crítica de cinema reflexiva está quase morta.
Digo “quase” porque ela sobrevive nos livros, como neste “Na Sala Escura” de
Chico Lopes. Se você quer ir além do simples press-release e explorar artigos longos e cheios de detalhes sobre
o melhor do cinema, este livro é para você.
Há um
desfile de produções para todos os gostos, de todas as épocas: de Garbo a
Herzog, de Hitchcock a Bertolucci, do terror ao cinema nacional, dos épicos aos
filmes de ficção científica. E cada capítulo (seria melhor dizer “cada artigo”)
se divide em subcapítulos, e lá estamos nós analisando várias obras de David
Lean em sequência.
Concordo com
muitas coisas que Chico escreve, em especial sobre o esquecimento de algumas
estrelas, sobre o novo significado que damos a um filme favorito de infância /
juventude quando o vemos mais maduro e, sobretudo, sobre a bestialização do
público: em um mercado em que só os lucros importam, não é necessário se
dedicar muito para fazer um filme artístico, sendo que um medíocre dá mais
lucros. Nas palavras do autor: “[...] tem-se a impressão – que o passar do
tempo só confirmou – que o público se tornou uma horda de dementes com um QI de
passarinho e uma fúria homicida e auto-punitiva sem limites.” (pág. 115)
Percebeu
como o texto é ácido? Isso faz com que em alguns momentos nós discordemos com
veemência das opiniões do escritor. Para mim, foi um pouco difícil de engolir o
capítulo sobre Hitchcock, em que alguns vilões são analisados sob a óptica
psicanalítica e a conclusão é que o tio Charlie (Joseph Cotten em “Sombra de
uma Dúvida”, 1943) e Bruno Anthony (Robert Walker em “Pacto Sinistro /
Strangers on a Train”, 1951) têm em comum algum tipo de tara sexual!
Quando um
livro é formado por artigos escritos em épocas diferentes da vida do autor (e
olhe que a opinião de alguém pode mudar em questão de meses ou anos), um problema
pode ser a incongruência. Por exemplo: achei estranho Chico falar que tem entre
seus filmes favoritos “A ponte de Waterloo” (1940) no começo do livro e, no
final, chamá-lo de “lixo sentimental”. Ora, a preferência de um cinéfilo tem
razões que a própria razão desconhece!
Conheço
Chico Lopes desde sua época pré-Jabuti, e posso dizer que sua escrita é
surpreendentemente distinta de sua personalidade. Quem lê o sombrio “O estranho
no corredor” ou as partes mais cáusticas deste “Na Sala Escura” pode imaginá-lo
como uma pessoa ranzinza e muito séria, muito diferente do verdadeiro senhor
sorridente que dava gargalhadas ao rever, com o público cinéfilo do Instituto
Moreira Salles, as performances de Jack Lemmon. Essa metamorfose literária é,
ao mesmo tempo, desconcertante e curiosa.
Livro por dentro: repare no foco de luz que lembra a lente de uma câmera (o marcador de filme foi por minha conta) |
Mas minha
leitura não foi feita só de discórdias: também concordei com muitos pontos e
fiquei feliz ao ser lembrada de outros. Fui à procura imediata de um dos filmes
analisados, “Stroszek” (1973), e me senti satisfeita ao reencontrar Bruno S. e
Werner Herzog. Tive vontade de rever dez vezes seguidas “Um corpo que cai /
Vertigo” (1958) apenas para apreender todos os detalhes descritos no livro
(como houve uma época em que me esqueci da cena “I look up, I look down”?) e me
senti transportada novamente para a festa-clímax de “O Leopardo” (1963).
Com prefácio
de Ignácio de Loyola Brandão e acabamento perfeito da Editora Penalux, “Na Sala
Escura” é um ótimo convite a descobrir, brigar, debater e reviver a paixão pelo
cinema.
3 comments:
Parabéns pelo blog! Ele é ótimo :)
Olá! Acabei de conhecer o seu blog, procurando informações sobre o filme "A Mosca da Cabeça Branca". Parabéns! Você escreve muito bem e é uma adoradora do cinema como eu, que já sou um veterano.
Oi Lê!
Menina, adorei a dica desse livro. Acho que já tinha visto a capa dele por aí em algum lugar, mas não sabia nada sobre.
Estou lendo bastante sobre análise de filmes pra minha dissertação e acho que esse aí pode ser uma leitura interessante!
Beijo! <3
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