41 Giornate del Cinema Muto - 41st Pordenone Silent Film Festival
A melhor semana do ano veio… e já se foi. Esta semana é, obviamente, a
semana em que o Festival de Cinema Mudo de Pordenone acontece. Este ano, a
semana veio com notícias muito especiais: eu ganhei o prêmio do Collegium!
Explicando: em 2020 eu fui uma das onze jovens pessoas escolhidas para o
Collegium, um grupo de discussão dentro do festival. Todos nós tivemos que
submeter um artigo documentando nossa participação e discutindo um ou mais
filmes do festival. Eu escrevi sobre o insano “La Tempesta in un Cranio” e seus
temas paralelos de doença mental, slapstick e estrelato. E meu artigo foi
escolhido como o melhor de todos, empatado com o artigo escrito por meu amigo
Travis. O artigo em breve estará no site do festival, por isso agora vou
discutir os filmes exibidos na edição online de 2022 da Le Giornate del Cinema
Muto.
The best week of the year has come… and gone. This week is,
of course, the week when the Pordenone Silent Film Festival happens. This year,
it came with very special news: I won the Collegium Prize! Explaining: in 2020
I was one of eleven young people chosen to be in the Collegium, a discussion
group within the festival. We all had to submit a paper documenting our
participation and discussing one or more films from the festival. I wrote about
the wacky “La Tempesta in un Cranio” (1922) and its underlying themes of mental
illness, slapstick and stardom. And my paper was chosen as the best of the
batch, tied with the paper written by my friend Travis. The paper will soon be
up at the festival website, so now I’ll discuss the films shown in the 2022
online edition of Le Giornate del Cinema Muto.
Houve dois grandes temas na Giornate deste ano. O
primeiro era a Ruritania. Ruritania é uma região fictícia nos Bálcãs onde
muitas aventuras aconteceram, começando com “O Prisioneiro de Zenda”. O reino
de Silistria - onde a ação de “Sui Gradini del Trono” (1912) acontece - é o
equivalente à Ruritania na arte italiana. No filme, o regente Backine (Giovanni
Enrico Vidali) tenta substituir o Príncipe Herdeiro Wladimiro (Alberto Capozzi)
por um sósia, o dançarino Chichito, e casar sua filha como o falso Príncipe
Herdeiro. Como os filmes de super-heróis da atualidade, filmes “Silistrianos”
emocionavam o público e era sucessos de bilheteria, mas não agradavam aos
críticos.
There were two grand themes in this year’s
Giornate. The first was Ruritania. Ruritania is the fictional region in the
Balkans where many stories happened, starting with “The Prisoner of Zenda”. The
kingdom of Silistria - where the action for “On the Steps of the Throne” (1912)
happens - is the equivalent of Ruritania in Italian art. In the movie, the
regent Backine (Giovanni Enrico Vidali) tries to substitute the Crown Prince
Wladimiro (Alberto Capozzi) for a doppelgänger, the dancer Chichito, and marry
his daughter to the fake Crown Prince. Like the superhero movies of nowadays,
Silistrian movies excited the audience and were box office successes, but
didn’t please the critics.
Outro filme da Ruritania no programa foi “His
Majesty The Barber” (1928), um filme sueco-alemão que nos apresenta a Nickolo
(o ator chileno Enrique Rivero), um barbeiro que é na verdade rei de um reino
chamado Tirania. Nickolo não sabe que é um rei, pois o segredo é bem guardado
por seu avô, também barbeiro e amigo pessoal da rica senhora Sophie Svensson
(Karin Swamströn), que quer casar sua neta Astrid (Brita Appelgren) com um
homem rico. Isso não é o que você espera, pois o filme tem um plot twist
incrível no final.
Another Ruritanian movie in the programme was “His
Majesty The Barber” (1928), a Swedish-German movie that introduces us to
Nickolo (Chilean actor Enrique Rivero), a barber who is actually the king of a
kingdom called Tirania. Nickolo doesn’t know he is a king, as the secret has
been kept by his grandfather, also a barber and a personal friend of the
well-to-do Mrs Sophie Svensson (Karin Swamströn), who wants to marry her
granddaughter Astrid (Brita Appelgren) to a rich man. This is not what you
expect, as the film has a wild plot twist in the end.
O reino de Lothen-Kunitz é onde a ação começa em
“The Runaway Princess” (1929). A princesa Priscilla (Mady Christians) acaba de
fazer 21 anos e isso significa que seu noivado com um príncipe de algum reino
vizinho está para acontecer. Insatisfeita com a ideia de se casar com alguém
que não conhece, Priscilla foge para Londres, onde ela se envolve com um grupo
de falsários. Este filme tem poucas cartelas de títulos, algo que eu apreciei,
mas é previsível.
The kingdom of Lothen-Kunitz is where the action
starts in “The Runaway Princess” (1929). Princess Priscilla (Mady Christians)
has just turned 21 and this means that her engagement with a Prince from a
nearby kingdom will happen soon. Dissatisfied with the idea of marrying someone
she’s never met, Priscilla runs away to London, where she gets involved with a
group of forgers. This film has few title cards, something I liked, but it’s
rather predictable.
O segundo tema era Norma Talmadge. No evento
presencial, 15 dos filmes de Norma - mais três fragmentos de filmes - foram
exibidos, enquanto na versão online três de seus filmes fizeram parte da
mostra: o curta de 1912 “Mrs ‘Enry ‘Awkins” e dois longa-metragens. Em “Yes or
No” (1920), Norma interprets dois papéis: a rica Margaret Vane, cujo marido
está doente mas não conta para ela, e Minnie Berry, cujo marido é um operário
que estuda à noite. Ambas as mulheres se sentem negligenciadas pelos maridos, e
ambas são seduzidas por outros homens: a senhora Vane pelo bon-vivant Paul
Derreck (Lowell Sherman) e a senhora Berry pelo seu inquilino Ted Leach
(Gladden James). Essas mulheres dirão sim ou não para a tentação? Também no
elenco está Natalie Talmadge - a futura esposa de Buster Keaton- como Emma,
criada da senhora Vane e irmã de Minnie. Em “Yes or No” o papel duplo não é
igual ao de “Sui Gradini del Trono”, no qual os sósias trocam de lugar, mas é
uma boa técnica de qualquer maneira.
The second grand theme was Norma Talmadge. In the
in-person event 15 of Norma’s movies - plus three fragments of movies - were
screened, while in the online version three of her movies were shown: the 1912
short “Mrs ‘Enry ‘Awkins” and two features. In “Yes or No” (1920), Norma plays
two roles: the rich Margaret Vane, whose husband is ill but doesn’t tell her,
and Minnie Berry, whose husband is a factory worker by day and goes to school
at night. Both women feel neglected by their husbands, and both are seduced by
other men: Mrs Vane by the bon-vivant Paul Derreck (Lowell Sherman) and Mrs
Berry by her tenant Ted Leach (Gladden James). Will these women say yes or no
to temptation? Also in the cast there is Natalie Talmadge - aka Buster Keaton’s
future wife - as Emma, Mrs Vane’s maid and Minnie’s sister. In “Yes or No” the
dual role is not played as in “On the Steps of the Throne”, in which there is
an exchange of doppelgängers, but it is a nice device nevertheless.
O segundo filme de Norma Talmadge exibido foi “The
Lady”, dirigido por Frank Borzage. O filme começa com Polly Pearl, uma mulher
de meia-idade (já interpretada por Talmadge), em sua taverna em Marselha. Lá
ela reconta sua história de vida, primeiro como dançarina num teatro, ao que se
segue um casamento com o rico Leonard St Aubyns (Wallace MacDonald), um
casamento que só durou até a lua de mel. Sempre com o objetivo de ser uma dama,
ela vai para a França, onde sofre um bocado. Os destaques deste drama lacrimoso
foram a decoração de interiores de William Cameron Menzies e a atuação de Norma
Talmadge, especialmente perto do final.
The second Norma Talmadge movie screened was “The
Lady”, directed by Frank Borzage. The film begins with Polly Pearl, a
middle-aged woman (already being played by Talmadge), in her tavern in
Marseille. There she retells her life story, first as a dancer at a music hall,
followed by her marriage to the rich Leonard St Aubyns (Wallace MacDonald), a
marriage that lasted only as long as their honeymoon. Always with the goal of
being a lady, she goes to France where she suffers a bit. The highlights of
this tearful drama were William Cameron Menzies’ set decorations and Norma
Talmadge’s acting, especially near the end.
“Just Around the Corner” (1921) foi escrito para
as telas e dirigido por Frances Marion. O filme conta a vida da família
Birdsong: Ma (Margaret Seddon), Essie (Sigrid Holmquist) e Jimmie (Lewis Sargent,
ótimo no papel). Essie é influenciada por uma má amiga, que a leva a mudar de
trabalho e a apresenta a um golpista, Joe Ullman (Edward Phillips). A mãe se
preocupa com um possível casamento entre Essie e um homem decente, por isso ela
fica sempre à espera da noite em que Essie trará seu namorado para jantar em
casa. Este filme foi restaurado graças à atuação conjunta da Biblioteca do
Congresso dos EUA e o sempre excelente Eyefilmmuseum da Holanda, e a cópia
exibida estava incrível.
“Just Around the Corner” (1921) was written for
the screen and directed by Frances Marion. It chronicles the life of the
Birdsong family: Ma (Margaret Seddon), Essie (Sigrid Holmquist) and Jimmie
(Lewis Sargent, great in the role). Essie is influenced by a bad friend who makes
her change jobs and introduces her to a con man, Joe Ullman (Edward Phillips).
Ma’s main concern is about Essie getting married to a decent man, that’s why
she’s always waiting for the night Essie will take her beau home to dinner.
This movie was restored thanks to a joint effort by the Library of Congress and
the always excellent Eyefilmmuseum of the Netherlands, and the print was
gorgeous.
As pessoas responsáveis por fazer o Código Hays
ser respeitado ficariam malucas se tivessem que censurar o filme italiano
“Profanazione”, de 1926. Estrelando Leda Gys, o filme conta a história de
Giulia, uma mulher que, para pagar uma dívida, transa, contra sua vontade, com
Roberto (de novo Alberto Capozzi), um homem que sempre a cobiçou. Giulia
engravida e tem duas filhas, vive feliz por alguns anos, até que seu marido
descobre que uma das meninas não é sua filha legítima.
People on the Hays Office would completely freak
out if they had to censor the 1926 Italian film “Profanazione”. Starring Leda
Gys, it tells the story of Giulia, a woman who, in order to pay a debt, has sex,
against her will, with Roberto (again Alberto Capozzi), a man who always
pursued her. Giulia gets pregnant and has two daughters, living happily for a
few years, until her husband discovers that one of the girls is not his
legitimate child.
Também teve espaço em Pordenone para
documentários, tanto curtas quanto longa-metragens. Os curtas foram
apresentados dentro da sessão da Ruritania e consistiam em newsreels mostrando
os reis de Montenegro e da Eslovênia. Outro curta mostrava três festivais no
Japão da década de 1910. O longa “Over Mountains, Over Valleys” (1929) não fez
meu tipo, mas foi interessante ao mostrar principalmente crianças brincando em
vilas da Eslováquia. Eu gostei muito das roupas das pessoas… e das ovelhas no
começo. O diretor Karel Plicka realmente insere no filme traços etnográficos,
fazendo dele um objeto muito curioso.
There was also space in Pordenone for documentary
films, both shorts and features. The shorts were presented inside the
Ruritanian session and consisted of newsreels showing the kings of Montenegro
and Slovenia. Another short chronicled three festivals in 1910s Japan. The
feature “Over Mountains, Over Valleys” (1929) was not my cup of tea, as I’m not
that fond of documentaries, but it was interesting as it showed mostly children
playing games in Slovakian villages. I really enjoyed the people’s clothes… and
the sheep in the beginning. Filmmaker Karel Plicka really infuses the film of
ethnographic traces, making this a most curious object.
Na Giornate pude ver qual é o apelo de Ivan
Mosjoukine, um querido dos Twitter os que tratam do cinema mudo. E, uau, que
estrela! Ele é o protagonista de “Manolescu”, de 1929, interpretando um homem
que se transforma em um trapaceiro, com a ajuda de sua amante, Cleo (Brigitte
Helm). Quando ele é atingido na cabeça por um inimigo, ele conhece a adorável
enfermeira Jeanette (Dita Parlo) e passa a viver um dilema amoroso.
Curiosamente, como referência ao tema da Ruritania, o título do filme em inglês
é “Manolescu, o Príncipe das Aventuras”.
At the Giornate I could see what is the appeal of
Ivan Mosjoukine, a favorite of Silent Film Twitter. And, wow, what a star! He
is the lead of 1929’s “Manolescu”, playing a man who becomes a swindler and is
helped in his “business” by his lover, Cleo (Brigitte Helm). When he suffers a
blow to the head, he meets the lovely nurse Jeanette (Dita Parlo) and finds
himself at an amorous crossroads. Curiously, as a tie to the Ruritanian theme,
the title of this movie in English is “Manolescu, the Prince of Adventures”.
Outro ator que pude conhecer melhor na Giornate
foi Harrison Ford - não, não o Indiana Jones, mas um astro do cinema mudo com o
mesmo nome. Em “Up in Mabel’s Room” (1926), Mabel (Marie Prevost) havia se
divorciado do marido Garry (Ford) por causa de uma bobagem. Agora ela está
determinada a se casar novamente com Garry, e uma festa numa mansão é a
oportunidade perfeita para Mabel acabar com o noivado de Garry com Phyllis
(Phyllis Haver) e tomar seu homem de volta. Duas coisas chamaram minha atenção
neste filme: a trilha brilhante da Zerorchestra e o papel do mordomo Hawkins,
interpretado por William Orlamond.
Another lead that I could know better at the
Giornate was Harrison Ford- no, not Indiana Jones, but a silent film star with
this name. In “Up in Mabel’s Room” (1926), Mabel (Marie Prevost) had divorced
her husband Garry (Ford) because of a small issue. Now she is serious about
remarrying Garry, and a party at a mansion is the perfect opportunity for Mabel
to end Garry’s engagement with Phyllis (Phyllis Haver) and get her man back.
Two things called my attention in this film: the brilliant score by
Zerorchestra and the role of Hawkins the butler, played by William Orlamond.
“O Grande Amor de uma Pequena Dançarina” (1924, título
traduzido do original alemão) foi uma pérola. A animação feita com marionetes é
a única sobrevivente do estúdio Piccolo-Film, e é o que chamamos de um “filme
órfão”: não foi dirigido ou protagonizado por pessoas famosas, por isso não é o
tipo de filme que chama atenção suficiente para ser restaurado e exibido.
Também conhecido pelo maravilhoso título com trocadilho “The Cabinet of Dr
Larifari”, este foi meu filme favorito de toda a Giornate, mesmo ele terminado
com o deus ex-machina que eu mais detesto. Todo o resto foi perfeito: o
trabalho com as marionetes, a atmosfera, a cor da cópia, a trilha sonora… Bem,
se eu estivesse no Collegium este ano, escreveria meu artigo sobre este filme!
“The Big Love of a Little Dancer” (1924, title
translated from the original German) was a gem. This animation made with
puppets is the sole survivor of the Piccolo-Film studio, and it’s what we call
an “orphan film”: not directed by nor starring famous people, it’s not the kind
of film that calls enough attention to be restored and screened. Also known by
the amazing punny title “The Cabinet of Dr Larifari”, this was my favorite
movie of the entire Giornate, even though it ends with the deus ex-machina that
I hate the most. The rest was everything perfect: the puppetry, the atmosphere,
the tinting of the print, the soundtrack… Well, if I was in the Collegium this
year, I’d write my paper entirely about this short!
Obviamente, seguindo a Giornate online e também
vendo o que estava acontecendo presencialmente na Itália gera uma tristeza. Eu
amaria ter visto “The Unknown” (1927), com meu ator favorito do cinema mudo,
Lon Chaney, e dez minutos extras que eram desconhecidos do público. Eu amaria
ter visto o programa especial das Nasty Women, porque eu recentemente entrevistei
as curadoras desta sessão e foi uma entrevista fantástica. E, o desejo mais
óbvio, eu amaria ter estado lá no dia do aniversário de Buster Keaton para
receber meu prêmio no palco do Teatro Verdi.
Of course, following the Giornate online and also
seeing what was happening on site in Italy leaves a bittersweet taste. I’d love
to see “The Unknown” (1927), with my favorite silent film actor Lon Chaney and
ten extra minutes previously unknown to the public. I’d love to have seen the
Nasty Women special programme, because I recently interviewed the curators of
this session and it was a great interview. And, the most obvious desire, I’d
love to be there on Buster Keaton’s birthday to accept my prize at the stage of
Teatro Verdi.
Todos nós que amamos cinema mudo sabemos o quanto
desta arte está perdido: na verdade, o diretor da Giornate, Jay Weissberg, em
uma das introduções, disse que 96% de todos os filmes feitos no Japão antes de
1945 estão perdidos! Mesmo assim, há tanto para ser descoberto - muito nos
arquivos, precisando de restauração - e eu sempre me alegro de acompanhar a
Giornate e descobrir tanta coisa. Pordenone é parte da minha história desde
2020, quando eles precisaram mudar para o ambiente online, e hoje estou feliz
por ser também parte da história de Pordenone. Vejo vocês ano que vem,
Pordenone - quem sabe presencialmente?
All of us who love silent film know how much of this art was
lost: in fact, Giornate director Jay Weissberg, in one of his intros, said that
96% of all movies shot in Japan before 1945 are lost! Nevertheless, there is so
much to be discovered - a lot in the vaults, needing restoration - and I’m
always glad to follow the Giornate and discover so much. Pordenone has been
part of my story since 2020, when they needed to switch to online, and now I’m
glad to be also part of Pordenone’s history. See you next
year, Pordenone - maybe in person?
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