} Crítica Retrô: François Truffaut, filmes de guerra e eu

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Sunday, December 22, 2019

François Truffaut, filmes de guerra e eu

François Truffaut, war movies and me

François Truffaut é um dos deuses do cinema. Além de ser um grande diretor, roteirista e por vezes ator, ele amava o cinema acima de todas as coisas. Ele era um de nós, cinéfilos. Mas isso não significa que ele estava sempre correto em suas opiniões sobre o cinema. Há algum tempo eu li algo que Truffaut disse e discordei dele. Truffaut disse que não existe um filme completamente antiguerra porque mesmo os filmes antiguerra acabam glorificando a guerra.

François Truffaut is one of the cinema gods. Besides being a great director, screenwriter and sometimes actor, he loved cinema above all else. He was one of us, film people. But it doesn’t mean he was always right in his opinions about film. A while ago I read something Truffaut said and I strongly disagreed. Truffaut said that there can’t be a completely anti-war movie because even anti-war movies end up glorifying war.

Chicago Tribune - November 11th, 1973 

Eu encontrei esta declaração enquanto pesquisava para uma apresentação. Eu passei 2019 e boa parte de 2018 fazendo esta pesquisa. No final, escolhi 34 filmes, feitos entre 1917 e 2017 – este intervalo de 100 anos foi coincidência – sobre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais.

I came across this declaration when I was doing research for a presentation. I spent 2019 and a good chunk of 2018 doing this research. In the end, I chose 34 films, made between 1917 and 2017 – this 100-year period was a coincidence – about World War I and World War II.


Minha intenção era analisar o discurso nestes filmes, e como ele mudou com o passar do tempo. No final, eu descobri que, durante as guerras, os filmes tinham um tom bem patriótico, mas depois ele mudava. Com “Eu Acuso!” (1919) de Abel Gance, os filmes e a sociedade em geral começaram a ver a Primeira Guerra Mundial como uma guerra na qual não valeu a pena lutar – e que moldou a Geração Perdida. Entretanto, por causa dos horrores dos campos de concentração, a Segunda Guerra Mundial sempre foi retratada no cinema como uma guerra do bem contra o mal, com os bons sendo parte da Geração Grandiosa.

My intention was to analyze the discourse in those films, and how it changed over time. In the end, I found out that, during the wars, the films had a very patriotic tone, but afterwards it changed. With Abel Gance’s “J’Accuse!” (1919), films and society in general started seeing World War I as a war that was not worth fighting – and one that shaped the Lost Generation. However, due to the horrors of concentration camps, World War II was always portrayed in film as a war of good versus evil, with the good ones being part of the Greatest Generation.

Me at the presentation

Isso significa que a maioria dos filmes sobre a Primeira Guerra Mundial é de filmes antiguerra, enquanto filmes sobre a Segunda Guerra Mundial são a favor da guerra. No artigo, Truffaut menciona “Glória Feita de Sangue” (1957), de Kubrick, como um filme antiguerra que na verdade glorifica a guerra. Eu não concordo muito com isso, mas há um filme que é completamente antiguerra e contesta a teoria de Truffaut: “Nada de Novo no Front” (1930).

This means that most films about WWI are anti-war films, while WWII films are pro-war. In the article, Truffaut mentions Kubrick’s “Paths of Glory” (1957) as an anti-war film that actually glorifies war. I don’t really agree with that, but there is one film that is completely anti-war and disproves Truffaut’s theory: “All Quiet on the Western Front” (1930).


“Nada de Novo no Front” é um filme de 1930 da Universal Pictures dirigido por Lewis Milestone. Ele é baseado no romance homônimo de Erich Maria Remarque, publicado em 1928. Ele conta a história do jovem alemão Paul Bäumer (interpretado por Lew Ayres) e seus colegas de classe que se alistam no exército após um inflamado discurso patriótico feito por um professor. Eles aprenderão que a guerra é bem diferente da descrição do professor: menos emocionante e glamourosa.

“All Quiet on the Western Front” is a 1930 Universal Pictures movie directed by Lewis Milestone. It is based on the novel of the same name by Erich Maria Remarque, published in 1928. It follows the young German Paul Bäumer (played by Lew Ayres) and his fellow classmates who enlist in the German Army after their teacher makes an intense patriotic speech. They all will learn that war isn’t that exciting or glamorous as the teacher had painted it.


Para mim, há duas sequências fundamentais que mostram a desilusão destes jovens e também que a guerra não merecia o esforço. A primeira é quando o Cabo Himmelstoss (John Wray) – o homem abusivo que treinou os jovens antes de eles partirem para o campo de batalha – chega ao front e, vendo a guerra pela primeira vez, se mostra um covarde. Himmelstoss só era valente perto de jovens imaturos. Fato curioso: Himmelstoss significa "céu em queda" em alemão.

For me, there are two key sequences that show the disillusionment of those youngsters, also showing that the war was not worth fighting. The first is when Corporal Himmelstoss (John Wray) – the abusive man who trained the boys before they went to the front – arrives in the front and, seeing war for the first time, acts with cowardice. Himmelstoss was, after all, only a big bully. Curious fact: Himmelstoss means "falling sky" in German.


A segunda sequência envolve Paul voltando para casa, de folga. Quando ele chega à sua cidade natal, ele percebe que ninguém lá é capaz de imaginar os horrores da guerra, e eles inclusive acham que a Alemanha está a um passo da vitória. Pior ainda: quando ele visita sua velha escola, ele vê o professor Kantorek (Arnold Lucy) repetindo o mesmo discurso patriótico glorioso para alunos muito mais jovens que Paul. Revoltado, Paul conta a eles a verdade sobre a guerra, e como o professor não sabe do que está falando porque nunca esteve no front. Paul é então chamado de covarde pelos jovens estudantes, em transe com o discurso patriótico.

The second sequence involves Paul coming back home for a while. When he reaches his hometown, he realizes that nobody there imagines the horrors of war, and they all actually think that Germany is almost winning the war. Even worse: when he visits his old school, he finds Professor Kantorek (Arnold Lucy) repeating the same glorious patriotic speech to students much younger than Paul. Revolted, Paul tells them the truth about war, and how the professor can’t know them because he had never been to the front. Paul is then called a coward by the young students entranced by the patriotic speech.


“Nada de Novo no Front” era tão pacifista em sua mensagem que foi banido na Alemanha Nazista, na Itália fascista, na Áustria e até mesmo na França. Estes países só puderam ver a obra-prima de 1930 após a Segunda Guerra Mundial.

“All Quiet on the Western Front” had such a strong pacifist message that it was banned from Nazi Germany, fascist Italy, Austria and even France. Those countries could only see the 1930 masterpiece after World War II.


Além disso, a história foi tão profunda que fez o ator Lew Ayres se tornar pacifista. Isso lhe custou muito: ele se opunha à Segunda Guerra Mundial e se alistou no exército apenas para servir como ajudante médico. Depois de alguma confusão, ele finalmente seguiu no exército no posto desejado.

Moreover, the story was so appealing that it turned actor Lew Ayres into a lifelong pacifist. This cost a lot to him: he was a conscientious objector to the Second World War and enlisted in the army only to serve as medical aid. A little kerfuffle followed, until he was granted his wish.


Eu não consegui encontrar nada sobre o que Truffaut achou de “Nada de Novo no Front” – e sua opinião seria bem-vinda, porque o filme só estreou na França em 1963, quando Truffaut já era crítico de cinema. De qualquer forma, eu posso dizer uma coisa: por ter os vencedores da guerra contando uma história empática sobre os perdedores, “Nada de Novo no Front” humaniza ambos os lados do conflito e mostra que a guerra é inútil porque somos todos iguais. E eu sinto muito, monsieur Truffaut, mas este filme cria este discurso antiguerra da mais perfeita e inquestionável maneira que eu já vi no cinema.

I couldn’t find anything about what Truffaut thought of “All Quiet on the Western Front” – and his thoughts would be welcome, because the film was only allowed to be shown in France in 1963, when Truffaut was already a film critic. Anyway, I can say one thing: by letting the winners of the war tell an empathetic story about the losers, “All Quiet on the Western Front” humanizes both sides of the conflict and shows that war is useless because we’re all equal. And I’m sorry, monsieur Truffaut, but this film does this anti-war speech in the most perfect, unquestionable way I’ve ever seen on a screen.

1 comment:

Rich said...

I dunno. How do you make an anti-war movie without showing the realities of war? It’s tricky. Truffaut doesn’t necessarily sound like he’s condemning violence in movies, based on this snippet. Was this part of a wider discussion?

It’s been awhile since I saw PATHS OF GLORY (you might want to make the correction to that title in your post), but criticism of the French military and of war in general aren’t mutually exclusive. I think they can both be part of the same conversation.

Also, there’s violence and there’s violence. I would argue the violence in PATHS or, to pick a recent example, 1917 (fantastic movie; you must see it) is not the same as that in a SAW flick. Either way, the violence should serve a purpose, but when it’s there for the sake of having it in there, that’s when the problems arise.

And yes, ALL QUIET is an exquisite film.

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