Em 1995, um filme estreou no Brasil: “Carlota
Joaquina, Princesa do Brasil”, marcando o que se costumou chamar de Retomada do
Cinema Brasileiro: depois de 20 anos de ditadura militar - quando a censura
reinava - e uma década de inflação galopante, o cinema voltava a ser feito.
Três anos depois, outro filme estreou, merecendo destaque por razões
diferentes: “Cinderela Baiana” é
amplamente considerado o pior filme já feito no Brasil. Eu o assisti e escrevi
esta crítica para que você não precise assisti-lo.
In 1995, a film premiered in Brazil: “Carlota
Joaquina, Princess of Brazil”, marking what we used to call the Renaissance of
Brazilian cinema: after 20 years of military dictatorship - when censorship was
widespread - and a decade of high inflation, cinema was being made again. Three
years later, another film premiered, outstanding for different reasons:
“Cinderela Baiana” is widely considered the worst movie ever made in Brazil. I
watched it and wrote this review so you don’t have to.
O filme começa bizarramente com uma cobra na
cama de Maria (Juliana Calil). Não há nada para comer na casa e a família
decide sair para começar o dia. Maria é a mãe de Carlinha, e Carlinha (interpretada
quando criança por Carla Fabianny) é nossa heroína: uma garota que ama dançar.
Maria sofre com uma tosse insistente e morre em consequência dela naquele mesmo
dia, sem ouvir as boas notícias que o marido trazia: ele recebeu uma bolsa de
estudos em Salvador, capital do estado da Bahia.
The film begins bizarrely with a snake on Maria’s
(Juliana Calil) bed. There is nothing to eat in the house and the family
decides to leave the house to start the day. Maria is Carlinha’s mother, and
Carlinha (played as a child by Carla Fabianny) is our heroine: a girl who loves
to dance. Maria has a persistent cough and dies from it that very same day,
without hearing the good news from her husband: he was awarded a scholarship to
study in Salvador, the capital of the state of Bahia.
Carlinha e seu pai vão para Salvador, onde ela
frequenta a escola e ele encontra o sucesso trabalhando num escritório - mesmo
assim, eles vivem numa favela alagada. Carlinha cresceu (interpretada agora por
Carla Perez), mas ainda ama dançar. Apoiada por amigos, ela vai dançar num
clube, onde é vista por um caça-talentos e sua vida muda para sempre.
Carlinha and her father go to Salvador, where she
enters school and he finds success working in an office - even though they live
in a kind of shanty town. Carlinha is now grown up (and played by Carla Perez),
but still loves to dance. Supported by friends, she goes to dance in a club where
a talent hunter sees her and her life changes forever.
Carla Perez, que interpreta a protagonista, era
uma famosa dançarina no grupo É o Tchan, um dos mais populares da época.
Escolher alguém como ela para protagonizar um filme em nada difere de uma
prática que vemos com frequência hoje: influenciadores digitais tentando se lançar
como atores e atrizes - e em geral falhando. Como os influencers de hoje, fica
claro que Carla Perez não tem talento como atriz - mesmo tentando, como na cena
em que Carlinha anda de salto alto pela primeira vez - e a consequência é que o
filme todo sofre com isso. A atriz que interpreta Graça, rival de Carlinha, também
é terrível.
Carla Perez, who plays the lead, was a famous dancer
in the group É o Tchan, one of the most popular at the time. Choosing her to be
the lead of a movie is not at all different from a practice we see often today:
digital influencers trying to become actors and actresses - and often failing. Like
the influencers of nowadays, it’s clear that Carla Perez had no talent as an
actress - even if she tries her best, like when Carlinha is walking in high
heels for the first time -, and the consequence is that the film suffers as a
whole. The actress who plays Carlinha’s rival Graça is also terrible.
Os novatos certamente são um problema, mas um
ator profissional salva o filme. Perry Salles, então já estabelecido e popular
como ator, interpreta Pierre, o empresário de Carlinha, como uma caricatura: um
homem que só quer dinheiro e é verdadeiramente exagerado, sendo por vezes
cômico, por vezes aterrorizante. Perry certamente percebeu que o filme era
brega e exagerou na atuação de propósito, nos legando uma incrível performance
em meio ao caos total.
The newcomers certainly have a problem, but a professional
actor saves the movie. Perry Salles, then already an established and popular
actor, plays Pierre, Carlinha’s manager, as a caricature: a man who only wants
money and is truly larger-than-life, being at times comic, at times terrifying.
Perry certainly realized that the film was camp and overacted on purpose,
giving us an amazing performance in the middle of total chaos.
Foi curioso ver uma sequência envolvendo o
quase-roubo de acarajés, prato típico baiano que eu adoro. Infelizmente, depois
que os acarajés são dados aos famintos, todos começam a dançar na rua, mas não
sabemos de onde a música está vindo. Em outra sequência, Carlinha dança ao
ritmo de uma música que não está sendo tocada perto dela.
It was curious to see a sequence involving the
near-theft of acarajés, a delicious typical dish from Bahia that I love. Unfortunately,
after the acarajés are given to the hungry ones, everyone starts to dance on
the street, but we don’t know where the song is coming from. In another
sequence, Carlinha dances to the rhythm of a song that is not even being played
near her.
Mas vamos falar sobre alguns pontos positives:
o departamento de figurino se saiu bem, dando a Carlinha algumas poucas roupas
rotas para usar, mostrando assim como ela era pobre. O departamento de arte
também não glamourizou o “antes” da vida de Carlinha, mostrando que ela vivia e
perambulava pela Salvador que não é mostrada para os turistas. Também foi
bacana ouvir algumas das músicas mais populares da década d 1990 na trilha
sonora.
But let’s talk about some positive points: the
wardrobe department did well, giving Carlinha only a few ragged clothes to wear
showing us how poor she is at first. The art department also didn’t glamourize
the “before” in Carlinha’s life, showing that she lived in and wandered through
the Salvador that is not presented to the tourists. It was also nice to hear
some of the most popular songs of the 1990s in the soundtrack.
Houve uma tentativa de “rebranding” de “Cinderela
Baiana” como um filme infantile, mas não deu certo: é verdade que as crianças
dos anos 1990 estavam assistindo a Carla Perez dançando nas tardes de domingo
com o É o Tchan e sabiam as coreografias de todas as suas músicas, mas este
definitivamente não é um filme para crianças. Por exemplo: muitas não
entenderiam a trama principal, uma crítica de como o show business usa as pessoas
quando elas estão no auge e depois as descarta.
There was an attempt to “rebrand” “Cinderela Baiana”
as a kid’s movie, but it doesn’t work: it’s true that children in the 1990s were
watching Carla Perez dance on Sunday afternoon with É o Tchan and knew the
choreography to all their songs, but this definitely isn’t a movie for kids.
For instance, many won’t understand the main plot, a critic to how show
business uses people when they are at the top and then discharges them.
É com uma surpresa que lemos o nome de Lázaro
Ramos quase no final dos créditos. “Cinderela Baiana” foi um de seus primeiros
filmes, e aqui ele interpreta Chico, vizinho de Carlinha que gosta de espiá-la
dançando e lhe dá o apelido de “Cinderela Baiana”. Com o tempo, Lázaro Ramos
mostrou seu talento como ator, fazendo diversos filmes, séries de TV e novelas,
e inclusive sendo indicado ao Emmy Internacional. Mais recentemente ele também
se tornou diretor, com o potente “Medida Provisória” (2022) sendo sua estreia
detrás das câmeras. Lázaro certa vez disse que não se arrependeu de fazer “Cinderela
Baiana”, pois com o cachê que recebeu pôde pagar por aulas de atuação e deixar
seu emprego num laboratório de análises clínicas.
It is with surprise that we read the name of Lázaro
Ramos near the end of the credits. “Cinderela Baiana” was one of his first
films, and here he plays Chico, Carlinha’s neighbor who likes to spy on her
dancing and is actually the one who nicknames her “Cinderela Baiana”. With
time, Lázaro Ramos showed his talent as an actor, making several movies, TV
shows and soap operas, and was even nominated for an Emmy International. More
recently he became a director too, with the powerful “Executive Order” (2022)
being his directorial debut. Lázaro once said that he doesn’t regret being in
“Cinderela Baiana”, because with the payment he received for the film he could
take acting lessons and leave his job in a health lab.
O produtor Antonio Polo Galante estava fazendo sua volta triunfal depois de uma década longe dos cinemas. Ele foi um prolífico produtor da “Boca do Lixo”, uma região em São Paulo que serviu de resistência cultural à ditadura militar. “Cinderela Baiana” foi feito 100% com os recursos de Galante, por isso o fracasso do filme nas bilheterias acabou com sua carreira. Este foi também o último filme do diretor e roteirista Conrado Sanchez.
Producer Antonio Polo Galante was making his comeback
after a decade away from cinema. He was a prolific producer from “Boca do
Lixo”, a region in São Paulo that offered cultural resistance to the military
dictatorship. “Cinderla Baiana” was made fully with Galante’s resources, so the
film’s failure at the box office ended his career. It was also the last film
made by screenwriter and director Conrado Sanchez.
Eu já vi uma boa quantidade de filmes brasileiros ruins - inclusive, minhas críticas mais populares no Letterboxd são de dois destes filmes brasileiros terríveis - e “Cinderela Baiana” pode entrar nesta lista. Com apenas 83 minutos de duração, por vezes o filme parecia se arrastar. E é mais uma prova de que uma má protagonista pode destruir um filme.
I’ve seen a fair share of awful Brazilian movies - in
fact, my most popular reviews on Letterboxd are of two terrible Brazilian
movies - and “Cinderela Baiana” is up there with these bad flicks. At only 83
minutes long, sometimes it felt that the movie dragged. And it is another proof
that a bad lead can destroy a movie.
This is my contribution to the Fifth So Bad It’s Good blogathon, hosted by Rebecca at Taking Up Room.
5 comments:
I agree – a poor performance by a leading actor can make a film seem almost intolerable, right? Thank you for watching this, like you said, so we don't have to!
It's very tempting for movie makers to try to cash in on the popularity of a singer or dancer by giving them starring roles, but it rarely works out. I think a better strategy is to feature them in song or dance numbers in order to get their names on the posters and ads, but let an experienced actor do the heavy lifting of being the star. But then, there might be fewer so-bad-its-good movies, and that would be a shame. :)
"It's very tempting for movie makers to try to cash in on the popularity of a singer"
Let us never forget the Spice Girls got an entire freakin' movie...
While I knew the phenomenon of taking a popular singer or dancer and trying to make a movie around them happened in the US and UK (as J-Dub said, the Spice Girls had an entire movie), I didn't realize that it happened in Brazil too!
Yikes, this is a cautionary tale about why dancers don't always make good actors. And it doesn't sound like she got to wear glass slippers, either, so that's a bummer. Thanks for taking the hit for us, Le--this was great! And thanks again for joining the blogathon. :-)
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