} Crítica Retrô: April 2024

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Tuesday, April 30, 2024

À Margem da Vida (1950) / Caged (1950)

 

Diz-se que a prisão muda um homem. Mas o que ela faz com uma mulher? Não importa se a pena é de alguns meses ou muitos anos, ir para a prisão é sempre uma experiência traumática, pois a prisão não melhora ninguém, é só um lugar de punições diárias. Eu nunca fui presa, mas graças aos filmes posso ter uma ideia de como é esta experiência. O filme que me mostrou isso é “À Margem da Vida” (1950).

 

It is said that prison changes a man. But what does it do to a woman? No matter if the penalty is a few months or many years, going to prison is always a traumatic experience, as prison doesn’t improve anyone, is just a place for daily punishment. I've never been to prison, but thanks to the movies I can imagine how it is to be there. The movie that showed me how is 1950’s “Caged”.

Marie Allen (Eleanor Parker) foi considerada cúmplice de assalto à mão armada, delito cometido pelo marido dela. Aos 19 anos, ela ainda é uma adolescente quando vai para a cadeia – Parker tinha na época 27 anos. A senhora Benton (Agnes Moorehead) diz a Marie que ela trabalhará na lavanderia, mas a senhora Harper (Hope Emerson) a coloca para esfregar o chão. Para piorar as coisas, Marie está grávida e seu marido está morto.

 

Marie Allen (Eleanor Parker) was considered an “accessory” to armed robbery, crime committed by her husband. At 19, she’s still a bobby-soxer when she goes to jail – Parker was in reality 27. Mrs Benton (Agnes Moorehead) tells Marie she’ll work in the laundry, but Mrs Harper (Hope Emerson) puts the girl to scrub floors instead. To make things worse, Marie is pregnant and her husband is dead.

Algumas mulheres foram presas porque homens fizeram com que elas se envolvessem em crimes, como aconteceu com a própria Marie e a detenta June (Olive Deerin). Outra detenta, a aparentemente bobinha Emma (Ellen Corby), está lá porque matou um homem, seu marido abusivo, após três tentativas. E há outras mulheres do lado de fora tendo problemas com homens, como a mãe de Marie com seu novo marido.

 

Some women were arrested because men got them involved in crimes, like it happened to Marie herself and fellow inmate June (Olive Deering). Another one, silly-sounding Emma (Ellen Corby), is there because she killed a man, her abusive husband, after three attempts. And there are other women outside having troubles with men, like Marie’s mother with her new husband.

Quando Marie pede um pente para pentear seus cabelos antes de tirar a foto oficial da prisão, aquela com números e tudo mais, a fotógrafa, outra mulher, diz que não há necessidade de ter pentes porque não há nenhum homem ali. Mas para Marie pentear o cabelo não era para sedução, mas sim para autoestima – se é que é possível cultivá-la num lugar como aquele.

 

When Marie asks if she can have a comb to comb her hair before taking the official prison photo, with numbers and all, the photographer, also a woman, says that there is no need for combs because there aren’t any men in there. But for Marie combing her hair wasn’t a matter of seduction, it was a matter of self-esteem – if any could be cultivated in a place like that.

A bondosa Ruth Benton, interpretada por Agnes Moorehead, só quer o melhor para “suas meninas” e as trata com respeito e até um tipo de amor materno. É por isso que ela entra em atrito com a grosseira e aproveitadora Evelyn Harper e Harper denuncia os métodos muito humanos da senhora Benton como inadequados para os superiores.

 

The kind Ruth Benton, played by Agnes Moorehead, only wants the best for “her girls” and treats them with respect and even some kind of motherly love. That’s why she clashes with rude and corrupt Evelyn Harper and Harper denounces Mrs Benton’s very humane methods as inadequate to their superiors.

Quase a última nos créditos é a ganhadora do Oscar Jane Darwell. Ela aparece por poucos minutos, como a responsável pela sala de isolamento. Nos Oscars, “À Margem da Vida” foi indicado em três categorias: Atriz para Eleanor Parker, Atriz Coadjuvante para Hope Emerson e Roteiro. Parker ganhou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cinema de Veneza.

 

Almost the last billed, we find Oscar winner Jane Darwell. She is there for just a few minutes, as the matron responsible for the isolation room. At the Oscars, “Caged” was nominated in three categories: Actress for Eleanor Parker, Supporting Actress for Hope Emerson and Writing. Parker won the Best Actress Award at the Venice Film Festival.

A trilha sonora de Max Steiner permite alguns momentos sublimes num ambiente tão duro. A dureza era real porque, para escrever o roteiro, a jornalista investigativa Virginia Kellogg foi a muitas prisões de mulheres como parte do processo de pesquisa e foi inclusive mantida presa numa delas.

 

Max Steiner’s soundtrack allows a few moments of the sublime to emerge in such a raw environment. The rawness was real, because, to write the screenplay, investigative journalist Virginia Kellogg went to many women’s prisons as part of the research process and was even incarcerated in one of them.

A Warner Brothers ficou famosa por seus filmes realistas no começo dos anos de 1930. Embora numa escala menor, o estúdio continuou fazendo tais filmes, e “À Margem da Vida” é prova disso. O produtor Jerry Wald queria, com esse filme, gerar a mesma mudança – para as prisões femininas – que o estúdio gerou quase 20 anos antes, quando leis foram mudadas por causa do realismo de “O Fugitivo” (1932).

 

Warner Brothers became known for its films with gritty realism in the early 1930s. Although in a smaller scale, the studio kept doing these kind of movies, and “Caged” proves that. Producer Jerry Wald wanted, with this film, to create the same change – for women’s prison – the studio created almost 20 years prior, when laws were changed because of the grittiness of “I am a Fugitive from a Chain Gang” (1932).

Há uma cena muito interessante filmada em contra-plongée (de baixo para cima) na qual Harper humilha a detenta Kitty (Betty Garde). A sombra das grades é vista no teto, criando um efeito incrível. Outra ótima composição vem mais tarde após uma rebelião, quando a senhora Benton está toda coberta por sombras e somente Marie, dentre todas as detentas, tem seu rosto iluminado.

 

There is a very interesting scene shot in a contra-plongée (from bottom to top) in which Harper humiliates the inmate Kitty (Betty Garde). The shadow of the prison bars is visible in the ceiling, creating a great effect. Another great composition comes later after a rebellion, when Mrs Benton is all covered in shadows and only Marie, of all inmates, receives light in her face.

Como o Código Hays proibia assuntos como gravidez e parto de serem tratados de forma realista no cinema, temos aqui um desafio com Marie. Quando ela deveria estar grávida de oito meses, mal é visível a barriga, e o parto é filmado focando no rosto da senhora Benton, que está em outro quarto esperando para ouvir o choro do recém-nascido.

 

Since the Hays Code prohibited subjects such as pregnancy and childbirth to be realistically portrayed in movies, we have here a challenge with Marie. When she’s supposed to be eight months pregnant she barely has a bump, and the birth is filmed focused on Mrs Benton waiting in the outside room to hear the newborn’s cry.

Uma detenta conta para Marie que “nesta gaiola ou você fica forte ou você acaba morta”. Meses se passam e Marie diz que ela viveu “uma vida em apenas um ano nesta gaiola”. Marie ficou tão forte que endureceu, assim como acontece com muitas mulheres que vão presa, e isso não tem mais volta. Um excelente filme, “À Margem da Vida” prova o que hoje sabemos tão bem: a prisão muda uma mulher – para pior.

 

One fellow inmate tells Marie that “in this cage you get tough or you get killed”. Months pass and Marie says that she has lived “a lifetime in one year at this cage”. Marie got so tough that she became hardened, like most women do when incarcerated, and there is no going back. A great movie, “Caged” proves what we know so well today: prison changes a woman – for the worst.

 

This is my contribution to The Third Agnes Moorehead blogathon, hosted by Crystal at In the Good Old Days of Classic Hollywood.

Friday, April 26, 2024

Alemanha, Ano 1928 / Germany, Year 1928

 

Em qualquer dado ano, MUITOS filmes estreiam ao redor do mundo. Em alguns países, com indústrias do cinema mais desenvolvidas, a riqueza dos títulos é algo a se maravilhar. Vamos olhar para a Alemanha na Era Muda do cinema. Em meu post sobre o ano de 1928 no cinema, disse que foi um ano muito louco para a Alemanha. E foi mesmo. Eu acabei escolhendo dois filmes alemães de 1928 nas minhas resoluções de Ano Novo para 2024 e decidi escrever sobre eles num só artigo. Vamos nessa.


In any given year, A LOT of movies are released all over the world. In some countries, with more developed film industries, the richness of titles released is a thing to wonder at. Let’s look at German in the silent era. In my post about 1928 in film, I said it was a very crazy year in Germany. And it was indeed. I ended up choosing two German films from 1928 to watch as part of my 2024 New Year’s resolutions and decided to review them together. Let’s go.

Alraune / Alraune, A Daughter of Destiny


Eu ouvi falar pela primeira vez deste filme num curso que fiz sobre filmes de ficção científica. O tópico era criar e manipular seres vivos – começando, obviamente, com “Frankenstein” – e como esses experimentos ambiciosos foram retratados no cinema. “Alraune” começa com o mito da mandrágora: uma raiz que, sob as circunstâncias adequadas, pode se tornar um ser humano – mas um ser humano sem sentimentos.


I first heard about this film in a class I was taking on sci-fi movies. The topic was creating and manipulating life – starting, of course, with “Frankenstein” – and how these ambitious experiments were portrayed in film. “Alraune” begins with the myth of the mandrake: a root that, under the right circumstances, can become a human being – but one without feelings.

O professor Brinken (Paul Wegener) pesquisa características hereditárias e quer comprovar o mito da raiz de mandrágora. Com a raiz ele cria um ser humano chamado Alraune (Brigitte Helm, de “Metropolis”). Com cerca de 20 anos de idade, Alraune está sendo educada numa escola religiosa, mas ela foge do lugar e, num trem, conhece uma trupe de circo e foge com eles. O professor Brinken a encontra no circo e a leva para viver com ele numa vila elegante, onde ela conhecerá a verdade sobre sua origem e buscará vingança.


Professor Brinken (Paul Wegener) researches hereditary characteristics and wants to debunk or prove the myth surrounding the mandrake root. With the root he creates a human being named Alraune (Brigitte Helm, from “Metropolis”). At about 20 years old, Alraune is being educated in a monastery school, but she escapes the place and, in a train, meets a circus troupe and runs away with them. Professor Brinken finds her at the circus and brings her to live with him in a fancy villa, where she will learn the truth about her origin and seek revenge.

Este não é um filme do prestigiado estúdio alemão UFA, mas sim dos Estúdios Ama. Eu pude encontrar pouquíssima informação sobre o estúdio, pois a maioria dos resultados de pesquisa se referia a uma companhia de software de mesmo nome fundada em 2004. “Alraune” foi refilmado como filme sonoro em 1930, com Brigitte Helm mais uma vez interpretando o papel-título.


This is a film not by the prestigious UFA studios, but rather by the Ama Studios. I could find very little about it, as most search results are about a software company of the same name founded in 2004. “Alraune” was remade as a sound film in 1930, with Brigitte Helm reprising the title role.

“Alraune” é baseado num romance escrito por Hanns Heinz Ewers, um mestre do gênero terror que escreveu diversos romances e contos – sendo o mais famoso “O Estudante de Praga” – e era também ator de vaudeville. A história foi adaptada para as telas pelo diretor Henrik Galeen, que escreveu o roteiro de “Nosferatu” (1922). Galeen fez seis filmes como ator na era muda e dirigiu 12 filmes entre 1914 e 1933.


“Alraune” is based on a novel written by Hanns Heinz Ewers, a master of the horror genre that wrote several novels and short stories – being his most famous “The Student from Prague” – and was also a vaudeville performer. The story was adapted to the screen by director Henrik Galeen, who wrote the screenplay for “Nosferatu” (1922). Galeen appeared in six films as an actor in the silent era and directed 12 movies between 1914 and 1933.

Embora não seja uma obra-prima, este filme foi divertido de se ver e Brigitte Helm, com apenas 19 anos à época das gravações, está ótima como vítima de experimento científico que se transforma numa sedutora. Fiquei feliz que meus estudos me motivaram a ver este filme.


Although not a masterpiece, this film was fun to watch and Brigitte Helm, only 19 when was shot, is great as the victim of a scientific experience who becomes a seductress. I’m glad my studies took me to see this movie.



Os Espiões / Spies / Spione

 

Eu escolhi “Os Espiões” de Fritz Lang como um destaque do ano de 1928 na Alemanha. E que espetáculo é este filme! Nele, documentos secretos são roubados de diversos locais, começando uma guerra de cérebros entre espiões. O vilão Haghi (Rudolg Klein-Rogge), banqueiro, tem como sua espiã a sedutora russa Sonja Barranikova (Gerda Maurus), enquanto o Serviço Secreto oficial tem um homem conhecido apenas como número 326 (Willy Fritsch). O problema é que estes dois espiões de lados opostos se apaixonam.


I chose Fritz Lang’s “Spies” as a highlight from 1928 in Germany. And what a spectacle it is! In the film, secret documents are stolen from several places, starting a battle of wits between spies. The villain Haghi (Rudolf Klein-Rogge), a bank owner, has as his spy the Russian seductress Sonja Barranikova (Gerda Maurus), while the official Secret Service has a man known only as number 326 (Willy Fritsch). The problem is that these two spies from opposite sides fall in love.

O quartel-general de Haghi está cheio de aparatos tecnológicos, algo que pode ser encontrado em muitos covis de vilões. A tecnologia pode ser usada para boas ou más ações, mas é tão comumente ligada a vilões por causa de seu potencial de criar caos. Haghi usa uma cadeira de rodas, uma característica comum a outros vilões antes e depois deste filme – lembremo-nos de apenas um: Lionel Barrymore em “A Felicidade não se Compra” (1946).


Haghi’s headquarters are full of technological devices, something that can be found in many villains’ places. Technology can be used for good and bad deeds, but is linked so often to villains because of its potential to create chaos. Haghi uses a wheelchair, also a trait shared by many villains before and after this film – let’s remember only one: Lionel Barrymore in “It’s a Wonderful Life” (1946).

“Os Espiões” foi publicado como romance por Thea von Harbou, então esposa de Fritz Lang, um ano após a estreia do filme. Foi o primeiro filme que Lang fez com sua própria produtora. De acordo com Robert Osborne, Lang estava tendo um caso com Gerda Maurus durante as filmagens.


“Spies” was published as a novel by Thea von Harbou, then Fritz Lang’s wife, one year after the film was released. This was the first movie Fritz Lang made under his own production company. According to Robert Osborne, Lang was having an affair with Gerda Maurus during the shooting of the movie.

Foi uma boa surpresa ver que uma de minhas atrizes coadjuvantes favoritas, Hertha Von Walther, estava neste filme como Lady Leslane, que é chantageada por Haghi bem no começo da película. Hertha chamou minha atenção pela primeira vez como coadjuvante muito importante em “Rua das Lágrimas” (1925) e desde então já a encontrei em muitos outros filmes alemães da década de 1920.


It was a great surprise to see that one of my favorite supporting actresses, Hertha Von Walther, was in this movie as Lady Leslane, who is blackmailed by Haghi in the very beginning of the film. Hertha first called my attention as a very important supporting player in “Joyless Street” (1925) and since then I spotted her in many other German movies from the 1920s.

Descrito no Letterboxd como “007 dos filmes mudos” e “Intriga Internacional de Fritz Lang”, este filme por vezes demasiado longo é certamente uma maravilha. Há pouco desenvolvimento dos personagens, entretanto, mas é assim que ele funciona. No final das contas, a jornada é mais importante do que quem a empreendeu.


Described on Letterboxd as “007 from the silent era” and “Fritz Lang’s North by Northwest”, this sometimes too long movie is certainly a marvel. There is little character development, though, and it works this way. In the end of the day, the ride is more important than the ones who did it.

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