} Crítica Retrô: August 2020

Tradutor / Translator / Traductor / Übersetzer / Traduttore / Traducteur / 翻訳者 / переводчик

Saturday, August 29, 2020

Flor de Cacto (1969) / Cactus Flower (1969)

 

O filme “Flor de Cacto” começa com uma música de Quincy Jones cuja letra diz “primavera é apenas um estado de espírito”. Para a protagonista, é verdade: ela floresce, deixando de lado uma personalidade considerada fria e desinteressante. “Flor de Cacto” é, por causa disso, um filme sobre se libertar – e, numa surpresa agradável, quem se liberta é uma mulher madura, algo que não teria espaço nas telas 10 anos antes.

The film “Cactus Flower” starts with a song by Quincy Jones that says “Spring is just a state of mind”. For the female lead, it really is: she blossoms leaving behind a personality seen as icy cold and uninteresting. “Cactus Flower” is, because of this, a film about becoming free – and, a thankful surprise, the one becoming free is a mature woman, something that wouldn’t be on screen 10 years before.

Toni Simmons (Goldie Hawn) está prestes a cometer suicídio. O homem que ela ama, o dentista Julian Winston (Walter Matthau), é casado e ela sabe disso. Na verdade, foi a honestidade dele, ao contar que é casado e pai de três filhos, que a atraiu. Eles começam a sair e tudo parece estar indo bem. Entretanto, no primeiro aniversário do dia em que se conheceram, ele cancela o encontro. Ela decide se matar, mas o vizinho Igor (Rick Lenz) a salva antes que ela se envenene com gás.

Toni Simmons (Goldie Hawn) is about to commit suicide. The man she loves, the dentist Julian Winston (Walter Matthau), is a married man and she knows it. Actually, it was his honesty about being married and the father of three kids that attracted her to him. They start going out and everything seems swell. However, on the first anniversary of their meeting, he cancels their date. She decides to kill herself, but her neighbor Igor (Rick Lenz) saves her before she suffocates on gas.

O grande problema é que Julian não é casado, nem mesmo tem filhos. Ele disse isso a Toni porque queria que as coisas permanecessem casuais entre eles. Quando ele descobre que ela quase se matou, ele promete se casar com ela para compensar o ato. Mas ainda há a mentira: ele não tinha esposa e três filhos? Ele diz que está se divorciando, mas Toni insiste em conhecer a esposa para garantir que ela ficará bem após o divórcio. Julian então pede a sua enfermeira, Stephanie Dickinson (Ingrid Bergman), para fingir que é sua futura ex-esposa. Como ela sempre cuidou dele, ela aceita – e este é só o começo dos problemas e mais mentiras.

The biggest issue is that Julian is not married, nor has kids. He told Toni that because he wanted things to remain casual between them. When he learns that she almost killed herself, he promises to marry her to compensate. But there is still the lie: didn't he have a wife and three kids? He says he's divorcing his wife, but Toni insists about meeting her to make sure she'll be fine after the divorce. Julian then asks his nurse, Stephanie Dickinson (Ingrid Bergman), to pretend she's his soon-to-be ex-wife. As she has always taken care of him, she does that – and this is just the beginning of their troubles and more lies.

Não pude deixar de lembrar-me de outro filme de Ingrid Bergman no qual o protagonista mente sobre ser casado: a deliciosa comédia “Indiscreta” (1958). Neste filme, Philip Adams (Cary Grant) diz a Anna Kalman (Ingrid) que é casado porque ele prefere não estragar uma relação com a possibilidade de um futuro casamento. Aqui, entretanto, Ingrid Bergman interpreta a amante, não outra mulher envolvida no esquema – talvez uma prova de que, 11 anos depois, seu status como atriz havia mudado por causa da idade?

I couldn't help but remember another Ingrid Bergman film in which the leading man lies about being married: the delightful comedy “Indiscreet”, from 1958. In this film, Philip Adams (Cary Grant) tells Anna Kalman (Ingrid) that he's married because he prefers not to spoil a relationship if the possibility of marriage is on the horizon. Here, however, Ingrid Bergman plays the lover, not another woman involved in the scheme – maybe a proof that, 11 years later, her status as an actress had changed because of her age? 

Há uma cena de dança icônica e muito divertida envolvendo Cary Grant e uma coreografia maluca em “Indiscreta”. Em “Flor de Cacto” temos uma sequência de dança hilária com Ingrid Bergman, quando Stephanie desabrocha tal qual seu cacto, indo de espinhosa e pouco atraente planta do deserto a uma mulher exuberante e amante da diversão. Não, não, a idade não desacelerou Ingrid Bergman nem a fez ficar irrelevante: aqui ela está roubando a cena!

There is an iconic and very funny dancing scene involving Cary Grant and some crazy steps in “Indiscreet”. In “Cactus Flower” we have a hilarious dancing sequence with Ingrid Bergman, as Stephanie blossoms like her cactus, going from a prickly and unattractive desert plant to an exuberant and fun-loving woman. No, no, age hasn't slowed down Ingrid Bergman nor made her irrelevant: here she is absolutely stealing the picture from everybody else!

Outro filme de Ingrid Bergman do qual eu me lembrei foi “Mais Uma Vez Adeus” (1961), também sobre relacionamentos modernos. Neste filme, Ingrid interpreta Paula, que tem um relacionamento aberto com Roger (Yves Montand), mas se apaixona pelo jovem Philip (Anthony Perkins). Quando Roger exprime que desaprova o romance de Paula com um homem mais jovem, ela comenta que ele tem affairs com mulheres mais jovens, e ele responde que isso é normal para os homens. O mesmo acontece em “Flor de Cacto”: Julian acha estranho que Stephanie dance com Igor, mas para ele é perfeitamente normal namorar Toni, que tem apenas 21 anos.

Another Ingrid Bergman movie that came to my mind was “Goodbye Again” (1961), also about modern relationships. In this film, Ingrid plays Paula, who has an open relationship with Roger (Yves Montand), but falls in love with the young Philip (Anthony Perkins). When Roger expresses disapproval of Paula's romance with a younger man, she calls him out for having affairs with younger women, to which he replies that it's something normal for men. The same happens in “Cactus Flower”: Julian thinks it's odd when Stephanie dances with Igor, but for him it's perfectly normal to date Toni, who is just 21.

O roteiro foi escrito por I.A.L Diamond, colaborador constante de Billy Wilder. Neste filme, Diamond consegue inserir mais piadas de teor sexual do que ele conseguia com Wilder, nos filmes da dupla feitos durante o domínio restritivo do Código Hays. Em “Flor de Cacto”, por exemplo, temos Julian dizendo que seu filho mais velho tem 12 anos, mesmo ele sendo casado há apenas 10 anos, porque foi um bebê prematuro, e também Igor, tristonho, dizendo que sua mãe deveria ter tomado a pílula.

The screenplay was written by I.A.L. Diamond, a constant Billy Wilder collaborator. In this film, Diamond manages to squeeze a few more sex jokes than he could do with Wilder, in their films made during the strict Code dominion. In “Cactus Flower”, for instance, we have Julian saying that his older son is 12, even though he has been married for only 10 years, because he was a premature baby, and also Igor, in a sad mood, saying that his mother should have taken the pill.

“Flor de Cacto” foi originalmente uma peça da Broadway que revitalizou a carreira de Lauren Bacall. Ansiosa para voltar a Hollywood, ela ficou um bocado chateada quando Ingrid Bergman foi escolhida para interpretar Stephanie. Conhecendo Bacall de comédias como “Como Agarrar um Milionário” (1953), podemos imaginar que sua performance como Stephanie seria tão boa no filme quanto foi nos palcos, onde recebeu grandes elogios.

“Cactus Flower” was originally a Broadway play that revitalized Lauren Bacall's career. Anxious to make a comeback in Hollywood, she was a bit disappointed when Ingrid Bergman was cast as Stephanie. Knowing Bacall in comedies like “How to Marry a Millionaire” (1953), we can imagine that her performance as Stephanie would be as great on screen as it was on stage, where she received fantastic reviews.

Goldie Hawn – que nos créditos aparece como “apresentando”, mesmo já tendo feito outro filme com seu nome verdadeiro, Goldie Jeanne Hawn – surpreendeu a todos quando ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “Flor de Cacto” – a única indicação do filme. Podemos discutir se Toni é protagonista ou coadjuvante, mas não podemos negar que, com seus imensos olhos azuis, uma personalidade doce e uma preocupação genuína com a personagem de Ingrid, Goldie interpreta uma personagem adorável no filme.

Goldie Hawn – who receives an “introducing” credit even though she had already made a movie under her real name of Goldie Jeanne Hawn – surprised everybody when she won a Best Supporting Actress Oscar for “Cactus Flower” – the film’s only nomination. We could argue if Toni is a leading or a supporting character, but we can't deny that, with her huge blue eyes, a sweet personality and a sincere concern about Ingrid’s character, Goldie plays an adorable character in this film.

Embora previsível, o filme é tão charmoso quanto outros dirigidos por Gene Saks, como “Descalços no Parque” (1967) e “Um Estranho Casal” (1968). Há ainda um longo caminho a ser percorrido até que atrizes maduras recebam papéis tão interessantes quanto as mais jovens. Mas a mudança tinha de começar em algum lugar, e “Flor de Cacto” é um bom ponto de partida para personagens femininas mais livres e – por que não? – uma inspiração para que nós nunca nos esqueçamos de nos divertir.

Although predictable, this film is as charming as others directed by Gene Saks, like “Barefoot in the Park” (1967) and “The Odd Couple” (1968). There is still a long way until mature actresses receive roles as interesting as the younger performers. But change had to start somewhere, and “Cactus Flower” is a great starting point for freer female characters and – why not? – an inspiration for us all to never forget to have fun.  

This is my contribution to the 5th Wonderful Ingrid Bergman blogathon, hosted by superfan Virginie at The Wonderful World of Cinema.

Sunday, August 9, 2020

Pavor nos Bastidores (1950) / Stage Fright (1950)

Primeiro, vemos nossos protagonistas fugindo da polícia. Seria ele mais um dos “homens errados” de Hitchcock, um cara sendo perseguido por causa de um crime que ele não cometeu? Talvez. Talvez não. No mundo de Hitchcock, nada é o que parece e, embora seja considerado um filme menor na filmografia do diretor, “Pavor nos Bastidores” merece ser analisado.

We first see our leads as hey are running away from the police. Is he another of Hitchcock's “wrong men”, a guy being pursued because of a crime he didn't commit? Maybe. Maybe not. In Hitchcock’s world, nothing is what it seems, and although it’s considered a lesser entry in the director’s filmography, “Stage Fright” is a film worth analyzing.

Num flashback, vemos como a atriz Charlotte (Marlene Dietrich) foi atrás do amante Jonathan (Richard Rodd) logo após matar acidentalmente o marido durante uma discussão. Ele a aconselha a ir para o teatro onde ela trabalha e agir como se nada tivesse acontecido até que alguém encontre o corpo. Mas, para ela fazer isso, ela não pode estar usando um vestido branco manchado de sangue.

In a flashback, we see how the actress Charlotte (Marlene Dietric) went to see her lover Jonathan (Richard Todd) after accidentaly killing her husband during a heated argument. He advises her to go the theater where she works and act as nothing happened until someone finds the body. But, for her to do that, she can't be wearing a white dress stained with blood.

Jonathan vai ao apartamento dela para pegar um vestido limpo. Lá, ele tenta fazer com que o lugar pareça ter sido invadido por um ladrão que também matou o marido de Charlotte, mas o plano de Joanathan falha quando a empregada Nelle (Kay Walsh) chega, encontra o corpo e vê Jonathan saindo depressa. Depois que Charlotte deixa a casa de Jonathan, a polícia chega – porque Nellie o reconheceu – e ele foge deles, levando consigo o vestido manchado de sangue.

Jonathan goes to her apartment to get a clean dress. There, he tries to make it appear like the place was invaded by a thief who then killed Charlotte's husband, but Jonathan's plan fails quickly as the maid Nellie (Kay Walsh) arrives, finds the body and sees Jonathan leaving in a hurry. After Charlotte leaves Jonathan's place, the police arrive – as Nellie has recognized him – and he runs away from them, taking the blood stained dress with him.

Jonathan então vai até a Real Academia de Arte Dramática para pedir ajuda à sua velha amiga Eve (Jane Wyman). Fica claro que ela está apaixonada por ele, e naturalmente ela o ajuda a fugir. Estamos agora de volta ao começo, com ambos no carro. Eve leva Jonathan para a casa do pai dela. Ele, o Comandante Gill (Alastair Sim) rapidamente percebe que o vestido foi manchado propositalmente de sangue – não foi apenas resultado de sangue espirrando por todos os lados. Charlotte pode estar querendo incriminar Jonathan.

Jonathan then goes to the Royal Academy of Dramatic Art to ask his old friend Eve (Jane Wyman) for help. It's crystal clear that she is in love with him, so she naturally helps him escape. We're now back to the beginning, with the two in the car. Eve takes Jonathan to her father's house. He, Commodore Gill (Alastair Sim), quickly notices that the stain in the dress was deliberately put there – it was not just blood splashing all over. Charlotte might have wanted to incriminate Jonathan.

Enxerida e apaixonada, Eve decide confrontar Charlotte. Para isso, ela bola um plano ela dirá a Nellie, a empregada, que ela é uma repórter escrevendo uma matéria sobre o caso e convencerá Nellie a deixá-la tomar seu lugar como empregada de Charlotte. Nellie aceita a ideia – e um pouco de dinheiro – mas as coisas se dificultarão porque Eve acabou de fazer amizade com o detetive do caso, Wilfred Smith (Michael Wilding), e ele sabe tudo sobre ela, como bom detetive que é.

Nosy and in love, Eve decides to confront Charlotte. For this, she develops a plan: she'll tell Nellie, the maid, that she is a reporter writing a story about the case and will convince Nellie to let her take her place as Charlotte's maid. Nellie accepts the idea – and some money – but things will be made difficult because Eve has just made an acquaintance with the detective of the case, Wilfred Smith (Michael Wilding), and he knows everything about her, as any good detective would do.

O figurino de Marlene Dietrich foi feito por Christian Dior, que não recebeu créditos no filme. Quando ela chega ao apartamento de Jonathan, seu vestido é branco e tem uma chamativa mancha de sangue, e Jonathan pega um vestido quase idêntico, porém preto, para ela se trocar. É uma escolha óbvia que mostra o lado sombrio dos dois personagens. Uma troca de roupa semelhante porém mais sutil aconteceria em “Psicose” (1960), com Marion Crane mudando a cor de seus sutiãs, também de branco para preto, para mostrar que ela mudou de ideia e decidiu ficar com os 40 mil dólares que estava transportando.

Marlene Dietrich's outfits were provided by Christian Dior, uncredited. When she arrives at Jonathan's place, her dress is white and has a prominent blood stain, and Jonathan gets a nearly identical black dress for her to change. It's an obivous choice to show the real darkness of both characters. A similar but more subtle wardrobe change would be found in Hitchcock's “Psycho” (1960), with Marion Crane changing the color of her bras, also from white to black, to show the change of heart of the character when she decides to keep the 40,000 dollars she was transporting.

A cena com Eve tentando se disfarçar é muito engraçada. Em seu quarto, ela muda o penteado, as roupas, coloca um chapei e óculos de lentes grossas. Mas ela não passa no teste principal: a mãe de Eve ainda é capaz de reconhecê-la! Ao se dar conta de que Charlotte nunca a viu, Eve não se disfarça, apenas se apresenta como Doris, prima de Nellie. Se você assistiu a alguns filmes de Hitchcock, já deve ter percebido que eles têm um lado cômico. Os personagens mais engraçados de “Pavor nos Bastidores” são os pais de Eve, interpretados por Alastair Sim, mais conhecido por “Um Conto de Natal” (1951), e Sybil Thorndike, uma conhecida atriz de cinema e teatro.

The scene with Eve trying a disguise is very funny. In her bedroom, she changes her hair, her clothes, puts on a hat and thick glasses. But she doesn't pass the main test: Eve's mother still can recognize her! Realizing that Charlotte has never seen her, Eve goes as she is, only presents herself as Doris, Nellie's cousin. If you have watched a few of Hitchcock's movies, you might have seen that they had a humorous side. The funniest characters in “Stage Fright” are Eve's parents, played by Alastair Sim, from “A Christmas' Carol” (1951) fame, and Sybil Thorndike, a celebrated stage and film actress.

Uma novata em um papel pequeno chama nossa atenção: ela é Patricia Hitchcock, filha de Alfred Hitchcock e Alma Reville. Patricia, em sua estreia no cinema, interpreta Chubby Bannister, atriz e amiga de Eve. Ela já havia feito algumas peças em Nova York e estava enão estudando na Real Academia de Arte Dramática. Patricia aparece apenas na segunda metade do filme, mas foi dublê de Jane Wyman em algumas sequências dirigindo. Algumas pessoas, como o crítico de cinema Stephen Whitty, chegam mesmo a chamar Wyman de uma “Patricia glamourizada”.

A newcomer playing a small part calls our attention: she’s Patricia Hitchcock, Alfred Hitchcock’s and Alma Reville’s daughter. Patricia, in her film debut, plays Chubby Bannister, an actress and Eve’s friend. She had already made a couple of plays in New York and was by then actually studying at the Royal Academy of Dramatic Art. Patricia only appears by the second half of the film, but served as a stand-in for Jane Wyman in some driving sequences. Some people like film critic Stephen Whitty even go as far as calling Wyman a glamourized Patricia.

O roteiro foi escrito por Alma Reville e Whitfield Cook, autor de uma peça na qual Patricia atutou. Segundo Patrick McGilligan, autor do livro “Alfred Hitchcock: A Life in Darkness and Light”, Alma e Whitfield passaram alguns meses trabalhando juntos em 1947 e tiveram um caso neste período, de acordo com os diários de Whitfield. Nenhuma outra fonte sustenta esta ideia, e a dupla trabalhou em dois roteiros adaptados para Hitchcock:   “Pacto Sinistro” (1951) e este “Pavor nos Bastidores”, baseado em um romance publicado de forma seriada numa revista. “Pavor nos Bastidores” foi o último filme em que Alma foi creditada.

The screenplay was written by Alma Reville and Whitfield Cook, who was the author of a play in which Patricia Hitchcock appeared on stage. According to Patrick McGilligan, author of the book “Alfred Hitchcock: A Life in Darkness and Light”, Alma and Whitfield spent some months working together in 1947 and had an affair in this period, based on Whitfield’s diaries. No other sources support this claim, and the duo worked in two adapted screenplays for Hitchcock: “Strangers on a Train” (1951) and this “Stage Fright”, based on a novel originally published serialized in a magazine. “Stage Fright” was the last time Alma Reville was credited for her work in a film.

Hitch and Alma

Hitchcock disse que “Pavor nos Bastidores” deu a ele a chance de explorar criticamente o trabalho do ator. Por isso, é interessante que, para Eve, atuar seja fingir ser outra pessoa – e ainda mais interessante é o fato de encontrarmos essa análise num filme feito por um diretor que dizia que “atores são como gado”. Há várias evidências de Hitchcock usando essa frase desde 1940, e quando Patricia se tornou atriz ele até disse que “Pat é o mais adorável gado que eu já vi”. Para François Truffaut, Hitchcock deu mais de uma explicação sobre a frase, mas ela permanece uma controvérsia no mundo hitchcockiano.

Hitchcock said that “Stage Fright” gave him the chance to explore critically the acting craft. So, it’s interesting that, for Eve, acting is pretending to be someone else – and even more interesting that we can find this in a film made by a director who told that “actors are cattle”. There is a lot of evidence from Hitchcock using this quote as early as 1940, and when Patricia became an actress he even said that “Pat is the nicest cattle I’ve ever seen”. For François Truffaut, Hitchcock gave more than one explanation for the quote, but it still remains a controversy in the Hitchcockian world. 

O comandante Gill analisa a situação objetivamente: Eve está tratando tudo como se fosse uma peça de teatro. “Tudo parece uma peça de teatro quando você está apaixonada pelos palcos”, ele diz. Na “Alfred Hitchcock Encycloped”, Stephen Whitty comenta que “Pavor nos Bastidores” é um dos muitos filmes de Hitchcock com sequências crucias em teatros, e chega à mórbida conclusão de que, para o diretor”, “a vida é um espetáculo, mas a maioria de nós somos espectadores simples que ficaram com os piores lugares”.

Commodore Gill analyzes the situation objectively: Eve is treating it like a play. “Everything looks like a play when you're stage struck”, he says. At the “Alfred Hitchcock Encycloped”, Stephen Whitty notices that “Stage Fright” is one of many Hitchcock films with crucial sequences happening in theaters, and reaches the morbid conclusion that, for the director, “life is a show, but most of us are simply ticketholders stuck in the cheap seats”. 

Vindo depois de quarto fracassos de bilheteria consecutivos – e a lista inclui o hoje cultuado “Festim Diabólico” (1948) – “Pavor nos Bastidores” foi chamado por Stephen Whitty de “um intervalo” na filmografia de Hitchcock. Em “Pavor nos Bastidores”, ele teve grandes atores coadjuvantes, filmou uma bela cena perto do final com destaque para os olhos de Jane Wyman e Richard Todd e também enganou o público ao quebrar uma regra crucial e subentendida dos flashbacks. Felizmente, o público perdoou Hitchcock por essa traição e, após “Pavor nos Bastidores”, ele faria alguns de seus melhores filmes.

Coming after four consecutive box-office disasters – and the list includes the now cult “Rope” (1948) – “Stage Fright” was called by Stephen Whitty as an “intermission” in Hitchcock’s body of work. In “Stage Fright”, he managed to have great supporting actors, he shot a beautiful scene near the end with Wyman’s and Todd’s eyes highlighted and he also deceived his audience by breaking a crucial unwritten rule on flashbacks. Fortunately, the public forgave Hitchcock for this deception, and, after “Stage Fright”, he’d make some of his best movies.

This is my contribution to the 4th Alfred Hitchcock blogathon, hosted by Maddy at Maddy Loves Her Classic Films.

Saturday, August 8, 2020

Festa Brava (1947) / Fiesta (1947)


ESTA CRÍTICA TEM SPOILERS

THIS ARTICLE HAS SPOILERS

É sempre interessante ver filmes clássicos subvertendo os papéis de gênero. Os resultados são mistos: algumas vezes eles são divertidos, às vezes são vergonhosos e apenas em raras ocasiões são revolucionários. “Festa Brava” (1947) é um destes filmes que têm uma premissa boa – Esther Williams como toureira, fingindo ser seu irmão gêmeo, interpretado por Ricardo Montalban – e infelizmente é outro filme que derrapa na execução da premissa.

It’s always interesting to see classic films subverting gender roles. The results are mixed: sometimes they are fun, often they are cringe-worthy and only in rare occasions they are revolutionary. “Fiesta” (1947) is one of those films that present a good premise – Esther Williams as a bullfighter, pretending to be her twin brother, played by Ricardo Montalban – and unfortunately it’s another movie that falls flat in the execution of the premise.

Antonio Morales (Fortunio Bonanova) é um “matador” que tem filhos gêmeos: Maria e Mario. Ele espera que Mario se torne um toureiro, seguindo seus passos, e... não espera muito de Maria – é como as coisas “deveriam” ser. Mas as coisas raramente são como “deveriam” ser, e Antonio, vê, com horror, seus filhos escolhendo carreiras opostas quando crescem: Mario (Ricardo Montalben) decide se tornar músico, enquanto Maria (Esther Williams) se encanta pelas touradas.

Antonio Morales (Fortunio Bonanova) is a matador who has twin children: Maria and Mario. He expects Mario to become a bullfighter, following his footsteps, and… doesn’t really expect a lot from Maria – as things “should” be. But things rarely are what they “should” be, and Antonio sees, with horror, their children choosing opposite careers when they grow up: Mario (Ricardo Montalban) decides to become a musician, while Maria (Esther Williams) is passionate about bullfights.

É difícil ver, no começo do filme, Antonio chegando após sua esposa dar à luz e oferecendo um brinde ao filho – para logo depois ser informado de que o bebê é menina. Um de seus amigos, Chato Vasquez (Akim Tamiroff) diz que isso é uma desgraça e pergunta: “o que ele vai fazer com uma menina?”. Numa feliz mudança, outro bebê nasce e desta vez é um menino. Antonio apresenta seu filho aos amigos e esquece sua filha recém-nascida nos braços de Chato – o homem que não vê nenhuma utilidade para uma menina. 

It’s painful to see, in the beginning of the film, Antonio arriving after his wife has given birth and offering a toast to his son – only to be informed that the baby is a girl. One of his friends, Chato Vasquez (Akim Tamiroff) says this is a disgrace and asks: “what will he do with a girl?” In a fortunate twist, another baby is born and this time it’s a boy. Antonio presents his son to his friends and forgets his newborn daughter in the arms of Chato – the man who doesn’t see any use for a girl.

Na infância, Mario aprende a enfrentar touros, mas fica óbvio que ele não tem muito foco para se tornar profissional. Enquanto isso, do lado de fora da arena, Maria imita os movimentos que seu pai faz com a capa. Mario está muito mais interessado em criar suas próprias composições no piano. A mãe de Maria e Mario, Señora Morales (Mary Astor) entende que a música é a verdadeira paixão de Mario.

As a kid, Mario is trained to fight bulls, but it’s clear he lacks the focus to become a professional. Meanwhile, outside the arena, Maria mimics the movements her father makes with his cape. Mario is much more interested in creating his own compositions by the piano. Maria and Mario’s mother, Señora Morales (Mary Astor) understands that music is Mario’s true passion.

No 21º aniversário deles, Mario enfrenta seu primeiro touro na frente do público. Entretanto, o namorado de Maria, Pepe (John Carroll), enviou algumas composições de Mario para um maestro, e o maestro Maximino Contreras (Hugo Haas) decide convidar Mario para estudar música na Cidade do México. Infelizmente, Antonio encontra o maestro e diz que Mario não pode ir para a Cidade do México no momento, e assim esconde a proposta do maestro para o filho.

When their 21st birthday arrives, Mario is booked to fight his first bull in front of an audience. However, Maria’s boyfriend Pepe (John Carroll) has sent some of Mario’s compositions to a maestro, and the maestro Maximino Contreras (Hugo Haas) decides to invite Mario to study music in Mexico City. Unfortunately, Antonio meets the maestro first and says Mario can’t go to Mexico City right now, hiding the proposition from his son.

Duas semanas depois, na sua estreia na grande arena, Mario finalmente encontra o maestro e, ao descobrir que seu pai escondeu a verdade, ele abandona a tourada e a família. Quando os jornais começam a chamar Mario de covarde, Maria decide se vestir como seu irmão e ir para a arena, para redimir o nome dele e fazê-lo voltar para casa.

Two weeks later, in his big arena debut, Mario finally meets the maestro and, upon learning that his father has hidden the proposition, he leaves bullfighting and his family. When newspapers start calling Mario a coward, Maria decides to disguise as her brother and hit the arena, to both redeem his name and make Mario come home.

As cenas de tourada se parecem com a da maioria das produções de Hollywood, e podemos ver sequências semelhantes em “Sangue e Areia” (1941) e “O Sol Também se Levanta” (1959). Um elemento presente em “Festa Brava” e nestes outros filmes é a religiosidade dos toureiros. A representação dos latinos e da cultura latino-americana neste e nos outros filmes é simpática, e em “Festa Brava” ela é diretamente influenciada pela Política da Boa Vizinhança da Segunda Guerra Mundial e pelo fato de a América Latina ser então um enorme mercado em que Hollywood estava focando.

The bullfighting scenes look like most Hollywood productions and we can see similar sequences in “Blood and Sand” (1941) and “The Sun Also Rises” (1959). An element present in “Fiesta” and these other films is the religiosity of bullfighters. The portrayal of Latinos and Latin culture in this and the other films is sympathetic, and in “Fiesta” it is directly influenced by the Good Neighbor Policy from the Second World War and the fact that Latin America was then a huge market Hollywood was focusing on.

Quem se lembra de Ricardo Montalban da série de TV “Ilha da Fantasia” (1977-1984) se surpreenderá com sua estreia em Hollywood – pois ele já havia feito 13 filmes no seu país natal, o México. Montalban mostra em “Festa Brava” que ele era um grande dançarino – e sua companheira de dança é ainda melhor: Cyd Charisse, no papel de Conchita, o nome mexicano mais estereotipado de todos os tempos.

Those who are only familiar with Ricardo Montalban from the TV series “Fantasy Island” (1977-1984) will be very impressed by his Hollywood film debut – as he had already made 13 films in his native Mexico. Montalban shows in “Fiesta” that he was a great dancer – and his dance partner is an even greater dancer: Cyd Charisse, playing the role of Conchita, the most stereotyped Mexican name ever.

Na cena em que Mario ouve sua composição no rádio pela primeira vez e decide tocá-la no piano para acompanhar, o rosto de Montalban se ilumina com orgulho e felicidade. É uma linda cena, melhorada por ótima música, e é nela que Montalban mais se destaca, embora ele não diga uma palavra!

In the scene when Mario listens to his composition in the radio for the first time and decides to also play it in the piano, Montalban’s face illuminates with pride and happiness. It’s a beautiful scene, enhanced by the wonderful music, and the one where Montalban shines the most, even though he doesn’t say a word!

Esther Williams nada brevemente em “Festa Brava”, mas nunca esteve tão bonita quanto na cena em que se veste de toureira – o que prova minha teoria de que todo mundo fica bem vestido de toureiro, e sei disso porque me vesti assim num Carnaval quando era criança. A edição das sequências de touradas de Maria é veloz, furiosa e muito boa. Alternando rapidamente entre close-ups de Esther Williams e tomadas longas com dublês, as sequências se tornam tensas e emocionantes.

Esther Williams swims very briefly in “Fiesta”, but she never looked as stunning as she does dressed as a bullfighter – which proves my theory that everybody looks great dressed as a bullfighter, and I know that because I dressed as one in Carnival once when I was a kid. The editing of Maria’s bullfighting sequences are fast, furious and very good. Alternating quickly between close-ups of Esther Williams and long-shots with stunts, the sequences become tense and engaging.

A personagem de Mary Astor sequer tem nome próprio, mas é muito interessante. Quando Maria e Mario estão prestes a completar 21 anos, ela pergunta a Antonio se ele a perdoou por ter dado primeiro uma filha a ele. Antonio diz que a perdoou porque ela consertou o “erro” logo depois – o que a faz rir, e nós ficamos com um gosto amargo na boca. Mais tarde, quando Mario sai de casa, ela diz que Antonio é o culpado e que ela está muito aliviada porque seu filho não enfrentará a morte constantemente na arena, como seu marido fazia. Ela até mesmo diz que chorou lágrimas de alegria quando Antonio foi ferido, pois isso significou o fim da carreira dele. Hoje, infelizmente, ainda há muitos pais como Antonio, que desprezam suas filhas – ou pior, querem ter uma filha primeiro para ela cuidar dos outros filhos, o que significa que o homem não quer uma filha, mas uma babá grátis – e eu espero que todos que têm pais como Antonio tenham mães compreensivas como a Señora Morales ou mesmo alguém como Chato, que serve como figura paterna para Maria.

Mary Astor’s character may not even have a first name, but she’s very interesting. With Maria and Mario about to turn 21, she asks Antonio if he ever forgave her for giving him a daughter first. Antonio says he did forgive her because she fixed the “mistake” right after – to which she laughs, and we’re left with a bitter taste in our mouths. Later, when Mario leaves, she says Antonio is to blame and she’s very relieved her son won’t face death constantly at the arena, as her husband did. She even says she cried tears of joy when Antonio was injured, because that meant that he wouldn’t fight bulls again. Today, unfortunately, there are still many fathers like Antonio, who despise their daughters – or worse, want a daughter first for her to take care of the other children, which means the man doesn’t want a daughter, but an unpaid nanny – and I hope everybody whose father is like Antonio has a comprehensive and supportive mother like Señora Morales or even someone like Chato, who is a kind of father figure for Maria.

“Festa Brava” acaba sendo datado, mas tem alguns momentos divertidos – quando Hugo Haas e especialmente Akim Tamiroff roubam a cena – e alguns bons momentos musicais. Certamente faltou ousadia, mas não charme, no filme – pois Maria se torna toureira apenas para trazer seu irmão de volta, e não tem intenção de seguir na carreira. Para Ricardo Montalban, foi um ponto de virada: nascia uma estrela.

Fiesta” ends up being dated, but with some fun moments – when Hugo Haas and especially Akim Tamiroff steal the scene – and some fine musical moments with authentic Mexican music. It certainly lacked boldness, but not charm – as Maria becomes a bullfighter only to bring her brother back, and has no intention to follow the career. And, for Ricardo Montalban, it’s a turning point: at “Fiesta”, a star was born.

Some of the images were taken from the website Blonde at the Film.

This is my contribution to the Esther Williams blogathon, hosted by Michaela at Love Letters to Old Hollywood.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...