} Crítica Retrô: February 2024

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Friday, February 23, 2024

Zardoz (1974)

 

Eu ouvi falar pela primeira vez sobre o filme “Zardoz” (2974), estrelando Sean Connery, quando foi exibido numa sessão da meia-noite no Festival de Cinema do TCM em 2017. Estas sessões da meia-noite são eventos divertidos que exibem aqueles filmes que de tão ruins, chegam a ser bons. Na ocasião, uma das cinéfilas presentes até trouxe biscoitos de Zardoz para a plateia. Eu não tinha biscoitos para comer quando assisti a Zardoz, mas certamente tive uma experiência interessante.

 

I first heard about the movie “Zardoz” (1974), starring Sean Connery, when it was shown in a midnight screening at the TCM Film Festival in 2017. These midnight screening are fun-filled events showcasing so-bad-it’s-good movies. At the occasion, a film fan even brought Zardoz cookies for the audience. I had no cookies when watching “Zardoz”, but I certainly had an interesting experience.

Um ser imortal. Um Deus falso por ocupação e um ilusionista por inclinação. Este é Arthur Frayn (Niall Buggy), que vive em uma imensa cabeça flutuante – Zardoz – que dá ordens a soldados parcialmente vestidos e depois vomita armas. Arthur é assassinado pelo exterminador Zed (Sean Connery), que então vai para o Vortex, um local mítico onde todos podem controlá-lo com um único olhar.   

 

An immortal being. A fake God by occupation and a magician by inclination. This is Arthur Frayn (Niall Buggy), living in a huge floating head – Zardoz – that gives orders to barely-dressed soldiers and then vomits guns. Arthur is killed by the exterminator Zed (Sean Connery), who then goes to the Vortex, a mythical place where everybody can control him with only one look.

No Vortex, onde as pessoas comem pão verde, Zed permanece para ser estudado por May (Sara Kestelman), que está pesquisando sobre sexualidade humana. Ele fica lá apesar dos protestos de Consuella (Charlotte Rampling), que sabe que “o monstro”, que é como se referem a Zed, causará muitos desentendimentos. A May são dados sete dias para concluir sua pesquisa, e depois disso Zeb será sacrificado. Mas ele tem uma missão muito maior a cumprir.

 

At the Vortex, where they eat green bread, Zed stays to be studied by May (Sara Kestelman), who is researching about human sexuality. He stays despite Consuella’s (Charlotte Rampling) protests, as she knows that “the monster”, as they call Zed, will cause a lot of disagreements. May is given seven days to conclude her research, and after that Zed will be sacrificed. But he has a much bigger mission to accomplish.

Há infelicidade no Vortex porque não existe a morte. Envelhecer é uma punição e as pessoas ou ficam apáticas ou vivem como boêmios sofredores. Zed pode ser o salvador deles, fazendo uma conexão bem óbvia entre Zardoz e O Mágico de Oz.

 

There is unhappiness in the Vortex because there is no death. Aging is a punishment and the people either become apathetic or live as suffering bohemians. Zed may be their savior, as he makes a quite obvious connection between Zardoz and The Wizard of Oz.

“Zardoz” se passa no ano 2293. A ficção científica tem sido desde os anos 1950 uma área perfeita para a imaginação fluir livremente, mesmo em filmes de baixo orçamento. Na época, mais e mais pessoas se convenceram de que podiam fazer filmes, sendo diretores, atores ou acumulando funções. A paixão pelo cinema fez com que pessoas deixassem de ser meros espectadores e se tornassem cineastas – veja, por exemplo, o inesquecível Ed Wood. “Zardoz” é um descendente direto do cinema de Wood.  

 

“Zardoz” is set in the year 2293. Science fiction had been since the 1950s a perfect area for the imagination to flow freely, even in B-movies. At that time, more and more people believed they could make films, as directors, actors or multi-hyphenates. The passion for film made people stop being only spectators and converted them into filmmakers – see, for instance, the unforgettable Ed Wood. “Zardoz” is a direct descendant of Wood’s cinema.

Mas há uma coisa bacana que podemos encontrar mesmo nos piores filmes de ficção científica: geringonças legais. Em “Zardoz” todo mundo do Vortex tem um anel que fala, responde a perguntas e projeta hologramas. Descobrimos com uma simples busca no Google que companhias da área de tecnologia já estão fazendo “smart rings”, ou anéis digitais. Tais objetos servem para medir estatísticas de saúde, como padrões de sono, ritmo cardíaco, nível de estresse e temperatura corporal.

 

But one nice thing we can find even in the worst sci-fi movies are the cool gadgets. In “Zardoz” everybody in the Vortex has a ring that talks, answers questions and projects holograms. We learn from one simple Google search that tech companies are already making “smart rings”. Such gadgets serve to measure health statistics, such as sleep pattern, cardiac rhythm, stress level and body temperature.

Sean Connery teve dificuldades para encontrar bons papéis depois de anos interpretando James Bond. Aqui, ele está ou usando o uniforme ridículo dos exterminadores ou disfarçado de noiva! Sua sorte só iria mudar em meados dos anos 80, com “O Nome da Rosa” – pelo qual ele ganhou um Bafta – e “Os Intocáveis” – que lhe rendeu um Oscar. A outra protagonista de “Zardoz”, Charlotte Rampling, não estava tentando se aventurar em papéis diferentes, mas fez o filme porque se tratava de “poesia. Ele claramente declara: ame seu corpo, ame a natureza, e ame sua origem”.

  

Sean Connery had difficulty finding good roles after his James Bond years. Here, he is either wearing the ridiculous exterminator uniform or is disguised as a bride! His luck would only change in the mid-80s, with “The Name of the Rose” – for which he won a Bafta – and “The Untouchables” – that gave him an Oscar. The other “Zardoz” lead, Charlotte Rampling, was not trying to venture into different roles, but did the film because it was “poetry. It clearly states: love your body, love nature, and love what you come from”.

O filme foi escrito, produzido e dirigido por John Boorman. Ele fez grande sucesso em 1972 com “Amargo Pesadelo” e depois tentou filmar uma adaptação da saga de O Senhor dos Anéis, e foi durante a preparação para este filme cancelado que ele começou a escrever “Zardoz”. Ultraconfiante, Boorman definiu sua criação como “mais perto da melhor literatura de ficção científica que é mais metafísica. A maioria da ficção científica que dá um mau nome ao gênero é de histórias de aventuras em trajes especiais”.

 

The movie was written, produced and directed by John Boorman. He had a big hit in 1972 with “Deliverance” and then had tried to film an adaptation of the Lord of the Rings saga, and it was during the preparation for his aborted movie that he started writing “Zardoz”. Über-confident, Boorman defined his creation as “closer to the better science fiction literature which is more metaphysical. Most of the science fiction that gives the genre a bad name is adventure stories in space clothes”.

Faz muito sentido quando descobrimos que John Boorman confessou ter usado drogas enquanto escrevia e dirigia várias cenas do filme. Também faz sentido que o figurino hediondo tenha sido desenhado pela esposa de Boorman, Christel Kruse, e não um estilista profissional. Um filme com status de cult, mas ao qual eu não quero assistir de novo: como eu o considerei longo demais e às vezes sem sentido, estou feliz por finalmente riscar “Zardoz” da minha lista – com ou sem biscoitos.

 

It makes a lot of sense when we learn that John Boorman confessed he used drugs while writing and directing several scenes in the movie. It also makes sense that the infamous costumes were made by Boorman’s wife, Christel Kruse, not a professional stylist. A film with a cult following, but one I don’t want to watch again: as I felt it to be too long and sometimes pointless, I’m happy to say I’ve experienced “Zardoz” – with or without cookies.

 

This is my contribution to the Sixth So Bad It’s Good Blogathon, hosted by Rebecca at Taking Up Room.

Friday, February 16, 2024

Seja Minha Mulher (1921) / Be My Wife (1921)

O IMDb lista 234 créditos para Max Linder como ator, mas provavelmente há muito mais. É difícil voltar no tempo e verificar seus primeiros papéis, como coadjuvante, na Pathé de 1905 em diante. Três anos depois, Max já era uma superestrela, mas quase uma década se passou antes da primeira vez de Max em Hollywood. Nessa primeira empreitada, ele fez alguns curtas-metragens para o estúdio Essanay. Max Linder voltaria para Hollywood para fazer três médias-metragens: Sete Anos de Azar (1921), O Mosqueteiro (1922) e este Seja Minha Mulher, também de 1921. Eu tomei como missão escrever sobre todos estes três médias-metragens. Aqui está a crítica que faltava.


IMDb lists 234 credits for Max Linder as an actor, but there are probably many more. It’s difficult to trace back to his first roles, as a supporting player, at Pathé starting in 1905. Three years later, Max was already a superstar, but nearly a decade passed before he had his first stint in Hollywood. This first time, he made some short films for Essanay. Max Linder would come back to Hollywood to make three five-reelers: Seven Years Bad Luck (1921), The Three Must-Get-Theres (1922) and this Be My Wife, also from 1921. As a huge Max Linder fan, I had to review all of his American featurettes. Here’s the review that was missing.

Max (Max Linder) está apaixonado por Mary (Alta Allen) e quer se casar com ela, mas a tia dela, Agatha (Caroline Rankin), não concorda com o casamento e preferiria que a sobrinha se casasse com Archie (Lincoln Stedman). Max se disfarça de professor de canto para se aproximar de Mary, mas só ganha a aprovação da família dela após demonstrar sua bravura. Na segunda metade do filme, entra a Madame Coralie (Rose Dione), costureira e vendedora de bebidas alcoólicas, e os personagens se alvoroçam por uma possível traição.


Max (Max Linder) is in love with Mary (Alta Allen) and wants to marry her, but her Aunt Agatha (Caroline Rankin) doesn’t agree with the marriage and would rather see her married to Archie (Lincoln Stedman). Max disguises as a voice teacher to be near Mary, but only wins over her family by showing his bravery. In the second half of the movie, enter Madame Coralie (Rose Dione), dressmaker and booze seller, and shenanigans about cheating.

Alta Allen também esteve em “Sete Anos de Azar” como a protagonista feminina, enquanto Caroline Rankin também aparece em “O Mosqueteiro” como a Rainha. Ambas têm aqui mais tempo em cena para mostrar talento para a comédia. Alta Allen nasceu com o nome de Alta Crowin em 1904 e atuou pela primeira vez no teatro aos dez anos de idade. Ela só fez dez filmes entre 1921 e 1926 e se casou com o gerente de produção e roteirista Hampton Del Ruth. Enquanto isso, Caroline Rankin nasceu em 1880 e fez 54 filmes, aparecendo sem receber créditos a partir da introdução do som no cinema.

  

Alta Allen was also in “Seven Years Bad Luck” as the leading lady, while Caroline Rankin also appeared in “The Three Must-Get-Theres” as the Queen. Both women have here more screen time to show their comedy skills. Alta Allen was born Alta Crowin in 1904 and had her first role in theater at age ten. She only made ten films from 1921 to 1926 and married production manager and writer Hampton Del Ruth. Meanwhile, Caroline Rankin was born in 1880 and made 54 films, appearing without receiving credit in talkies.

Na primeira metade do filme, outra estrela é o cachorro Pal. Ele fez 50 filmes tendo começado aos quatro anos em 1921. Pal rapidamente se tornou um dos favoritos do público tanto em curtas quanto em longas-metragens. Ele não deve ser confundido com outro cachorro chamado Pal, um Collie que foi um dos primeiros cães a interpretar Lassie.


In the first half of the movie, another star is the dog Pal. He appeared in 50 movies starting in 1921, aged four. Pal quickly became an audience favorite in both shorts and features. He must not be mistaken for another dog named Pal, a Collie that was one of the first dogs to play Lassie.

Escrito e dirigido pelo astro Max Linder, “Seja Minha Mulher” foi também produzido por Linder, e distribuído pela Goldwyn, que três anos depois sofreria uma fusão e se transformaria na Metro-Goldwyn-Mayer. Samuel Goldwyn, nascido em Varsóvia, Polônia, chegou aos EUA em 1899 para vender luvas. Em 1913, tendo sucesso em sua profissão, ele foi um dos co-fundadores da Paramount Pictures, e no ano seguinte a companhia lançou o primeiro curta-metragem rodado em Hollywood. Ele fundou a Goldwyn Pictures em 1916, e a MGM herdou a maior marca registrada da companhia: a presença do leão Leo no começo de cada filme.


Written and directed by its star Max Linder, “Be Me Wife” was also produced by Linder, and distributed by Goldwyn, who three years later would merge and form Metro-Goldwyn-Mayer. Samuel Goldwyn, born in Warsaw, Poland, arrived in the US in 1899 to sell gloves. In 1913, being successful in his métier, he was one of the co-founders of Paramount Picture, and the following year the company released the first feature-length film shot in Hollywood. He formed Goldwyn Pictures in 1916, and MGM inherited the most prominent thing from the company: Leo the Lion in the beginning of each film.

Quando este filme foi exibido na TV, foi acompanhado de um aviso dizendo que era um produto do seu tempo, e agora o preconceito não tem mais lugar nos filmes. Isto se refere a duas cenas: primeiro, há um caso de gordofobia durante um desfile de modelos, mais tarde um Max bêbado flerta com uma empregada negra. Mary até vai mais longe e diz que “vai encontrar um chinês ou um índio” para que ela também traia o marido. Ambas as sequências foram, obviamente, concebidas com o humor em mente, mas agora mostram como estereótipos não podem ser - e esperamos que não sejam - reproduzidos no cinema.


When this movie was shown on TV, it was accompanied by a disclaimer saying that it was a product of its time, and now prejudice doesn’t find a place in the movies anymore. This is about two scenes: first, there is fat-shaming during a model show, later a drunk Max flirts with a black maid. Mary even goes further saying that she was “going to find a Chinaman or a Redskin” for herself to cheat too. Both sequences were, of course, made for laughs, but now show stereotypes that can’t - and hopefully won’t - be reproduced on film anymore.

“Seja Minha Mulher” foi o segundo filme a estrear na segunda tentativa de Max de conquistar Hollywood. Eu o considero o menos engraçado do trio, mas ainda assim adorável. Não tem a icônica sequência do espelho de “Sete Anos de Azar” nem os trocadilhos e subversões históricos de “O Mosqueteiro”, mas ainda conta com boas performances e uma bela sequência coreografada na venda de bebidas alcoólicas. E o mais importante: material suficiente para transformar qualquer um num fã de Max Linder.


“Be My Wife” was the second film released in Max’s second attempt in Hollywood. I found it to be the least funny of the trio, but still enjoyable. It doesn’t have the iconic mirror sequence from “Seven Years Bad Luck” nor the historical puns and subversions from “The Three Must-Get-Theres”, but still has good performances and a great choreographed sequence at the booze seller. And the most important: just enough material to convert anyone into a Max Linder fan. 

Saturday, February 10, 2024

Uma Canta, a Outra Não (1977) / One Sings, the Other Doesn't (1977)

 

Em novembro de 2023 a versão em inglês do Dossiê Agnès Varda foi publicada. Em janeiro de 2024, depois de uma treta com a Amazon, a versão em português do mesmo e-book foi disponibilizada. Nós do Cine Suffragette organizamos o material mandado para nós por 11 mulheres da crítica. Uma delas foi a Marianne do blog Make Mine Film Noir. Ela, mais tarde, me indicou para um desafio: escrever sobre meu filme favorito da Varda. Isso é realmente desafiador, pois considero meu filme favorito da Varda sempre o último dela que vi – porque todos são muito bons! Dito isto, meu atual filme favorito da Varda é “Uma Canta, a Outra Não” (1977). Aqui está a crítica bilíngue do filme, que você encontrará, junto a outros ótimos textos, no e-book que pode ser comprado AQUI.

 

In November of 2023 the English version of The Agnès Varda Files was published. In January of 2024, after a kerfuffle with Amazon, the Portuguese language version of the same e-book was made available. We at Cine Suffragette organized the material sent to us from 11 female writers. One of them was Marianne from the blog Make Mine Film Noir. She later tagged me in a challenge: to write about my favorite Varda film. This is truly challenging, as I consider my favorite Varda film always the last one I watched – they all are so very good! That being said, my current favorite Varda film is “One Sings, the Other Doesn’t” (1977). Here’s the bilingual review of the film, something that you will find, alongside other great texts, in the e-book that can be bought HERE.


Diretora, atriz, roteirista, produtora e letrista: estes são os muitos papéis que Agnès Varda teve no cinema. Letrista pode vir como uma surpresa, mas desde “Lola” (1961) de Jacques Demy, Varda escreveu as letras de músicas de filmes dela própria e de outras pessoas. Ela escreveu as letras – “paroles” como diz o crédito – das canções em seu mais icônico filme musical, “Uma Canta, a Outra Não” (1977), uma ode à sororidade e à amizade entre mulheres.

Director, actress, screenwriter, producer and lyricist: these are the many roles Agnès Varda had in filmmaking. Lyricist may come as a surprise, but since Jacques Demy’s “Lola” (1961), Varda wrote lyrics for music in her films and films of others. She wrote the lyrics- “paroles” as the credits say - for the songs in her most iconic musical film, “One Sings, the Other Doesn’t” (1977), an ode to sorority and female friendship.

Pauline (Valérie Mairesse) é uma garota moderna. Quando seu pai diz que, para garotas sem estudo, o que resta é “o casamento ou a prostituição”, ela retruca: dá na mesma. Pauline volta a ter contato com uma antiga vizinha, Suzanne (Thérèse Liotard), que está grávida de seu terceiro filho com seu amante, o fotógrafo Jérôme (Robert Dadiès). Incapaz de ter outro filho, Suzanne faz um aborto, seguindo o conselho de Pauline e pegando dinheiro emprestado com ela para ir até a Suíça – afinal, é 1962 e o aborto só seria legalizado na França em 1975.

Pauline (Valérie Mairesse) is a modern girl. When her father tells her that, for girls who don’t have a degree, what is left is “marriage or prostitution”, she answers: “that’s the same”. Pauline regains acquaintance with an old neighbor, Suzanne (Thérèse Liotard), who is pregnant with her third child with her lover, the photographer Jérôme (Robert Dadiès). Unable to have another kid, Suzanne has an abortion, following Pauline’s advice and borrowing money from her to go to Switzerland - after all, it’s 1962 and abortion would only be legalized in France in 1975.

E é em 1972, durante o julgamento que iniciou a mudança, que Pauline e Suzanne se reencontram, dez anos após a tragédia do suicídio de Jérôme que as afastou, com Suzanne tendo ido morar novamente com os pais. Pauline, agora chamada de Pomme pelos amigos, também fez um aborto antes da legalização: ela teve de ir até Amsterdã e lá conheceu seu atual namorado, o iraniano Darius (Ali Rafie). Dali em diante, as duas trocam cartões-postais falando sobre si mesmas, e Varda como narradora nos informa que elas pensam uma na outra constantemente, em uma “inexplicável amizade entre duas mulheres muito diferentes”.

And it is in 1972, during the judgment that started the change, that Pauline and Suzanne meet again, ten years after the tragedy of Jérôme’s suicide drew them apart, with Suzanne having to go back to her parents’ house. Pauline, now called Pomme by her friends, also had an abortion before the legalization: she had to go to Amsterdam and there she met her current boyfriend, the Iranian Darius (Ali Rafie). From them on, the two exchange postcards talking about themselves, and Varda as the narrator lets us know that they think of each other constantly, in an “inexplicable friendship between two very different women”.

É entre mulheres que ambas, Pomme e Suzanne, encontram consolo e alívio. Pomme se sentiu aliviada, ao se submeter ao aborto, ao ver tantas mulheres diferentes na mesma situação, literalmente no mesmo barco que as levava para a clínica. Suzanne se sentiu aceita numa família pela primeira vez quando ela conheceu as outras mulheres que trabalhavam na fábrica, onde ela conquistou independência financeira. Agora Suzanne trabalha em uma clínica de planejamento familiar onde, entre outras coisas, briga com católicas que não querem tomar a pílula que lhes foi prescrita.

It is among women that both Pomme and Suzanne find solace. Pomme felt relieved to go through an abortion seeing so many different women at the same situation, sharing a both ride to and from the clinic. Suzanne felt accepted in a family for the first time when she met the other women who worked in the factory, where she found financial independence. Now Suzanne works in a family planning clinic where, among other things, argues with Catholics who don’t want to take the prescribed pill.

O filme toma ares exóticos quando Pomme e Darius vão para o Irã. O filme estreou um ano antes da Revolução Iraniana, que tentou – e em alguns casos falhou, graças à resistência das mulheres – remover direitos das mulheres e afastá-las da força de trabalho. No filme, Pomme menciona que sente que há uma separação no Irã entre o mundo feminino, nos banhos turcos e mercados, e o mundo masculino, nas ruas e cafés. É também no Irã que Pomme percebe Darius se transformando, de um cara liberal e feminista, em um marido tradicional. Pomme, que só queria romance num local exótico, começa a se sentir presa.

The film takes an exotic turn when Pomme and Darius go to Iran. The film was released one year before the Iranian Revolution, that tried - and in some extent failed, thanks to women’s resistance - to remove women’s rights and send them away from the workforce. In the movie, Pomme mentions feeling that there is a separation in Iran between the female world, in Turkish baths and markets, and the male world, in the streets and cafés. It’s also in Iran that Pomme notices Darius morphing from a liberal, feminist dude into a traditional husband. Pomme, who only wanted romance in an exotic location, is feeling trapped instead.

Agnès Varda assinou o “Manifesto das 343”, um abaixo-assinado assinado por 343 mulheres francesas, algumas delas notórias, que fizeram aborto. Ele foi assinado em 1971 e inspirou outro abaixo-assinado, este de 331 médicos que pediam pela legalização do aborto. É por isso que Varda trata aborto e gravidez como iguais, como escolhas – como sempre deveria ser.

Agnès Varda signed the “Manifeste des 343”, a manifest signed by 343 notorious French women who had had abortions. It was signed in 1971 and inspired a follow-up petition signed by 331 doctors asking for the legalization of abortion. That’s why Varda treats abortion and pregnancy as equals, as choices - as it should always be.

É dito no filme que todas as canções são de autoria de Pomme. Estas músicas são sobre sororidade, sentimentos durante a gravidez, a jornada dupla que as mulheres enfrentam, o fato de que “meu corpo é meu” e muitos outros assuntos feministas. As músicas não são chiclete, mas são ao mesmo tempo inspiradas e inspiradoras. No IMDb, Varda não é creditada pelas letras das músicas, mas mesmo sem este crédito no filme podemos perceber que as letras são dela, pois Varda era uma “feminista raivosa”, como ela mesma se definia: uma vez disse que queria ser uma feminista alegre, mas estava com muita raiva de como as coisas estavam. Então ela lutou para mudar as coisas, com a arma que dominava: o cinema.

It’s said in the film that all songs are by Pomme. These songs are about sorority, feelings during pregnancy, the double journey women face, the fact that “my body is mine” and many other feminist issues. The songs are not catchy, but are both inspired and inspiring. On IMDb, Varda is not credited for the lyrics of the songs, but even without the credits in the film we can see they are hers, as Varda was the staunch angry feminist she called herself, as she once said that she wanted to be a joyful feminist, but was too angry with the way things were. So she fought to change things, with the weapon she dominated: cinema.

A filha de Suzanne, Marie, repete um discurso feminista para um namorado, que a zomba. Na verdade, o filme termina com a câmera em Marie, com a narradora dizendo que as coisas provavelmente seriam mais fáceis e mais claras para Marie e as garotas da geração dela, porque mulheres como Suzanne e Pomme lutaram por elas. Não é uma escolha sem significado: Marie aqui, aos 17 anos, é interpretada pela filha de Varda, Rosalie, para quem o filme é dedicado. Com “Uma Canta, a Outra Não”, Varda estava criando um futuro para Rosalie, e nos contando com todos os detalhes que tipo de futuro era este. Porque é isso que nós mulheres fazemos juntas: criamos futuros.

Suzanne’s daughter Marie repeats a feminist speech for a boyfriend, who mocks her. Actually, the film ends with the camera on Marie, with the narrator saying that things would probably be easier and clearer for Marie and the girls form her generation, because women like Suzanne and Pomme fought for them. It’s not a meaningless choice: Marie here, at age 17, is played by Varda’s daughter Rosalie, to whom the movie is dedicated. With “One Sings, the Other Doesn’t”, Varda was creating a future for Rosalie, and telling us with all details which kind of future it was. Because it’s this that us women do together: we create futures.

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