} Crítica Retrô: Pai e Filha / Late Spring (1949)

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Thursday, November 19, 2015

Pai e Filha / Late Spring (1949)

Meu primeiro contato com o cinema de Yasujirô Ozu foi através do livro “A Elegância do Ouriço”, de Muriel Barbery, que uma amiga me emprestou. Logo antes de me entregar o livro, ela me alertou sobre a complexidade dele e me pediu para que eu lhe dissesse minha opinião quando eu terminasse. O desafio estava lançado. Quem era Ozu, e como sua obra cinematográfica poderia dialogar com uma obra literária? Estava na hora de descobrir mais um mestre do cinema japonês.

Ao contrário de Kurosawa, não encontramos aqui imagens de um Japão antigo, com histórias heróicas e predominantemente masculinas. O cinema de Ozu é o cinema do Japão moderno, com mulheres ao mesmo tempo sorridentes e tímidas (este tipo de filme sobre as vidas dos japoneses modernos de classe média recebe o nome de shomingeki). É um cinema minimalista e tradicional. Ozu prefere lidar com as relações familiares e amorosas, que muitas vezes soam alienígenas para nós ocidentais.

Noriko (Setsuko Hara) vive com o pai Shukichi Somiya (Chishû Ryû), um professor viúvo. As amigas e familiares de Noriko acreditam que já está na hora de ela se casar, mas Noriko não quer deixar o pai sozinho. A situação parece estar prestes a mudar quando ela começa a sair com o assistente do pai, mas ele é um moço comprometido. Restará a solução óbvia para Noriko: um casamento arranjado. Mas será essa a opção de Noriko?

Pai e Filha / Late Spring” jamais passaria no teste de Bechdel. Sim, uma das protagonistas é uma mulher, mas o principal assunto das mulheres neste filme é a necessidade do casamento. O pai de Noriko chega a falar que ter um filho é muito melhor do que ter uma filha!


Numa visão feminista, hedonista, e talvez até mesmo egoísta, do mundo, outra fala de Shukichi chama a atenção: falando sobre um casamento arranjado, ele convence a filha de que a felicidade conjugal não será imediata – e talvez demore cinco ou dez anos até que o casal seja realmente feliz junto. Estamos em 2015, vivendo numa sociedade que prega o mindfulness (evolução óbvia do carpe diem). Ora, se devemos nos concentrar no momento presente e aproveitá-lo, como o pai dá à filha o conselho de aceitar um presente triste em troca de um futuro mais promissor? É um conflito de culturas e de gerações.

O Japão logo após a Segunda Guerra Mundial tem uma população com memórias frescas do conflito – e das dificuldades causadas por ele. Mas tem também um grande anúncio da Coca-Cola na estrada por onde Noriko passa de bicicleta. O filme foi feito durante a ocupação do Japão por tropas aliadas, o que significa que uma censura muito parecida com o Código Hays foi aplicada ao roteiro de Ozu. Houve alguma tentativa de ocidentalização do roteiro, pois os censores não gostaram dos temas de casamento arranjado e visita ao túmulo dos antepassados em Tóquio. Ozu foi mais firme e, além da Coca-Cola, o único vestígio mais ocidental no filme é a citação de Gary Cooper.

A música é digna de um filme ambientado na Era Medieval – ou talvez de um conto de fadas. As marcas registradas de Ozu estão todas lá: a câmera quase parada, a presença de momentos apenas com objetos em cena, sem atores, o brilho da atriz Setsuko Hara. Setsuko foi como a diva de Ozu. Kurosawa tinha Mifune. Yasujirô Ozu tinha Setsuko Hara, estrela do cinema japonês que passou dos papéis de heroína trágica para os de virginal criatura pelas mãos de Ozu.

A vida de Ozu não foi fácil, e boa parte dela aparece em “Pai e Filha / Late Spring”. Os papéis, entretanto, estão invertidos: Ozu viveu sempre com a mãe, e jamais se casou. Talvez seja Noriko seu alter-ego em certa medida. E, voltando a “A Elegância do Ouriço”, o que temos novamente é uma mulher de meia-idade, viúva, de vida ordinária e interesses extraordinários: um espelho de Shukichi Somiya!

Pai e Filha / Late Spring” foi minha porta de entrada para o fascinante cinema de Ozu. Apesar das diferenças culturais e do choque inicial quando conhecemos as tradições aparentemente tão arcaicas das famílias japonesas, o filme é tocante e muito bonito visualmente. E, o mais importante: mostra que há todo um mundo a ser descoberto quando nos abrimos para o maravilhoso cinema asiático.

This is my contribution to the Criterion Blogathon, hosted by Kristina at Speakeasy, Ruth at Silver Screenings and Aaron at Criterion Blues

6 comments:

Silver Screenings said...

Le, I always appreciate your thoughts on film – whether I've seen them or not. And I loved what you wrote here. I've never even heard of this film, but you've made me really anxious to see it! :)

Thank you for joining the blogathon, and thanks for such a thoughtful review of Father and Daughter/Late Spring.

Lucas said...

Bom.

Hugo said...

De Ozu eu assisti apenas o ótimo "Era Uma Vez em Tóquio", um sensível drama sobre velhice e família.

Preciso conferir os outros trabalhos do diretor.

Até mais

Kristina said...

Ozu movies are a big gap in my movie viewing, and I keep reading reviews like this that praise their beauty and impact so I need to see some very soon, very curious! Thanks for joining this blogathon, always great to have you take part.

Pedrita said...

acho que já vi algum filme desse diretor faz tempo. preciso conhecer melhor. beijos, pedrita

Todd Mason said...

Obrigado, for your review here and your kind comment on my THE VIRGIN SPRING review. I fear Google translation did your prose few favors, but I like what I take you to be saying here...I haven't seen LATE SPRING yet, but like the few Ozu-directed films I've seen.

I shall check into the rest of your blog...thanks also for introducing yourself. Have you seen much of, say, Teshigahara's directorial efforts? Brilliant at their best...WOMAN IN THE DUNES, obviously, for one...

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