} Crítica Retrô: November 2018

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Sunday, November 18, 2018

O Fugitivo (1932) e o moderno Jean Valjean


I am a Fugitive from a Chain Gang (1932) and the modern-day Jean Valjean


ESTE ARTIGO TEM SPOILERS
THIS ARTICLE HAS SPOILERS

Sempre que eu penso no filme “O Fugitivo”, de 1932, eu não posso evitar pensar também no livro “Os Miseráveis”. Quando eu penso no protagonista do filme da Warner Bros – James Allen, ou Jim, interpretado por Paul Muni – eu o vejo como um Jean Valjean moderno, à imagem e semelhança do protagonista do livro de Victor Hugo.

Whenever I think about the 1932 movie “I am a Fugitive from a Chain Gang”, I can’t help but also think about the book “Les Misérables”. When I think about the lead in the Warner Bros flick – James Allen, or Jim, played by Paul Muni – I see him as a modern Jean Valjean, the lead of Victor Hugo’s book.


Jean Valjean roubou um pedaço de pão para duas para sua irmã e seus sobrinhos, que passavam fome. James Allen foi forçado por Pete (Preston Foster), que ele acabara de conhecer, a roubar cinco dólares de um restaurante. Jean Valjean foi condenado a vinte anos de prisão – na verdade cinco, mas outros 14 foram adicionados porque ele tentou escapar muitas vezes. James Allen foi condenado a 10 anos de trabalhos forçados. Nós não chegamos a ver muita coisa dos anos que Jean Valjean passou na cadeia, mas podemos imaginar que estes anos foram bem parecidos com a pena de James Allen.

Jean Valjean stole one piece of bread to give his sister because she and her children were starving. James Allen was forced by Pete (Preston Foster), who he had just met, to rob five dollars from a bar. Jean Valjean was condemned to twenty years in prison – actually five, but fourteen more were added as he tried to escape many times. James Allen was condemned to ten years of hard labor. We don't get to see a lot of Jean Valjean's time in jail, but we can imagine that they were a little like James Allen's.


Comida horrível. Uma corrente entre suas pernas – e outra corrente, maior e mais forte, para prender todos os detentos juntos quando eles dormem ou são transportados para o trabalho, como se eles fossem gado ou extremamente perigosos. Acordar às 4:20 da manhã – hora escolhida de propósito? Segregação racial até mesmo na cadeia. Uma jornada de trabalho diária de quase 16 horas. Ter de pedir permissão para secar o suor do seu próprio rosto. Sofrer abuso e ser punido fisicamente por descumprir qualquer regra. A experiência de Jim Allen na cadeia pode ser descrita com a canção do musical Les Mis: “Olhe para baixo, para baixo. Não olhe nos olhos deles. Olhe para baixo, para baixo. Você está aqui até morrer”.

Terrible food. A chain between your legs – and another chain, bigger and stronger, to hold together all inmates as they sleep and are transported to work, as if they were cattle or extremely dangerous. Waking up at 4:20 AM – time chose on purpose? Racial segregation even in the jail. A daily labor journey that lasts almost 16 hours. Having to ask for permission even to wipe the sweat of your own face. Suffering abuse and being physically punished for breaking any rules. Jim Allen's experience in the chain gang can be described by the music from Les Mis: “Look down, look down. Don't look 'em in the eye. Look down, look down. You're here until you die.”


Mas, ao contrário do prisioneiro 24601, Jim Allen não é capaz de esperar que sua sentença seja cumprida para começar sua saga. Depois de alguns meses, ele planeja e executa uma fuga. E ele não tem apenas um Javert atrás dele, mas sim dois policiais com cães treinados. Jim os despista ficando embaixo d’água em uma sequência eletrizante, e de repente ele está livre – mas com um andar engraçado por causa dos meses com as pernas acorrentadas.

But, unlike prisoner 24601, Jim Allen couldn't wait his whole sentence to be over to start his saga. After a few months, he plans and executes an escape. And he doesn't get only one Javert after him, but two cops with dogs. Jim outwits them by going underwater in a chilling sequence, and suddenly he is free – but with a funny walk thanks to the chains he had between his legs for months.


Enquanto fora da lei e fugitivo, tanto Jean Valjean quanto James Allen precisam manter os olhos bem abertos. Eles mudam de identidade, mas isso não é o suficiente. James Allen sempre fica alerta quando vê um policial na rua, e um encontro particularmente nervoso acontece em uma barbearia – um encontro nervoso porém irônico, porque o policial descreve o fugitivo, mas não é capaz de reconhecê-lo bem ali na sua frente.

As an outlaw and a fugitive, both Jean Valjean and James Allen must keep their eyes wide open. They change identity, but this is not enough. James Allen is always suspicious when he sees a police officer on the streets, and a particularly nervous encounter occurs in a barber shop – a nervous yet ironic one, because the officer describes the fugitive, but can't recognize the man in front of him.


James Allen muda seu nome para allen James e consegue um trabalho na construção civil. Ele aluga um quarto de Marie Woods (Glenda Farrell) e obtém mais do que só um quarto – afinal, é um filme feito antes do código Hays. Quando Allen para de dar atenção a Marie, ela o chantageia: ela descobriu que ele é um fugitivo através de uma carta do irmão dele, e agora ela quer se casar com ele. Depois do casamento, ela gasta o dinheiro dele e o trai, mas ainda mantém a chantagem. Pelo menos Jean Valjean teve a sorte de nunca ter se casado.

James Allen changes his name to Allen James and gets a job as a construction worker. He rents a room from Marie Woods (Glenda Farrell), and gets more than just a room – after all, it's a pre-Code movie. When Allen stops giving attention to Marie, she blackmails him: she discovered that he is a fugitive from a chain gang from a letter his brother sent him, and now she wants to marry him. After the wedding, she spends a lot and cheats on him, but maintains the blackmail. At least Jean Valjean was lucky enough to never get married.


Ao ser preso pela segunda vez, após a morte de Fantine, Jean Valjean é condenado à prisão perpétua. Quando ele salva um marinheiro que estava se afogando, a multidão clama por sua liberdade. Algo semelhante acontece com Allen quando Marie o entrega: a questão legal gera um debate sobre campos de trabalhos forçados para detentos. Eu sei muito pouco sobre o sistema penal, mas como ser humano eu sei que campos como estes são absurdos e sádicos.

In a second prison, after Fantine's death, Jean Valjean is condemned to serve life sentence. As he saves a sailor who is drowning, the people beg for his release. Something similar happens to Allen when Marie turns him: the legal issue generates a debate about chain gangs. I know very little about the penal system, but as a human I know chain gangs are absurd and sadistic.


O perdão da sentença é oferecido a James se ele ficar mais 90 dias na prisão estatal. Ele aceita a oferta, porque lhe foram prometidos apenas 90 dias fazendo trabalho simples no escritório da cadeia, mas quando ele volta ele é mandado novamente para o campo de trabalhos forçados. Aqui está uma verdade sobre a prisão: como o sistema penal raramente recupera os detentos, muitos acabam voltando para cumprir mais penas.
  
James is offered a pardon if he spends 90 more days in the states' jail. He accepts it, because he was promised 90 easy days doing simple work and the jail's office, but when he comes back he is sent to the old chain gang. Here is something true about being arrested: since the penal system rarely recovers the inmates, many of them come back to serve more sentences.


Tanto “Os Miseráveis” quanto “O Fugitivo” provam que a cadeia não recupera ninguém, e ainda acaba transformando os detentos em pessoas piores. Tanto Valjean quanto Allen roubam MAIS depois que saem da prisão. Ao ter seu perdão negado duas vezes, Jim decide fugir de novo. Na última cena, ele diz adeus à sua namorada Helen (Helen Vinson) e quando ela pergunta “mas como você vive?” ele responde de maneira surpreendente: “eu roubo”.

Both “Les Misérables” and “I am a fugitive from a chain gang” prove that the jail recovers no one, just makes people worse. Both Valjean and Allen steal MORE when they leave jail. When Jim's pardon is denied twice, he decides to escape again. In the last scene, he says goodbye to his sweetheart Helen (Helen Vinson), and when she asks “but how do you live?” he answers the most surprising way: “I steal”. 


Jim é o ‘homem esquecido’ (‘forgotten man’) da canção de Joan Blondell ao final de “Cavadoras de Ouro” de 1933: um veterano da Primeira Guerra Mundial afetado pela Grande Depressão e ignorado pelo Novo Acordo de Roosevelt. Havia tantos destes homens esquecidos que, em uma cena, Jim tenta vender sua medalha de honra da guerra para uma loja de penhores, e descobre que a loja já tinha uma pilha de medalhas semelhantes vendidas por veteranos desesperados.

Jim is the 'forgotten man' sung by Joan Blondell in the end of “Gold Diggers of 1933”: a WWI veteran affected by the Great Depression and ignored by the New Deal. There were so many forgotten men that, in a scene, Jim tries to sell his medal of honor to a pawn broker, only to find that the man already had a pile of similar medals sold by other desperate veterans.


Sim, Jim conseguiu seu trabalho entediante de volta na fábrica Parker quando ele voltou da guerra, mas não era mais isso que ele queria. Ele queria construir coisas, e deixou sua cidade natal para procurar trabalho na construção civil. A condenação de Jim veio porque ele tinha um sonho – e ele estava no lugar errado na hora errada.

Of course, Jim got his boring job at the Parker factory back when he returned from the war, but it wasn't what he wanted anymore. He wanted to be a constructor, and left his hometown to go after work in construction. Jim was condemned because he had a dream – and he happened to be in the wrong place at the wrong time.


Muitas das pessoas consideradas “fora da lei” são na verdade boas pessoas que, por causa de circunstâncias extremas, precisam fazer algo de errado – e às vezes eles não fazem nada de errado. Um bom exemplo é o filme “Idade Perigosa”, outro filme da Warner de 1933, que mostra como bons adolescentes se tornam foras da lei ao pegar carona em trens indo de cidade em cidade, na esperança de encontrar emprego.

Many of the people who come to be called 'outlaws' are actually good people caught in extreme circumstances that make them do something wrong – and sometimes they do nothing wrong. A good example is the film “Wild Boys of the Road”, also a Warner release from 1933, that shows how good teenagers became outlaws by catching trains from town to town, in the hopes of one day finding a job.
 
"Idade Perigosa / Wild Boys of the Road"
Houve uma figura real por trás da história de “O Fugitivo”: Robert E. Burns, um fugitivo de um campo de trabalhos forçados na Geórgia, que na época passava por um novo julgamento. Ele contou sua experiência no livro “I am a fugitive from a Georgia chain gang!” (sem tradução para o português), publicado em seis edições da revista True Detective Mysteries em 1932, e compilado em forma de livro no ano seguinte.

There was a real figure behind the story of “I am a fugitive from a chain gang”: Robert E. Burns, a real fugitive from a chain gang in Georgia, who at the time was under a new judgment. He chronicled his experience in the book “I am a fugitive from a Georgia chain gang!”, published as a six-part serial at the True Detective Mysteries magazine in 1931, and as a book the following year.


Robert Elliott Burns voltou da guerra traumatizado e em casa descobriu que sua namorada havia se casado com outro homens e que seu emprego já havia sido preenchido por outra pessoa. Em 1922, Burns e dois outros homens roubaram 5,80 dólares para comer – eles foram presos e Burns foi condenado a 10 anos de trabalhos forçados. E assim Burns escapou da prisão – duas vezes.

Robert Elliott Burns returned from the war suffering from shell shock to find out his girl was married to someone else and he had no job anymore. In 1922, Burns and two other guys stole US $5.80 to eat – they were caught and Burns was sentenced to 10 years of hard labor. So burns escaped – twice.


Na época das filmagens, Burns viva em Nova Jersey, e por causa da diferença nas leis estaduais ele não pôde ser mandado de volta para a cadeia e um julgamento teve início. Burns foi escondido para Hollywood para ajudar na produção do filme. Ele ajudou muito, mas de acordo com o roteirista não-creditado Sheridan Gibney, Burns se assustava facilmente com os barulhos no estúdio, e ficava nervoso ao ouvir sirenes de polícia e barulhos de tiros. Mas a história de Burns teve um final feliz: ele se retirou da vida pública após a estreia do filme, e em 1945 sua pena foi considerada cumprida. O filme certamente ajudou com seu caso, e também levou à extinção dos campos de trabalhos forçados.

When the film was being shot, Burns lived in New Jersey, and because of different state laws he wasn’t taken back to the chain gang and a judgment started. Burns went to Hollywood undercover in order to help in the film production. He did help a lot, but according to uncredited screenwriter Sheridan Gibney, he was easily scared by the studio’s noises, and got startled whenever he heard a police siren or guns being fired. But Burns’ story ended well: he slipped out of the public eye after the film was made, and in 1945 his sentence was commuted. The film certainly helped in his case, and also led to the extinction of the chain gangs.


Não podemos evitar torcer por James Allen, não apenas porque ele está passando por uma situação absurda e desumana, mas também porque Paul Muni o interpreta de maneira muito sensível. Um de meus atores favoritos – talvez porque ele foi considerado “o novo Lon Chaney” no começo da carreira – Muni colocava muita energia em cada performance. Houve uma adaptação de “Os Miseráveis” para o cinema em 1935, com Fredric March como Jean Valjean, feita pela 20th Century Pictures antes de a companhia se unir à Fox. Uma pena que Muni tinha contrato com a Warner: com base em “O Fugitivo”, posso apostar que ele faria um ótimo Jean Valjean.

We can’t help but root for James Allen, not only because his situation is absurd and inhuman, but also because Paul Muni plays him in a very sensitive way. One of my favorite actors – maybe because he was labeled “the new Lon Chaney” in the beginning of his career – Muni put lots of energy in all performances. There was a “Les Misérables” film adaptation in 1935, with Fredric March as Jean Valjean, made by 20th Century Pictures right before it merged with Fox. Too bad Muni was under contract with Warner: per “I am a fugitive from a chain gang”, I bet he would have made a great Valjean.
  

“O Fugitivo” é um dos filmes mais duros feitos em 1932. Ele mostra uma verdade feia e difícil de engolir, mas ao mesmo tempo foi um filme agente de mudança social. É por isso que precisamos de filmes duros: para exigir e fazer mudanças na sociedade. “O Fugitivo” indiretamente ajudou muitos homens como James Allen. E nós vimos só o começo da dura vida de Jim. Talvez ele tinha tido a mesma sorte de Jean Valjean e encontrou uma doce Cosette para chamar de sua. Eu espero que sim.

“I was a fugitive from a chain gang” is one of the roughest films made in 1932. It shows an ugly truth, a hard one to swallow, but it was an agent of social change. That’s why we need rough movies: to demand and make change in society. “I am a fugitive from a chain gang” indirectly helped so many men like James Allen. And we got only the beginning of Jim's rough life. Maybe he was lucky like Jean Valjean and found a sweet Cosette for himself. At least I hope he did.

This is my contribution to the 2018 CMBA Fall Blogathon, whose theme is Outlaws. All entries can be found at the Classic Movie Blog Association’s blog.

Friday, November 16, 2018

A Regra do Jogo (1939) / The Rules of the Game (1939)


A vida de um cinéfilo muitas vezes se resume a sempre tentar completar algum tipo de lista. Pode será lista da AFI dos melhores filmes feitos nos EUA, ou a lista da Sight and Sound dos melhores filmes de todos os tempos. Quantos nós já vimos de cada lista? E o mais importante: quanto ainda falta para completar cada lista?

The life of a film lover is the life of someone who is always trying to complete some kind of list. It may be the AFI list of the best American movies, or the Sight and Sound list of best films ever made. How many have we already watched from each list? And more important: how many is left for us to complete each list?


Por isso, como parte de um desafio, eu decidi dar uma olhada na lista do site “They Shoot Pictures Don’t They?”, com os mil melhores filmes e escolher o filme com melhor posição no ranking que eu ainda não tenha visto e dar uma chance a ele. O escolhido foi “A Regra do Jogo”, filme francês de 1939, que está na quarta posição na lista de melhores filmes.

So, as I felt challenged, I decided to see the “They Shoot Pictures Don't They?” list of 1000 greatest films and pick the highest-ranked film from the list I hadn't seen to give it a chance. The chosen film was then “The Rules of the Game”, or “La Règle du jeu” in its original French, from 1939, ranked fourth on the list of best films.


São muitos os convidados para uma caça ao coelho e ao faisão e a um baile à fantasia no La Colinière, o castelo que pertence a Christine (Nora Gregor) e Robert de La Cheyniest (Marcel Dalio). Entre os convidados estão André Jurieux (Roland Toutain), que acabara de cruzar, sozinho, o oceano Atlântico em tempo recorde; a amante de Robert, Geneviève (Mila Parély); o amigo de infância de Christina e melhor amigo de André, Octave (interpretado pelo próprio diretor Jean Renoir); e muitos outros.

Lots of people are invited to a rabbit and pheasant hunt and a masquerade at La Colinière, the castle that belongs to Christine (Nora Gregor) and Robert de la Cheyniest (Marcel Dalio). Among the guests there are André Jurieux (Roland Toutain), who has just crossed, all alone, the Atlantic by plane in record time; Robert's lover, Geneviève (Mila Parély); Christine's childhood friend and André's best friend, Octave (director Jean Renoir himself); and many more.


O poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade escreveu um poema em 1930 chamado “Quadrilha”, em que ele descreve os muitos amores de um grupo de pessoas. Temos algo similar em “A Regra do Jogo”: André ama Christine, que ama André e Robert, que ama Geneviève mas quer terminar o caso. Todos estão tendo casos extraconjugais, e estes casos não são segredo para ninguém.

Brazilian poet Carlos Drummond de Andrade wrote a poem in 1930 called  “Quadrilha”, in which he describes the many loves of a group of people. We have something similar here in “The Rules of the Game”: André loves Christine, who loves both him and Robert, who loves Geneviève but wants to end the affair. Everybody is making whoopee, as the slang of the time went, and  the affairs were no secret for anybody.


Eles não estão apenas cientes das traições mas também dispostos a socializar com os amantes dos parceiros e compartilhar com eles reclamações. Esta é a alta sociedade. A classe baixa, por outro lado, não lida tão bem com as traições. Sim, trair é o que aproxima a alta sociedade de seus empregados, mas a reação à traição é muito diferente.

They are not only aware of all the cheating but also willing to mingle with their partners' lovers and share pet peeves. This is high society. The lower class, on the other hand, doesn't deal so well with cheating. Yes, cheating is what approximates high society and their servants, but the reaction to cheating is so different.


Tome como exemplo Lisette (Paulette Dubost), empregada de Christine. Ela fica o tempo todo em Paris e está acostumada aos hábitos da alta sociedade. Seu marido, Edouard Schumacher (Gaston Modot), trabalha no castelo no campo, e tem outra visão sobre o assunto. Ele não vê o adultério como algo normal, e fica furioso quanto Lisette flerta e beija outros homens – mas isso não a impede de continuar flertando. Como diz Lisette: “Quando é só por diversão, isso (a traição) não importa”.

Take for example Lisette (Paulette Dubost), Christine's servant. She spends all her time in Paris and is used to the habits of high society. Her husband, Edouard Schumacher (Gaston Modot), works in the castle on the countryside, and has another approach. He doesn't see adultery as something normal, and gets mad whenever Lisette flirts with and kisses other men – but his anger doesn't stop her. As Lisette says: “When it's just for fun, it (cheating) doesn't matter”.


Octave, interpretado pelo próprio Jean Renoir, é quem faz a ligação entre todos os personagens, mantendo boas relações tanto com a alta sociedade quanto com os empregados – ele também serve de alívio cômico em algumas ocasiões. E é ele quem diz: “Hoje todo mundo mente. O rádio, o cinema...” Irônico colocar estas palavras na boca do diretor.

Octave, played by Jean Renoir himself, is the one who makes a connection between all characters, being friendly with both the high society and the servants – he also serves as comic relief  in some occasions. And he's the one who utters the line: “today everybody lies. The radio, the cinema...” It’s ironic that these words come from the director’s mouth.


O subtítulo de “A Regra do Jogo” é “uma fantasia dramática de Jean Renoir”. De fato, o filme não é uma comédia – embora tenha momentos divertidos, quando se aproxima de uma farsa – e é uma grande crítica da hipocrisia na sociedade francesa. Mesmo com toda a sujeira acontecendo, – incluindo as traições e as brigas causadas pelas traições – a alta sociedade tem de parecer respeitável e indiferente, por isso traídos e traidores precisam fingir que são bons amigos, como se nada estivesse acontecendo e como se nada fosse um problema para eles – você entenderá quando ver o final do filme.

The subtitle of “The Rules of the Game” is “a dramatic fantasy by Jean Renoir”. Indeed, the film is not a comedy – although it has funny moments, becoming next to a farce – and it is a huge critic of the hypocrisy in French society. Even with all the dirt going on – that includes both the cheatings and the fights caused by the cheatings – high society has to look respectable and aloof, so cheaters and victims of cheating have to treat each other as good friends, as if nothing is happening and as if nothing could be a problem for them – you’ll understand when you see the ending of the film.


Tal filme não poderia ter sido feito nos EUA por causa da censura e do código Hays, e “A Regra do Jogo” não foi bem recebida na França, tendo mau desempenho na bilheteria e gerando protestos. E, quando a Alemanha nazista invadiu a França, “A Regra do Jogo” foi banida permanentemente por ser considerado um filme imoral.

Such a film couldn't be made in the US because of censorship and the Hays Code, and it wasn't well-received in France either, where it had a poor box-office performance and was the source of protests. And, when Nazi German invaded France, “The Rules of the Game” was permanently banned because it was considered an immoral film.


Um diálogo representa perfeitamente esta sociedade culturalmente ignorante. Uma das convidadas pergunta à sobrinha de Christine, Jackie (Anne Mayen), o que exatamente é essa tal arte pré-colombiana que a menina estuda na faculdade. Quando ela responde “É a civilização americana antes da chegada de Colombo”, a mulher reage com: “oh, pretos!” Jackie precisa ser mais clara: “Não, índios”, ao que a mulher mais uma vez reage com “Como eu fui boba! Buffalo Bill!” Elas partem em direções opostas, a mulher muito feliz, e Jackie resignada com a conversa estúpida.

One dialogue represents perfectly satirizes this culturally ignorant high society. One of the guests asks Christine's niece, Jackie (Anne Mayen), what exactly is this pre-Colombian art the girl is studying at college. When she answers “It's the American civilization before Columbus's arrival”, the woman reacts: “oh, negroes!” Jackie has to make it clear: “No, Indians”, to which the woman once again reacts: “How silly I am! Buffalo Bill!” They go on opposite sides, the woman very happy, Jackie resigned with the stupid conversation.


Mais do que tudo, “A Regra do Jogo” é produto da imaginação e visão de Renoir sobre a sociedade francesa. Tudo era muito óbvio para ele. Por exemplo: a própria Nora Gregor tinha uma história semelhante à de Christine: ela se tornou amante de um homem casado, o vice-chanceler da Áustria, em meados dos anos 30 e teve um filho com ele. Eles acabaram se casando, e quando ela filmou “A Regra do Jogo” já sabia bem o que era ter uma experiência com traição.

More than anything, “The Rules of the Game” is the product of Renoir’s imagination and vision about French society. Everything was too obvious to him. For example: Nora Gregor herself had a story similar to Christine’s: she became the lover of a married man, the vice chancellor of Austria, in the mid-1930s and had a child with him. They were eventually married, and when she shot “The Rules of the Game” she already knew well the cheating experience.


O filme merece estar um uma posição tão alta numa lista dos melhores filmes já feitos? Certamente. Reassistindo-o poderei apreciar por completo sua genialidade, mas já vejo a técnica empregada e a crítica necessária que foi feita: elas podem não estar escritas nem ser comentadas, mas uma vez que você aceita começar a vida sexual, você já aceitou a regra do jogo.

Does the film deserve to be so high in a list of best films ever made? Certainly. With more viewing I’ll be able to fully appreciate its genius, but I see that technique used to make the film, and also the necessary critic it makes: they may be unwritten and unspoken, but once you agree to start mating, you have agreed with the rules of the game.

This is my contribution to The Greatest Film I’ve Never Seen blogathon, hosted by Debbie at Moon in Gemini.

Monday, November 12, 2018

Grace Kelly: a cobertura na imprensa de um casamento real

Grace Kelly: a Royal Wedding in the press

Não importa onde moramos ou se apoiamos a monarquia. Sempre que um membro da família real – em especial da família real britânica – se casa, nós paramos para ver. Algumas pessoas ficam 100% focadas no casamento, assistindo a tudo sobre ele na TV e procurando por souvenirs na internet. Outras ficam só curiosas, e dão uma olhadinha nas escolhas fashion dos convidados. Todos amamos casamentos reais porque eles são o que temos de mais próximo dos contos de fada.

It does matter where we live or if we support the monarchy. Whenever a member of a royal family – in special the English royal family – gets married, we pay attention to the event. Some people may be 100% invested in the wedding, watching it live on TV and looking for souvenirs online. Others may just be curious, and take a look at the fashion choices of the guests. We all love royal weddings because they are the closest thing from fairytales we have.


Por isso, não há dúvida de que o “casamento do século XX” foi um casamento real. O problema é que temos dois fortes candidatos ao título: o casamento de Grace Kelly com o príncipe Rainier III de Mônaco e o casamento do príncipe Charles com a Lady Diana Spencer. Hoje falaremos sobre o casamento de Grace Kelly.

So, there is no doubt if “the wedding of the 20th century” was a royal one. The problem is that we have two strong contenders for “the wedding of the 20th century”: Grace Kelly’s wedding to Prince Rainer III of Monaco and the wedding of Prince Charles to Lady Diana Spencer. Today we’ll talk about Grace Kelly’s wedding.


Em 19 de abril de 1956, o que aconteceu foi mais que um simples casamento real: foi a união de um membro da realeza do Velho Mundo, um príncipe, com um membro da nova realeza do Novo Mundo, uma superestrela de cinema. Nunca houve algo como isso antes – quer dizer, sim, Rita Hayworth se casou com um príncipe antes de Grace Kelly, mas seu marido era embaixador da ONU e filho de um sultão paquistanês, algo que não tem o mesmo status que a realeza europeia.
  
On April 19th 1956, what took place was more than a simple royal wedding: it was the union of a member of the Old Europe royalty, a prince, with a member of the New World new royalty, a movie superstar. There had never been anything like that – I mean, yes, Rita Hayworth was married to a prince before Grace Kelly, but her husband was a UN Ambassador and the son of a Pakistanis Sultan, which is not in the same status as European royalty.
 
Rita Hayworth and her royal husband
Por isso, o noivado de Grace Kelly, as preparações e, claro, a cerimônia foram manchete em jornais e revistas do mundo todo. Vamos ver como a imprensa cobriu os eventos:

So, Grace Kelly’s engagement, the preparations and of course the wedding made headlines in newspapers and magazines all over the world. Let’s take a look of how the press covered the events:


Hoje nós temos os filmes para TV do canal Lifetime para nos contar, usando atores desconhecidos, como William e Kate ou Harry e Meghan se conheceram, mas em 1956 havia outra maneira de contar o começo de um conto de fadas: artigos de revistas muito longos e detalhados.

Today we have Lifetime Movies to tell us, with the use of unknown actors, how William and Kate or Harry and Meghan met, but in 1956 there was another way to tell the beginning of the fairytale: very long and detailed magazine articles.


A revista Photoplay publicou dois artigos sobre como Rainier e Grace Kelly se conheceram. No artigo mais longo, escrito por Ruth Waterbury, ambos são descritos como pessoas muito independentes – o príncipe, por exemplo, só queria se casar se fosse por amor. Eles se conheceram em um breve ensaio fotográfico para a revista Paris Match feito durante o festival de Cannes. A partir daí a revista conta todas as paixões de Grace Kelly e as fofocas de Hollywood, para acabar onde o artigo começou: no anúncio do noivado.

Photoplay magazine ran two articles about Rainier and Kelly’s meeting and courtship. In the longest article, written by Ruth Waterbury, both are described as very independent people – the prince, for example, only wanted to marry for love. They first met in a brief photo shoot for the magazine Paris Match in Cannes. Then the magazine chronicles all of Grace Kelly’s loves and gossips in Hollywood, to end up where the article began: the announcement of the engagement.

When Grace met Rainier for the Paris Match shoot

O outro artigo da Photoplay foi escrito por Helen Bolstad. Tem basicamente o mesmo conteúdo, sobre o passado de Rainier e Grace Kelly até o noivado. Este artigo tem mais imagens.

The other article on Photoplay was written by Helen Bolstad. It’s basically the same content, about Rainier’s and Kelly’s past until the engagement. This article has many more images.


O jornal brasileiro Diário de Notícias do Rio de Janeiro falou sobre as preparações para o casamento. A nota diz que Grace Kelly acordou às 8 da manhã no palácio, assistiu à missa e supervisionou os preparativos durante a manhã. Os repórteres procuravam por detalhes para escrever nos jardins do palácio, enquanto a guarda desfilava.

The Brazilian newspaper Diário de Notícias do Rio de Janeiro (or News Diary) talks about the wedding preparations. It says Grace woke up at 8 am at the palace, went to the Mass and oversaw the preparations all morning long. The reporters look for news to write about in the palace gardens, while the Guard parades.


E o jornal Tribuna da Imprensa decidiu escrever brevemente sobre o reverendo que iria realizar o casamento:

And the newspaper Tribuna da Imprensa (or Press Tribune) decided to write briefly about the reverend that would officiate the wedding:


A revista American Motion Picture Herald fala dos planos para produzir especiais de TV sobre o casamento e como o evento fez o festival de Cannes ser adiado naquele ano:

The American Motion Picture Herald talks about plans to produce TV specials about the wedding and how the event postponed the Cannes film festival that year:


Outro jornal brasileiro, A Noite, publicou esta foto de Grace e Rainier depois da cerimônia civil e comentou sobre o bolo servido aos convidados:

Another Brazilian newspaper, A Noite (or The Night) published this photo of Grace and Rainer after the civil ceremony and talked about the cake they served the guests:


Finalmente, o jornal O Dia do Paraná falou da possibilidade de Grace Kelly seguir com a carreira de atriz – o pai dela havia dito que ela ainda estava pensando nisso – enquanto ela estava na lua de mel em um iate. O príncipe Rainier III não gostava da ideia de sua esposa voltar a Hollywood – e de fato ela não voltou.

Finally, this newspaper called O Dia do Paraná (or The Day, from the state of Paraná) talked about the possibility of Grace Kelly keeping on making films – her father said she was still thinking about it – while she was on her honeymoon on a yacht. Prince Rainier III didn’t like the idea of his wife going back to Hollywood – and in fact she didn’t.


O casamento também foi assunto de um especial de notícias da Pathé – visto abaixo – e um especial de 30 minutos da MGM. Mas isso é assunto para outra hora...

The wedding was also the subject of a Pathé newsreel – seen below – and a 30-minute MGM special. But this is subject for another time…


This is my contribution to the 4th Wonderful Grace Kelly blogathon, hosted by Virginie at The Wonderful World of Cinema and Emily at The Flapper Dame.


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