} Crítica Retrô: Orfeu Negro (1959) / Black Orpheus (1959)

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Saturday, February 2, 2019

Orfeu Negro (1959) / Black Orpheus (1959)


Era uma vez um homem chamado Orfeu. Ele se apaixonou por uma mulher chamada Eurídice, mas o romance deles era assombrado pela morte. Esta é a trama básica da lenda grega de Orfeu e Eurídice – na lenda, Orfeu é o filho do deus Apolo e da musa Calíope, e daí vem seu talento musical. Mas em 1959 Orfeu não precisou ser filho de um deus grego para ser um personagem inesquecível na adaptação tropical da lenda.

Once upon a time, there was a man named Orpheus. He fell in love with Eurydice, but their romance is closely watched by no other than Death. This is the basic storyline of the Greek legend of Orpheus and Eurydice – in the legend, Orpheus is the son of the god Apollo and the muse Calliope, hence his musical talent. But in 1959 Orpheus didn't need to be the son of a Greek god to be a remarkable character in the tropical adaptation of the legend.


O poeta e autor brasileiro Vinícius de Moraes escreveu o musical “Orfeu da Conceição” adaptando a lenda grega para a realidade do Rio de Janeiro. O musical estreou em 1956 – um ano antes de Tennessee Williams escrever sua peça “Orpheus Descending” - e foi um sucesso. As músicas foram compostas por Antônio Carlos Jobim, um dos músicos mais famosos do Brasil na época.

Brazilian poet and writer Vinícius de Moraes wrote the musical play “Orfeu da Conceição” adapting the Greek legend to the reality of Rio de Janeiro. The play opened in 1956 – one year before Tennessee Williams wrote his “Orpheus Descending” - and it was a success. The songs in the play were composed by Antônio Carlos Jobim, one of the most famous Brazilian musicians at the time.


A peça chamou a atenção do autor e diretor francês Marcel Camus. Camus fez uma proposta para adaptar a peça para o cinema, e escreveu o roteiro com Vinícius de Moraes e Jacques Viot. Camus também dirigiu o filme.

The play called the attention of the French author and filmmaker Marcel Camus. Camus made a proposition to adapt the play to the screen, and wrote the screenplay with Vinícius de Moraes and Jacques Viot. Camus ALSO directed the movie.
 
Marcel Camus

Em “Orfeu Negro” (1959), Orfeu é um motorista e músico – porque é raro viver de música no Brasil, e imagino que também o seja no resto do mundo. Os únicos dias em que ele pode se dedicar totalmente à música são os dias de Carnaval. E bem, qualquer coisa pode acontecer durante o Carnaval no Brasil: pessoas podem se apaixonar, viver experiências inesquecíveis, beijar, rir e chorar, e até mesmo a Morte pode visitar a Terra.

In “Black Orpheus” (1959), Orpheus is a driver and musician – because it's rare to be able to make a living only as a musician in Brazil, and I imagine elsewhere too. The only days he can be a full-time musician is during Carnival. And, well, anything can happen during Carnival in Brazil: people can fall in love, have unforgettable experiences, kiss, laugh and cry, and even Death can walk on Earth.


Durante o Carnaval, Orfeu (Breno Mello) conhece e se apaixona por Eurídice (Marpessa Dawn). Mas eles enfrentam problemas: Orfeu tem uma noiva, a ciumenta Mira (Lourdes de Oliveira), e Eurídice está sendo seguida por um estranho que está obcecado por ela. O estranho é a Morte disfarçada.

During Carnival Orpheus (Breno Mello) meets and falls in love with Eurydice (Marpessa Dawn). But there are problems: Orpheus has a fiancée, the jealous Mira (Lourdes de Oliveira), and Eurydice is being followed by a strange man who is obsessed with her. The strange man is actually Death disguised.


É interessante notar que os atores tinham pouca experiência prévia. Breno Mello era um jogador de futebol que, um dia, foi parado na rua pelo diretor Marcel Camus. Camus perguntou a Breno se ele queria fazer parte de um filme e ele foi escolhido – para ser o protagonista! - ali mesmo. Marpessa Dawn, nascida em Pittsburgh – daí vem seu nome exótico – havia feito TV na Inglaterra, mas foi como cantora e dançarina em clubes noturnos na França que ela conheceu Marcel Camus, com quem mais tarde se casou. Breno Mello e Marpessa Dawn faleceram em 2008, ele 42 dias antes dela.

It's interesting to notice that the actors had few previous acting experience. Breno Mello was a soccer player who was, one day, stopped in the streets by director Marcel Camus. Camus asked if Breno wanted to be in a movie, and he was casted – as the lead! - on the spot. Marpessa Dawn, born in Pittsburgh – what explains her exotic name – had been on TV in England, but it was as a singer and dancer in French nightclubs that she met Marcel Camus, whom she later married. Breno Mello and Marpessa Dawn passed away in 2008, 42 days apart.


Adhemar da Silva, que interpreta a Morte, tem uma história ainda mais curiosa: ele era bicampeão olímpico. Vindo de uma família pobre, Adhemar Ferreira da Silva decidiu se tornar atleta em 1947 porque gostou do som da palavra “atleta”. Adhemar competiu em salto triplo e ganhou medalhas de ouro nas Olimpíadas de 1952 e 1956. De acordo com muitas fontes, ele inventou a volta olímpica em 1952, quando correu ao redor do estádio após sua vitória para ficar mais perto do público. Em 1956, ele fez parte do elenco original de “Orfeu da Conceição”, e depois foi escolhido para fazer o filme. Um homem de muitos talentos, Adhemar da Silva ganhou vários campeonatos de salto triplo, falava sete línguas, cantava, tocava violão, foi jornalista, estudou  Belas Artes, Direito, Relações Públicas e Educação Física – e nunca fez outro filme depois de “Orfeu Negro”. Adhemar faleceu em 2001 – no mesmo dia em que o compositor que trabalhou no filme, Luiz Bonfá, também morreu.

Adhemar da Silva, who plays Death, has an even more curious background: he was a two-time Olympic gold medalist. Coming from a poor family, Adhemar Ferreira da Silva decided to become an athlete in 1947 because he liked the sound of the word “athlete”. Adhemar competed in triple jump and won gold medals in the 1952 and 1956 Olympics. According to many sources, he invented the victory lap in 1952, when he ran around the stadium after he won his first Olympic gold medal to greet the crowd. In 1956, he was part of the original play “Orfeu da Conceição”, and from them was hired to do the film. A man of many talents, Adhemar da Silva won several triple jump championships, spoke seven languages, sang, played the guitar, worked as a journalist, studied Art, Law, Public Relations and Physical Education – and never made another film after “Black Orpheus”. Adhemar passed away in 2001 – in the very same day the composer in the film, Luiz Bonfá, also died.


Esta falta de experiência na atuação foi responsável pelas performances naturais dos protagonistas. A falta de dinheiro também foi benéfica, porque ela fez com que Camus utilizasse melhor seus recursos, os recursos naturais ao seu redor, pois o filme foi rodado em uma favela, e não em um estúdio, usando os cenários e as pessoas do local.

This lack of acting experience was responsible for naturalistic performances from all the leads. The lack of money to shoot was also beneficial, because it made Camus use better his resources, there is, the natural resources he had around him, because the film was shot in a shanty town – a favela – and not in a studio, with its local houses and its local people.


“Orfeu Negro” ganhou a Palma de Ouro em Cannes e o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira. Como ele foi dirigido e produzido por franceses, o Oscar foi para a França, embora a história e todo o elenco fossem brasileiros.

“Black Orpheus” won the Palme D'Or at Cannes and the Oscar for Best Foreign Language Movie. Since it was directed and produced by French people, the Oscar went to France, even though the story and the whole cast were Brazilian.


“Orfeu Negro” é um musical, misturando canções da peça, compostas por Antônio Carlos Jobim, e novas canções, escritas para o filme por Luiz Bonfá. Todas as músicas são igualmente adoráveis, e são perfeitas para se conhecer a bossa nova dos anos 50. Há também, obviamente, bastante samba, fotografado lindamente em Eastmancolor.

“Black Orpheus” is a musical, mixing songs from the play, written by Antônio Carlos Jobim, and new songs, written for the film by Luiz Bonfá. All tunes are equally engaging, and are perfect to get to know a little from what Brazilian music sounded like in the 1950s – the Bossa Nova. There is also, of course, a lot of samba, beautifully photographed in Eastmancolor.
 
Lourdes de Oliveira
A ideia de que “qualquer coisa pode acontecer durante o Carnaval” é interessante de ser explorada – porque é verdade. No entanto, o que algumas pessoas interpretam a partir de “Orfeu Negro” é que todo dia é Carnaval no Brasil: nós sempre estamos cantando e dançando, desfilando com roupas minúsculas, e não há lei por aqui. Posso dizer que isso não é verdade – quer dizer, a parte de não haver lei é quase verdade. Assim como “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro” (1969), de Glauber Rocha, que depende muito de rituais e misticismo, “Orfeu Negro” pode criar uma má impressão do país.

The idea that “anything can happen during Carnival” is a good one to be explored – because really anything can happen during Carnival. However, what some people take from “Black Orpheus” is that every day is Carnival in Brazil: we're always singing and dancing, parading with diminutive clothes and there is no law here. I can say this is not truth – I mean, the part about there being no law is almost truth. Just like Glauber Rocha's “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro” (1969), that relies too much on rituals and misticism, “Black Orpheus” can give a bad impression of the country.


Há muitas referências inteligentes à mitologia grega que farão a alegria dos espectadores que já conhecem a lenda de Orfeu e Eurídice – mas o filme pode ser visto também por aqueles que não a conhecem. Mais do que isso: mesmo que o filme tenha uma visão do colonizador acerca dos negros brasileiros, “Orfeu Negro” merece ser visto para ser aproveitado, sentido e discutido.

There are many clever references to Greek mythology that will delight the viewers who are already familiar with the legend of Orpheus and Eurydice – but the film can be viewed by those who don't know the legend as well. More than that: even though the film has the clear European vision of Brazilian black people, “Black Orpheus” deserves to be seen to be enjoyed, felt and discussed.

This is my contribution to the Box Office Jocks blogathon, hosted by Paul and J-Dub at Return to the 80’s and Dubsism.


4 comments:

J-Dub said...

I'm not familiar with this movie, but this was a fun read and I'm glad you contributed it to this blog-a-thon!

Unknown said...

Quem casou com Marcel Camus foi Lourdes de Oliveira.

Anonymous said...

Tu estàs errando !! A esposa do Marcel Camus è a propia americana Marpessa Dawn. Se tu è do Rio a e ainda tem duvidas pergunte à propria Lourdes , esta vivissima e mora no Rio de Janeiro.

Anonymous said...

A união com Marpessa durou pouco, e em seguida houve o casamento com Lourdes de Oliveira. Tiveram 2 filhos.

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