} Crítica Retrô: April 2019

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Thursday, April 25, 2019

Ipcress: Arquivo Confidencial (1965) / The Ipcress File (1965)


O investigador Harry Palmer foi criado para ser o oposto de James Bond. Ele deveria ser um homem comum que não usa engenhocas em suas missões e que nem sempre se ocupa de seduzir mulheres bonitas. Até seu nome deveria ser bobo: Harry Palmer foi o nome mais bobo em que Michael Caine conseguiu pensar para o personagem. Mas o primeiro filme de Harry Palmer, “Ipcress – Arquivo Confidencial” (1965), não tem nada de bobo.

Investigator Harry Palmer was created to be an anti-Bond. He is supposed to be a common man who does not use gadgets in his missions and who is not always seducing beautiful women. Even his name is supposed to be boring: Harry Palmer was the most boring name Michael Caine could come with for the character. But Harry Palmer’s first film, “The Ipcress File” (1965), is not boring at all.


O ótimo porém insolente sargento Harry Palmer (Michael Caine) é transferido pelo coronel Ross (Guy Doleman) para uma nova função, ficando no lugar de um homem que foi morto recentemente. Este homem estava investigando a aposentadoria repentina de grandes cientistas que estavam bem e de repente perderam suas habilidades.

Great yet insolent sergeant Harry Palmer (Michael Caine) is transferred by Colonel Ross (Guy Doleman) to a new position, replacing a man who had just been killed. This deceased man was investigating the sudden retirement of top-notch scientists who were just fine and suddenly couldn't function anymore.


Harry pode estar trabalhando para o major Dalby (Nigel Green), mas ele ainda prefere suas velhas técnicas de investigação. Não importa o que Harry faça, Dalby acha que “não é bom o suficiente”. Isso acontece até que Harry e a equipe encontram uma fita de áudio onde está escrito “Ipcress”.

Harry might be working for major Dalby (Nigel Green) now, but he still prefers his old investigation techniques. No matter what Harry does, Dalby thinks “It's not good enough”. This happens until Harry and the team find an audiotape with “Ipcress” written on it.


Descobrir a função da fita não será o único desafio de Harry: ele também se envolverá com uma agente, descobrirá que tanto Rossa quanto Dalby querem a fita e será cobaia em um experimento torturante. Para tornar tudo um pouco pior, Harry será seguido por um homem com óculos de armação quebrada.

Finding out what the tape does won't be Harry's only challenge: he will also get involved with a female agent, he will find out that both Ross and Dalby want the tape and he will go through a torturing experience. To make things a bit worse, Harry will be followed everywhere by a man with broken glasses.


“Ipcress – Arquivo Confidencial” é um filme com uma trama muito complexa – quase tão complexa quanto a de “O Espião que Sabia Demais” (2011). Mesmo assim, há espaço para humor quando Harry e seu chefe conversam, de maneira não muito amigável, enquanto fazem compras de supermercado. Há também uma sequência de muito suspense em uma garagem subterrânea onde um homem ferido é resgatado.

“The Ipcress File” is a film with a very complex plot – almost as complex as “Tinker Taylor Soldier Spy” (2011). Nevertheless, there is room for humor as Harry and his boss talk, not exactly in an amicable way, while they do grocery shop. There is also a very suspenseful sequence in an underground parking lot as a hurt man is traded by cash.


Há uma boa quantidade de ângulos criativos, que nos fazem ver a ação através de lentes de óculos, cabines telefônicas transparentes, pequenas aberturas e buracos nas paredes. De acordo com Michael Caine, o diretor Sidney Furie decidiu filmar as cenas como se o público estivesse seguindo a ação detrás de alguma coisa, como um agente escondido.

There is a fine amount of creative shots, making us see the action through glass lenses, transparent telephone boots, small apertures and holes in walls. According to Michael Caine, director Sidney Furie deliberately chose to shoot the film as the public was following the action hiding behind something, as an undercover agent.


Havia muitas pessoas trabalhando em “Ipcress – Arquivo Confidencial” que haviam trabalhado em filmes do 007:  o produtor Harry Saltzman, o editor Peter Hunt, o designer de produção Ken Adam e o compositor John Barry. Sendo profissionais versáteis, eles conseguiram criar uma atmosfera muito diferente da dos filmes de James Bond – a diferença mais perceptível é a música.

There were many people working on “The Ipcress File” who had also worked in Bond movies: producer Harry Saltzman, editor Peter Hunt, production designer Ken Adam and composer John Barry. As versatile professionals, they managed to create an atmosphere as far from the Bond movies as possible – the most perceptible difference is the soundtrack.


“Ipcress – Arquivo Confidencial” foi um livro escrito por Len Deighton e publicado em 1962. No livro, narrado em primeira pessoa, o agente principal não tem nome. Já que é raro para uma película ser filmada com ponto de vista de primeira pessoa – a primeira metade de “Prisioneiro do Passado” (1947) é uma exceção – os produtores precisavam de um nome para nosso anti-herói. Michael Caine sugeriu o nome, e usou o sobrenome de seu colega de escola mais chato. Caine também escolheu manter os óculos que o personagem usava no livro para fazer Palmer mais humano – e para ajudar na caracterização de Caine, já que o ator usa óculos na vida real. Como alguém que usa óculos, fico feliz em ver um investigador cuja vista é tão ruim quanto a minha.

“The Ipcress File” was a book written by Len Deighton and published in 1962. In the book, narrated in the first person, the lead agent had no name. Since it’s rare for a movie to be filmed with a first person point-of-view – with the first half of “Dark Passage” (1947) being one exception – the producers needed a name for our anti-hero. Michael Caine suggested the name, and took the surname from his most boring school classmate. Caine also chose to keep the glasses the character used in the novel as a way to make Palmer more down-to-Earth – and to help Caine’s characterization, as the actor wears glasses in real life. As someone who wears glasses, I’m happy to see an investigator whose sight is as bad as mine.


“Ipcress – Arquivo Confidencial” deu origem a uma pequena série de filmes – foram seis no total. Michael Caine não interpretou o protagonista em apenas um deles, “Spy Story” (1976), no qual o protagonista recebeu outro nome. Os dois últimos filmes da série não oficial de Harry Palmer foram feitos diretamente para a TV.

“The Ipcress File” originated a small series of films – there were six in total. Michael Caine didn’t play the lead in only one of the films, “Spy Story” (1976), in which the lead was also renamed. The last two films of the unofficial Harry Palmer series were made for TV in the 1990s.


“Ipcress – Arquivo Confidencial” foi um grande sucesso. E como foi também o primeiro filme de Michael Caine como protagonista, ele logo se tornou uma grande estrela – e ele nem era a primeira opção do produtor: Saltzman queria Christopher Plummer para o papel, mas Plummer preferiu fazer “A Noviça Rebelde”. Em 1999, “Ipcress – Arquivo Confidencial” foi escolhido o 59º melhor filme inglês pelo Instituto de Cinema Britânico. E, mesmo com Harry Palmer tendo sido criado para ser o oposto de James Bond, temos de concordar que Michael Caine é tão bacana quanto qualquer ator que fez 007, não?

“The Ipcress File” was a huge success. As it was Michael Caine’s first time as he lead, he soon became a superstar – and he wasn’t even the producer’s first choice: Saltzman wanted Christopher Plummer for the role, but Plummer chose to do “The Sound of Music” instead. In 1999, “The Ipcress File” was voted the 59th best British film ever by the British Film Institute. And, even though Harry Palmer was created to be an anti-Bond, we all can agree that Michael Caine is as cool as any actor who played agent 007, isn’t he?

This is my contribution to the Second Marvellous Michael Caine blogathon, hosted by Gill at Realweegiemidget Reviews.



Friday, April 19, 2019

Ingênua Até Certo Ponto (1953) / The Moon is Blue (1953)


Eu sou fascinada por filmes que foram condenados ou censurados. Eu amo quando um filme ri na cara da Legião da Decência ou da Igreja Católica. Eu adoro filmes provocantes. Por isso que fiquei intrigada com “Ingênua Até Certo Ponto” (1953), um filme que foi condenado pela Production Code Administration e pela Legião da Decência. Além disso, ele tem o comercial de cerveja mais estranho de todos os tempos.

I’m fascinated by films that were either condemned or censored. I love whenever a film laughed at the face of the Legion of Decency or the Catholic Church. I adore provocative movies. That’s why I was more than intrigued with “The Moon is Blue” (1953), a film that was condemned by the Production Coda Administration and the Legion of Decency. Also, it has the weirdest beer commercial ever.


Patty (Maggie McNamara) está vendo as vitrines das lojas quando seus olhos encontram os de um estranho. Este homem começa a segui-la em outras lojas e vai atrás dela até o topo do Empire State Bulding. Isso deveria ser uma sequência engraçada e charmosa, mas se você é uma mulher você sabe que ser seguida por um homem é assustador. Felizmente, este estranho é inofensivo porque ele é interpretado pelo grande William Holden – mas este é só o começo dos problemas para Patty.

Patty (Maggie McNamara) is window shopping when she locks eyes with a stranger. This man starts following her to other stores and eventually to the top of the Empire State Building. It's supposed to be a funny and charming sequence, but if you're a woman you know that being followed by a man is terrifying. Fortunately, this stranger is harmless because he is played by the great William Holden – but this is just the beginning of Patty's problems.


Ainda bem que Patty não é boba. Ela vai com Don (o personagem de Holden) até o escritório dele, e lá ela diz que é atriz e está procurando um homem com quem se casar. Mas não qualquer homem: de preferência um homem de meia-idade que já tenha sido casado e que não vá babar em cima dela. Don é muito jovem e está babando. Um pouco depois, ela também surpreende uma taxista com sua conversa franca com Don sobre as intenções dele e, confuso, ele aceita que o jantar deles tenha “afeto, mas sem paixão”.

A good thing is that Patty is not a fool. She goes with Don (Holden's character) to his office, and there she says that she is an actress trying to get a man to marry her. But not any man: preferably a middle-aged man who had been married before and won't drool over her. Don is too young and currently drooling. A while later, she also surprises a taxi driver with her blunt talk to Don about his intentions, and, confused, he agrees that their dinner can have “affection, but no passion”.


Depois de uma conversa reveladora no apartamento de Don, ele sai para comprar ingredientes para Patty preparar o jantar. Enquanto Don está fora, seu vizinho David (David Niven) bate à porta à procura de Don, e se surpreende ao encontrar uma garota como Patty no lugar. David quer falar com Don porque a filha de David, Cynthia (Dawn Addams), passou a noite com Don e estava furiosa porque “ele fez mal a ela” – nesse caso, ela estava furiosa porque Don não a tocou!

After a revealing chat at Don’s apartment, he leaves to buy ingredients for Patty to make dinner. While Don is out, his neighbor David (David Niven) knocks on his door looking for him, and is surprised to find a girl like Patty there. David wants to talk to Don because David’s daughter, Cynthia (Dawn Addams), had spent the night with Don and was sour because “he had done her wrong” – in this case, she was sour because Don didn’t touch her!


David fica para jantar com Don e Patty, e mais tarde David e Patty vão até o apartamento dele, onde ele fala sobre os sentimentos que tem por ela. Cynthia também aparece, e assuntos como virtude, dar o exemplo e pureza são discutidos.

David stays for dinner with Don and Patty, and later David and Patty go to his apartment, when he talks about his feelings for her. Cynthia also appears, and issues like virtue, leading by example and purity are discussed.


É fácil perceber por que “Ingênua Até Certo Ponto” foi condenado: a protagonista está longe de ser o que era esperado para uma mulher dos anos 1950. Patty O’Neill poderia ser considerada um mau exemplo para as jovens espectadoras. Patty não acredita no amor, é completamente prática ao falar sobre casamento e considera natural discutir sexo e sedução. Ela não quer ilusões românticas, ela quer segurança. Você consegue imaginar, nos anos 50, o que aconteceria se as mulheres começassem a ser tão... EXIGENTES?

It’s easy to see why “The Moon is Blue” was condemned: the leading lady was not what is expected of women to be in the 1950s. Patty O’Neill could even be considered a bad role model for young moviegoers. Patty doesn’t believe in love, she is completely practical when talking about marriage and considers it’s natural to discuss sex and seduction. She doesn’t want romantic illusions, she wants security. Can you imagine, in the 1950s, what would happen if women started being so… DEMANDING?


Tanto Patty quanto Cynthia são novos tipos de mulher, que gostam de ser beijadas e tocadas, e não necessariamente se envolver romanticamente com um homem. Elas não podem dizer não a um homem e não gostam que os homens digam não a elas. Elas são mulheres modernas, modernas demais para os anos 50, mesmo Patty ainda sendo virgem.

Both Patty and Cynthia are new kinds of women, who enjoy being kissed and touched, and not necessarily get romantically involved with a man. They can’t say no to a man and don’t like when a man says no to them. They are modern women, too modern for the 50s, even though Patty is still a virgin.


E aí está o problema: “Ingênua Até Certo Ponto” ousou usar a palavra “virgem” – algo que nenhum outro filme da era do Código Hays havia ousado fazer! E tem mais: este filme também foi pioneiro no uso de “seduzir” e “amante”, por isso a Legião da Decência deu ao filme uma nota C – a mais baixa possível – e a película foi banida em algumas cidades, como Boston e Memphis.

And there lies the problem: “The Moon is Blue” was bold enough to use the word “virgin” – something that no other film from the Code era had done until them! There is more: this film was also a pioneer of the use of both “seduce” and “mistress”, so the Legion of Decency gave it a C rating – the lowest possible –  and the film was banned in some cities, like Boston and Memphis.


“Ingênua Até Certo Ponto” teve origem como uma peça da Broadway que também foi dirigida por Otto Preminger. Assim que ele conseguiu os direitos de adaptação da peça para o cinema, Preminger fez escolhas curiosas no elenco, escalando David Niven, então considerado uma estrela em decadência, e a novata Maggie McNamara, que havia interpretado a protagonista da peça em Chicago. Para equilibrar as coisas, ele escolheu William Holden para completar o trio – Holden era então um ator muito popular nas bilheterias.

“The Moon is Blue” originated as Broadway play that was also directed by Otto Preminger. As he secured the rights to adapt the play to the screen, Preminger made odd cast choices as he chose David Niven, then considered a fading star, and newcomer Maggie McNamara, who had played the lead of the play in Chicago. To balance things, he chose William Holden to complete the trio – Holden was then a very popular actor among moviegoers.


Maggie McNamara é adorável como a tagarela Patty – ela inclusive foi indicada a um Oscar por “Ingênua Até Certo Ponto”, seu primeiro filme. A atriz, que se parecia muito com Jean Simmons, foi uma das três protagonistas de “A Fonte dos Desejos”, de 1954. Infelizmente, sua carreira nunca decolou e anos mais tarde ela passou a trabalhar como datilógrafa para sobreviver. Maggie cometeu suicídio em 1978, aos 48 anos.

Maggie McNamara is adorable as the talkative Patty – she was even nominated for an Oscar for “The Moon is Blue”, her very first film. The actress, who looked a lot like Jean Simmons, was one of the three leads in 1954’s “Three Coins in the Fountain”. Unfortunately, her career never took off and later in life she worked as a typist to survive. Maggie committed suicide in 1978, at age 48.


David Niven ganhou um Globo de Ouro por interpretar David, o que deu nova vida à sua carreira, e William Holden teve um ótimo ano de 1953: ele apareceu em quatro filmes naquele ano – além de uma participação na versão alemã de “Ingênua Até Certo Ponto” – e um desses filmes, “Inferno nº 17”, deu a ele um Oscar. Como uma coincidência curiosa, Otto Preminger interpreta o antagonista de “Inferno nº 17”.

David Niven won a Golden Globe for his portrayal of David, what gave new life to his career, and William Holden had an overall great year of 1953: he appeared in four films that year – plus a cameo in the German version of “The Moon is Blue” – and one of those films, “Stalag 17”, gave him his only Oscar. As a curious coincidence, Otto Preminger plays the antagonist in “Stalag 17”.


No final das contas, “Ingênua Até Certo Ponto” e Otto Preminger riram por último: a United Artists distribuiu o filme mesmo sem o selo de aprovação do Código. O filme foi um sucesso de bilheteria e as pessoas perceberam que ele não tinha nada questionável – ele era, na verdade, um filme bastante decente, charmoso e divertido. Era o começo do fim do Código Hays. Viva “Ingênua Até Certo Ponto”!

In the end, “The Moon is Blue” and Otto Preminger had the last laugh: United Artists distributed the movie even though it didn’t receive a Code Seal from Breen’s office. The film was a box-office hit and people realized that it had nothing to object – it was actually a very decent, charming and entertaining movie. It was the beginning of the end of the Code. Hooray for “The Moon is Blue”!

This is my contribution to the 4th Golden Boy blogathon, hosted by Virginie, Michaela and Emily at The Wonderful World of Cinema, Love Letters to Old Hollywood and The Flapper Dame.


Wednesday, April 17, 2019

A Fera da Cidade (1932) e a gênese da femme fatale

The Beast of the City (1932) and the genesis of the femme fatale

Podemos traçar as origens de muitos traços dos filmes noir para mais de uma década antes que o primeiro “noir verdadeiro” – “O Falcão Maltês”, de 1941 – chegasse aos cinemas. Muitas escolhas de fotografia usadas no noir vêm do Expressionismo Alemão dos anos 1920, por exemplo. Mas e quanto aos personagens do noir? De onde vêm os detetives durões e as femme fatales? Nosso foco hoje serão as mulheres más do noir e do proto-noir.

We can trace the origins of many film noir traits back to over a decade before the first “true noir” – aka “The Maltese Falcon”, 1941 – hit the screens. Many cinematography choices used in noir date from the German Expressionism from the 1920s, for instance. But what about the noir characters? Where do hard-boiled detectives and femme fatales come from? Our focus today will be only the evil dames of noir and proto-noir.


As origens das femme fatales do noir podem ser encontradas nas vamps dos filmes mudos. Em Hollywood, algumas das vamps mais icônicas foram Theda Bara em diversos filmes e Nita Naldi em “Os Dez Mandamentos”, de 1923. Nos anos 30, considerando o começo do cinema falado, o período pre-Code e o período com o Código Hays já em vigor, houve um período nebuloso para as mulheres más. Foi um momento em que a vamp se metamorfoseava e se transformava na femme fatale – e houve mais mulheres independentes nas telas do que nos 70 anos seguintes.

The origins of the noir femme fatales can be found in the silent film vamps. In Hollywood, some of the most iconic vamps were Theda Bara in many of her films and Nita Naldi in “The Ten Commandments”, from 1923. In the 1930s, considering beginning of the sound era, the pre-Code period and the Code period per se, there was a nebulous time for bad women. It was a moment when the vamp was metamorphosing into the femme fatale – and there were more independent women on screen than there would be for the next 70 years or so.
 
Nita Naldi in "The Ten Commandments"
“A Fera da Cidade” começa com uma mensagem que parece uma provocação da MGM para os estúdios Warner. A mensagem é sobre como a sociedade deve parar de glorificar gângsteres e começar a glorificar os policiais que perseguem estes gângsteres. Assim que a mensagem acaba, descobrimos que ela foi dita pelo então presidente Herbert Hoover.

“The Beast of the City” starts with a message that sounds like a provocation MGM is making to the Warner studios. The message is about how society should stop glorificating gangsters and start glorificating the policemen who fight those gangsters. As the message ends, we find out it was uttered by the then president Herbert Hoover.
 
Via PreCode.com
O capitão Jim ‘Fitz’ Fitzpatrick (Walter Huston) e seu time estão investigando o enforcamento de quatro pessoas. Jim já tem um suspeito: o famoso malfeitor Sam Belmonte (Jean Hersholt). No escritório de Belmonte, Jim vê Daisy (Jean Harlow) pela primeira vez, mas não dá atenção a ela.

Captain Jim 'Fitz' Fitzpatrick (Walter Huston) and his team are investigating the hanging of four people. Jim has one suspect already: well-known wrongdoer Sam Belmonte (Jean Hersholt). At Belmonte's office, Jim sees Daisy (Jean Harlow) for the first time, but doesn’t pay attention to her.


A próxima vez que nós e a polícia vemos Daisy, ela é uma suspeita esperando para ser reconhecida pela vítima de um acidente de carro. O policial Ed Fitzpatrick (Wallace Ford), irmão de Jim, se interessa por ela, mesmo estando claro que ela não teve nada a ver com o acidente. Ela, entretanto, já esteve presa por seis meses e, ao sair da sala de interrogatório, ela desrespeita um policial que fala com ela.

The next time we and the police see Daisy, she is held as a suspect waiting to be recognized by a victim of a road accident. Policeman Ed Fitzpatrick (Wallace Ford), Jim's brother, gets interested in her, even though it's clear she had nothing to do with the road accident. She, however, had already been in jail for six months, and as she leaves the police station room, she shows no respect for the policeman who talks to her.


Ed segue Daisy até o apartamento dela e fala com a moça. Quando eles estão entrando no imóvel, há um breve momento com as sombras de ambos emolduradas pela sombra da porta – um frame que é puro noir. Dentro do apartamento, eles bebem cerveja, - Ed fica muito bêbado – Daisy dança e eles se beijam.

Ed follows Daisy to her apartment and talks to her. As they're entering the place, there is a brief moment with only their shadows framed by the shadow of the door – a moment that is pure noir. Inside the apartment, they drink beer, – Ed gets so drunk – Daisy dances and they kiss.


Enquanto isso, Jim e sua família – esposa, filhas gêmeas e filho mais novo interpretado por Mickey Rooney – têm de se mudar porque ele foi transferido para outra estação. Sua reação rápida ao roubo de um banco, além de deixá-lo ferido, leva-o a ser nomeado Chefe de Polícia. Ed, por outro lado, fica chateado porque Jim se recusa a promovê-lo a tenente.

Meanwhile, Jim and his family – wife, twin daughters and young son played by Mickey Rooney – have to move as he is transferred to another station. His quick response to a bank robbery leaves him wounded, but gives him the status of Chief of Police. Ed, on the other hand, gets sour because Jim refuses to promote him to lieutenant.


Daisy, querendo mais poder e dinheiro, pergunta a Ed sobre a promoção sem parar. Vendo que nada vai acontecer, ela apresenta Ed a Sam Belmonte, e convence Ed a investir seu dinheiro com o gângster. Ao mesmo tempo, Jim manda Ed para uma importante missão de escolta de um caminhão de dinheiro, mas Ed conta tudo sobre a missão a Daisy, que por sua vez conta os detalhes para outro gângster, sócio de Belmonte, Cholo (J. Carrol Naish) – e então convence Ed a se juntar ao crime.

Daisy, wanting money and power, asks Ed all the time about when he will be promoted. Seeing that nothing is going to happen, she introduces Ed to Sam Belmonte, and convinces Ed to invest his money with the gangster. At the same time, Jim sends Ed in an important mission to escort a truck full of money, but Ed spills the beans about the mission to Daisy, who in her turn tells everything to another gangster, Belmonte's partner Cholo (J. Carrol Naish) – and then she convinces Ed to take part in the crime.


Se considerarmos que uma femme fatale é qualquer personagem feminina que é muito independente, interessada em riqueza e faz algum mal a um protagonista do gênero masculino, podemos encontrar mais femme fatales em filmes proto-noir do que era de se esperar. Por exemplo, a personagem Marie Woods de Glenda Farrell em “O Fugitivo” (1932) pode ser considerada uma femme fatale, enquanto a Gwen Allen de Jean Harlow em “Inimigo Público” (1931) não pode, porque Marie prejudica o protagonista, mas Gwen não.

If we consider a femme fatale any female character that is very independent, interested in riches and does any harm to a male protagonist, we can find more femme fatales in proto-noir films than expected. For instance, Glenda Farrell's Marie Wood in “I was a Fugitive from a Chain Gang” (1932) can be considered a femme fatale, while Jean Harlow’s Gwen Allen in “The Public Enemy” (1931) can’t, because Marie harms the lead, but Gwen doesn’t.


Se Jean Harlow tivesse vivido mais tempo, eu duvido que ela interpretaria muitas femme fatales. Nos últimos dois anos de sua vida e carreira, ela explorou mais seu lado cômico, e com sucesso. Eu acredito que ela teria seguido o caminho da comédia e se tornado uma rainha do screwball comedy, com poucas incursões por papéis mais dramáticos.

If Jean Harlow had lived longer, I doubt she would play many femme fatales. In the last two years of her career and life, she explored more her comedienne side, and with success. I believe she would have followed the funny path and became a screwball queen, with a few incursions into more dramatic roles.


Não há dúvidas de que a Daisy de Jean Harlow é uma femme fatale no ótimo e duro proto-noir “A Fera da Cidade” – um filme que passei a conhecer quando ele foi citado no livro “Cine Negro”, de Alain Silver e James Ursini. O esquema dela traz desgraça a muitas pessoas, pois há várias mortes no confronto final – incluindo a dela própria. Daisy foi uma femme fatale cujos atos foram fatais para ela mesma. E haveria algo pior do que isso?

There is no doubt Jean Harlow's Daisy is a femme fatale in the great and raw proto-noir “The Beast of the City” – a film I first heard about when it was mentioned in the book “Cine Negro”, by Alain Silver and James Ursini. Her scheme disgraces many lives, as in the final confrontation there are a lot of deaths – including her own. Daisy was a femme fatale whose acts were fatal to herself. And could there be anything worse than that?

This is my contribution to the Femme / Homme Fatales of Film Noir blogathon, hosted by the Classic Movie Blog Association.


Sunday, April 14, 2019

Salomé (1953) / Salome (1953)


ESTE ARTIGO TEM SPOILERS

THIS ARTICLE HAS SPOILERS

Primeiro, ela foi Gilda, arrasando corações em um cassino em Buenos Aires em 1946. Depois, em 1948, ela foi Carmen, uma cigana que faz um militar se tornar fora da lei na Espanha. O próximo passo para ela foi dar vida à Salomé, que pediu a cabeça de João Batista na Galileia. A atriz Rita Hayworth interpretou muitas femme fatales – na lista, apenas Gilda seria considerada a femme fatale regular do cinema noir – e ela era a escolha óbvia para interpretar a femme fatale bíblica em “Salomé”, de 1953 – e corajosamente subverter a famosa história.

First, she was Gilda, wrecking hearts in a casino in Buenos Aires in 1946. Then, in 1948, she was Carmen, a gypsy that makes an officer become an outlaw in Spain. The next step for her was to embody Salome, who asked for John the Baptist's head in Galilee. Actress Rita Hayworth played many femme fatales – in the list, only Gilda could be considered the common noir femme fatale – and she was the obvious choice to play the Biblical femme fatale in 1953's “Salome” - and boldly subvert the well-known story.


Um pouco do básico de história bíblica: antes de Jesus ficar conhecido como o Messias, seu primo, João Batista, era considerado o Messias, embora sempre negasse isso. John era alguns meses mais velho que Jesus e Jesus, já adulto, foi batizado por João.

A little of Biblical history 101: before Jesus became known as the Messiah, his cousin, John the Baptist, was considered the Messiah, although he denied the title. John was a few months older than Jesus and Jesus, already in his adulthood, was baptized by John.


Assim como outros profetas, João Batista (Alan Badel) prega contra tiranos, como o rei Herodes (Charles Laughton) – o filho de Herodes o Grande, aquele rei que quis matar todos os bebês do gênero masculino quando Jesus nasceu. Quem está mais ansiosa com a crescente popularidade de João é a rainha Herodias (Judith Anderson), que quer que seu marido faça algo antes que o pregador os tire do trono.

Like other prophets, John the Baptist (Alan Badel) preaches and talks against tyrants, like King Herod (Charles Laughton) – the son of Herod the Great, that king who wanted all baby boys killed by the time Jesus was born. The one more anxious about John's growing popularity is Queen Herodias (Judith Anderson), who wants her husband to do something about the preacher before he dethrones them.


Filha da rainha Herodias e enteada do rei Herodes, a princesa Salomé (Rita Hayworth) vive em Roma. Marcellus (Rex Reason), sobrinho do imperador Tiberius Cesar (Cedric Hardwicke), quer se casar com Salomé, mas o imperador o proíbe, porque Salomé não é romana, e então bane Salomé de Roma. No caminho para casa, ela conhece o comandante Claudius (Stewart Granger), que deve acompanhar a caravana dela par a Galileia. O provocador e pio comandante se apaixona por ela.

Queen Herodias's daughter and king Herod's stepdaughter, Princess Salome (Rita Hayworth), lives in Rome. Marcellus (Rex Reason), the nephew of emperor Tiberius Caesar (Cedric Hardwicke), wants to marry Salome, but the emperor forbids him to do so, because Salome is not a Roman, and banishes Salome from Rome. On her way home, she meets commander Claudius (Stewart Granger), who must accompany her caravan to Galilee. The provocative and pious commander falls in love with her.


Atravessando a planície rumo à Galileia, a caravana encontra João Batista e seus seguidores e ocorre um confronto. Claudius impede que João seja morto por um soldado – ele diz que a morte de João causaria revolta entre o povo, mas na realidade Claudius e João são amigos.

When going by land to Galilee, the caravan meets with John the Baptist and his followers and there is confrontation. Claudius prevents John from being killed by a soldier – he says that killing John would cause uproar among the people, but in reality Claudius and John are friends.


No palácio, o rei Herodes se interessa pela enteada, enquanto a rainha Herodias cria um plano para usar a beleza de Salomé a seu favor. Salomé vai ao mercado e ouve João Batista falando mal da mãe dela, e por isso começa a se opor a ele, o que é perfeito para o plano de Herodias.

In the palace, King Herod lusts over her stepdaughter, while Queen Herodias plots a plan to use Salome's beauty to her favor. Salome goes to the market and listens to John the Baptist speaking ill of her mother, and thus starts to oppose him, which is perfect for Herodias's plan.


Entre 1949 e 1951, Rita Hayworth se afastou de Hollywood ao se casar com o príncipe Ali Khan e se tornar a primeira atriz / princesa. Em 1951, DeMille disse que queria Hayworth para interpretar Salomé em um filme que ele faria no futuro. O chefe da Columbia, Harry Cohn, roubou a ideia e fez “Salomé” em 1953, com Hayworth também como produtora do filme, através de sua produtora Beckworth Company, que produziu três de seus filmes.

Between 1949 and 1951, Rita Hayworth took a break from Hollywood as she married Prince Aly Khan and became the first actress / princess. In 1951, DeMille said he wanted Hayworth to play Salome in an upcoming picture. Columbia boss Harry Cohn stole the idea and made “Salome” in 1953, with Hayworth serving also as a producer, under her company Beckworth, that produced only three of her movies.


Alan Badel, olhando para cima o tempo todo com olhos arregalados, faz João Batista parecer um pouco lunático. Em “Rei dos Reis” (1961), João Batista é interpretado por Robert Ryan, o que faz com que ele pareça bem mais velho que o Jesus de Jeffrey Hunter, e também mais circunspecto. No épico de 1961, Salomé é interpretada por Brigid Bazlen, uma garota parecida com Elizabeth Taylor que tinha apenas 16 anos na época.

Alan Badel, looking up all the time with wide open eyes, makes John the Baptist look a little bit lunatic. In “King of Kings” (1961), John the Baptist is played by Robert Ryan, what makes him look much older than Jeffrey Hunter’s Jesus, and also more circumspect. In the 1961 epic, Salome is played by Brigid Bazlen, an Elizabeth Taylor lookalike who was only 16 at the time.

John the Baptist in 1953
John the Baptist in 1961

Falando em louco, o Herodes de Charles Laughton nos lembra um pouco do Nero de Peter Ustinov em “Quo Vadis” (1951), com a diferença de que Nero era mais megalomaníaco, enquanto Herodes é mais como uma criatura nojenta.
Judith Anderson, conhecida como a vilã de “Rebecca” (1940), é perfeita como a maldosa rainha Herodias.

Speaking of crazy, Charles Laughton's Herod kind of reminds us of Peter Ustinov's Nero in “Quo Vadis” (1951), with the difference that Nero was more megalomaniac, while Herod is more of a disgusting creature. Judith Anderson, known as the villain in “Rebecca” (1940), is perfect as the evil Queen Herodias.


Assim como em “Ben-Hur”, em “Salomé” Jesus também aparece, mas seu rosto não é mostrado. Mas, aqui, o personagem mais importante é fictício: Claudius é um homem bom entre homens maus, dividido entre o dever e sua nova crença. Quando se apaixona por Salomé, um novo conflito surge, pois ele tenta mostrar a ela que a mãe dela está errada e que João Batista está pregando uma doutrina que durará séculos.

Like in “Ben-Hur”, in “Salome” Jesus is also there, but his face is not shown. But, here, the most important character is a fictional one: Claudius is a good man among bad men, torn between duty and his new belief. As he falls in love with Salome, a new conflict appears, as he tries to show her that her mother is wrong and John the Baptist is actually preaching about something that will last centuries.


Podemos até ser subversivos e dizer que “Salomé” é tão subversivo quanto “Bastardos Inglórios” (2009), de Tarantino. Salomé se redime e sua culpa no assassinato de João Batista é apagada, e ela se torna uma vítima e não uma femme fatale. Nesta versão, ela faz a Dança dos Sete Véus – que Hayworth mencionou como a coreografia mais difícil que teve de fazer – como distração para que Claudius tente libertar João Batista. Obviamente, isso não termina bem para João, mas é bom ver Salomé como um ser humano, que ri, ama e aprende.
  
We can even be subversive and say that “Salome” is as subversive as Tarantino's “Inglorious Basterds” (2009). Salome is redeemed and her guilt in John the Baptist's assassination is erased, and she becomes a victim rather than a femme fatale. In this version, she performs the Dance of the Seven Veils – that Hayworth mentioned as the most demanding dance routine she ever performed – as a distraction while Claudius tries to free John. Of course, it doesn’t end well for John, but it’s nice to see Salome as a human, laughing, loving and learning.

This is my contribution to the Stewart Granger blogathon, hosted by Maddy at Maddy Loves Her Classic Movies.


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