} Crítica Retrô: February 2016

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Saturday, February 27, 2016

Peter Sellers: cem personagens, zero Oscars

Uma instituição antiga, muito conservadora, envolvida em algumas polêmicas e que não acompanha as mudanças do mundo na mesma velocidade em que elas acontecem. De quem estamos falando? Da Igreja Católica? Não. Da família tradicional? Não. Da classe política? Não. Da sua velha tia do interior? Não. É da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS), mais conhecida por ser a instituição que todos os anos escolhe os vencedores do Oscar.
Muito conservadora, a Academia raramente reconhece interpretações em filmes de comédia, ou mesmo grandes performances de comediantes em filmes dramáticos. Peter Sellers, que já foi chamado de “o maior comediante britânico depois de Chaplin”, foi injustiçado três vezes pela Academia, tanto na comédia quanto no drama.
Peter Sellers não apenas criava com perfeição personagens muito diferentes entre si: ele criava com perfeição personagens muito diferentes em um mesmo filme. Em seu mais conhecido esforço, “Doutor Fantástico / Doctor Strangelove or How I Stopped Worrying and Learned to Love the Bomb” (1964), do diretor Stanley Kubrick, Sellers interpreta três personagens: o cientista maluco que dá nome ao filme, o capitão Lionel Mandrake e o presidente Muffley.
Em outro filme igualmente satírico e hilário, porém pouco lembrado, Sellers tem também três papéis. O filme é “O Rato que Ruge / The Mouse that Roared” (1959), em que ele interpreta o soldado Tully, o primeiro-ministro Rupert e a grã-duquesa (!!!) Gloriana XII. Se interpretações cômicas já são pouco reconhecidas, imagine uma interpretação cômica E travestida... Apesar de ser um dos melhores momentos de Peter Sellers e de tratar com muito humor a paranoia das armas nucleares, “O Rato que Ruge” continua pouco conhecido.
No mesmo ano de “O Rato que Ruge”, Sellers foi indicado ao Oscar na categoria de curta-metragem. “The Running Jumping and Standing Still Film” surgiu como uma diversão pessoal de Sellers com sua câmera de 16mm, e foi filmado em Londres em dois dias com um orçamento de 70 libras. O curta-metragem ganhou um prêmio no festival de San Francisco, conquistou os Beatles, mas perdeu o Oscar para o filme francês “Histoire d’um Poisson rouge / The Golden Fish”, dirigido por Jacques Cousteau (sim, o mergulhador).
A segunda indicação, agora como ator, foi exatamente por “Doutor Fantástico / Doctor Strangelove” (1964). Na ocasião o vencedor foi Rex Harrison por “Minha Bela Dama / My Fair Lady”.
A última chance de Peter Sellers ganhar o Oscar foi em 1980, com um papel desafiador e redentor (literalmente). Como o jardineiro Chance em “Muito Além do Jardim / Being There” (1979), Peter provou que era tão genial no drama quanto na comédia. Chance era simplório, conhecia o mundo através apenas da televisão, mas possuía sensibilidade para palpitar sobre o governo, o funcionamento do mundo e também para destruir sem querer o cinismo que o cercava. O vencedor da noite foi Dustin Hoffman, por “Kramer vs Kramer”, filme que levou, aliás, cinco estatuetas. O colega de elenco de Peter, Melvyn Douglas, ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.
Peter Sellers seria um forte candidato a um Oscar Honorário se não tivesse morrido repentinamente em 1980. Mesmo assim, ao longo da carreira, Peter colecionou outros prêmios, como um BAFTA por “It’s All Right Jack” (1959) e um Globo de Ouro por “Being There”. Mais do que isso, ele criou um adorável, incomparável e inimitável detetive do cinema: o Inspetor Clouseau. Seu método de composição dos personagens envolvia dedicação, exercícios vocais e inclusive distanciamento da realidade e “ficar no personagem” mesmo longe das câmeras – em suma, um Daniel Day-Lewis da comédia. E é por isso que Peter Sellers merecia, sem dúvida, o reconhecimento da Academia.

This is my contribution to the Oscar Snubs Blogathon, hosted by Constance and Diana Metzinger at Silver Scenes and Quiggy of The Midnite Drive-In.

Wednesday, February 24, 2016

Bolão do Oscar 2016

O melhor final de semana de 2016 se aproxima! Se você é como eu e muitos outros cinéfilos, deve estar na contagem regressiva para o Oscar. Como de costume, participo do Bolão do Oscar organizado pelas meninas do blog DVD,Sofá e Pipoca, e neste ano tive grandes dificuldades para fazer minhas apostas. Temos algumas certezas, e ainda muitas dúvidas sobre os vencedores do maior prêmio do cinema. Podem acontecer muitas surpresas no domingo, mas espero ter um bom índice de acertos.
E minhas apostas são...

MELHOR FILME: O Regresso / The Revenant

MELHOR ATOR: Leonardo DiCaprio, O Regresso / The Revenant

MELHOR ATRIZ: Brie Larson, O Quarto de Jack / Room

MELHOR ATOR COADJUVANTE: Sylvester Stallone, Creed

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE: Alicia Vikander, A garota dinamarquesa / The Danish girl

MELHOR DIRETOR: Alejandro González Iñarrítu, O Regresso / The Revenant

MELHOR ANIMAÇÃO: Divertida Mente / Inside Out

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL: Spotlight

MELHOR ROTEIRO ADAPTADO: A Grande Aposta / The Big Short

EFEITOS VISUAIS: Star Wars: O Despertar da Força / Star Wars: The Force Awakens

TRILHA SONORA: Ennio Morricone, Os Oito Odiados / The Hateful Eight

DIREÇÃO DE ARTE: Mad Max: Estrada da Fúria / Mad Max: Fury Road

FOTOGRAFIA: Emmanuel Lubezki, O Regresso / The Revenant

MELHOR CANÇÃO ORIGINAL: “Til it Happens to You”, The Hunting Ground

FIGURINO: A Garota Dinamarquesa / The Danish Girl

CABELO E MAQUIAGEM: Mad Max: Estrada da Fúria / Mad Max: Fury Road

EDIÇÃO: A Grande Aposta / The Big Short

EDIÇÃO DE SOM: Mad Max: Estrada da Fúria / Mad Max: Fury Road

MIXAGEM DE SOM: O Regresso / The Revenant

MELHOR FILME ESTRANGEIRO: O Filho de Saul

MELHOR DOCUMENTÁRIO: Amy

DOCUMENTÁRIO DE CURTA-METRAGEM: A Girl in the River: The Price of Forgiveness

MELHOR CURTA: Shok

MELHOR CURTA DE ANIMAÇÃO: World of Tomorrow

Saturday, February 20, 2016

O Monstro / The Monster (1925)

ESTE ARTIGO CONTÉM SPOILERS.

THIS ARTICLE HAS SPOILERS.

Quem não gosta de filmes com cientistas malucos? Sejam eles aterrorizantes, sofridos ou mesmo carismáticos, os personagens que dedicam tanto sua vida à ciência a ponto de perder a sanidade são sempre fascinantes. Em um artigo publicado em 2005 na revista New Scientist, foi descoberto que, de 1000 filmes de terror que estrearam na Inglaterra entre 1930 e 1980, 30% (305) tinham um cientista louco como personagem. Nosso cientista maluco de hoje veio antes mesmo destes 1000 filmes da pesquisa, e certamente abriu um difícil, porém fértil caminho para eles. Afinal, é quase impossível ser um cientista mais maluco que Lon Chaney.

Who doesn't like movies about mad scientists? No matter if they are terrifying, tragic or even sympathetic: the characters who sacrifice their sanity in the name of science are always fascinating. In an article published in 2005 in the New Scientist magazine, it was noted that, out of 1000 horror films released in England between 1930 and 1980, 30% (305) had a mad scientist as a character. Our mad scientist here came even before the thousand movies in the research, and certainly opened a difficult, albeit fertile, path to them. After all it is hard to be a madder scientist than Lon Chaney.
Após um acidente de carro, o fazendeiro John Bowman desaparece. A polícia e a equipe da seguradora não têm mais esperança de encontrá-lo, mas Johnny Goodlittle (Johnny Arthur), aspirante a detetive, acredita que há um mistério muito maior por trás do desaparecimento. Enquanto não se torna um detetive profissional, Johnny é vendedor e disputa com Amos Rugg (Hallam Cooley) o amor de Betty Watson (Gertrude Olmstead).

After a car crash, farmer John Bowman disappears. The police and the insurance company have no more hopes of finding him, but Johnny Goodlittle (Johnny Arthur), a wannabe detective, believes in a bigger mystery behind the disappearance. While he is not a professional detective, Johnny is a clerk and fights with Amos Rugg (Hallam Cooley) for the love of Betty Watson (Gertrude Olmstead).

Nosso "herói" / Our "hero"
Depois de uma festa e de outro acidente de carro, Johnny, Amos e Betty chegam ao sanatório aparentemente abandonado, procurando um telefone para pedir ajuda. Mas o lugar é habitado, e o novo responsável pelos doentes, Doutor Gustav Ziska (Lon Chaney, com uma quantidade surpreendentemente mínima de maquiagem) insiste para que eles passem a noite lá... sem a garantia de estarem vivos pela manhã.

After a party and another car crash, Johnny, Amos and Betty arrive at an apparently abandoned sanatorium, looking for a phone to call for help. But there are people living there, and the responsible for the sick men, Doctor Gustav Ziska (Lon Chaney, with surprisingly just a little make-up), insists for them to spend the night there... without guaranteeing they will be alive in the morning.
Algum tempo depois, os três, desacordados, são levados para o subsolo do sanatório, onde as habilidades detetivescas de Johnny ajudam – e muito! Em uma passagem subterrânea, ele encontra o Doutor Edwards (Herbert Prior), o verdadeiro responsável pelo local. Ziska já foi um famoso cirurgião e agora é um paciente que, com a ajuda de outros loucos, prendeu doutor Edwards e tomou conta do sanatório.

A few minutes later, the three of them, unconscious, are taken to the sanatorium's underground, where Johnny's skills as a detective help – a lot! In an underground passage he finds Doctor Edwards (Herbert Prior), the real man responsible for the place. Ziska was once a famous surgeon and now is a patient who locked doctor Edwards with the help of the other patients and dominated the sanatorium.

O objetivo de Ziska é fazer algumas experiências no laboratório, um lugar sombrio muito parecido com o ambiente de trabalho do doutor Frankenstein. Cadeiras que prendem a cobaia, macas para experimentos, grandes máquinas elétricas, raios, trovões e tempestade lá fora. A experiência inédita é sem dúvida a mais louca já vista pela plateia do cinema mudo: colocar a alma de um homem no corpo de uma mulher!!! Mas, atenção: o que mais deixa o doutor Ziska maluco é... ser chamado de cientista maluco!

Ziska's goal is to make some experiences at the lab, a dark placed that looks a lot like doctor Frankenstein's workplace. Chairs that hold victims tight, hammocks for experiments, big electrical machines, lightining, thunders and storms out there. The brand new experience is without a doubt the craziest ever seen by a silent movie audience: put a man's soul in a woman's body!!! But, attention: what drives doctor Ziska mad is... being called a mad scientist!


Os dois personagens masculinos principais, Johnny e Amos, são muito semelhantes fisicamente, e isso às vezes atrapalha. São ambos morenos e usam bigode, embora Johnny seja mais baixo. Quando não estão juntos em cena, são necessários alguns segundos para identificarmos quem realmente estamos vendo. Johnny, o mais fraco e atrapalhado, é sem dúvida o protagonista, e em duas cenas ele faz acrobacias dignas de Buster Keaton: em sua entrada no sanatório por uma rampa e no momento em que ele precisa andar sob fios de alta tensão para escapar do capanga do Doutor Ziska.

The two main characters, Johnny and Amos, look alike, and sometimes this is a problem. Both have dark hair and a mustache, but Johnny is shorter. When they are not together in a scene, we need some seconds to identify who we are seeing. Johnny, weakier and clumsier, is without a doubt the main character, and in two scenes he does acrobactic stunts that could have been made by Buster Keaton: when he enters the sanatorium through a ramp and when he needs to walk in high-tension cables in order to escape Doctor Ziska's minion.
O filme não pode ser classificado em um só gênero. Os momentos em que Lon Chaney aparece, e também logo que os personagens entram no sanatório, são cheios de suspense e terror. Mas há também muito humor, seja na presença atrapalhada de Johnny ou nos intertítulos hilários.

The film can't be classified in only one genre. When Lon Chaney is on the screen, and also right after the characters enter the sanatorium, there is a lot of thrill and horror. But there is also a lot of humour, with Johnny's goofy presence or the hilarious intertitles.


Este não é o melhor filme de Lon Chaney. Assim como em outros em que seu papel é reduzido a poucas, porém vitais cenas (como “Oliver Twist”, de 1921), é quando Chaney aparece que tudo fica melhor. Entretanto, Chaney tem a honra de ser o primeiro cientista louco do cinema a ter capangas, ou seja, o Doutor Ziska de Lon Chaney é o tataravô de Gru e seus minions!

This is not Lon Chaney's best film. Like in other movies in which he has few, but vital scenes (like “Oliver Twist”, from 1921), it is when Chaney arrives that everything gets better. And Chaney has the honor of being the first mad scientist in movie history to have minions. This means that Lon Chaney's Doctor Ziska is the great-grandfather of Gru and his minions!

Não é o melhor filme de Lon Chaney. Mas é um filme com Lon Chaney. E isso já faz dele digno de ser visto. Afinal, este é um filme para treinar sua... engenhosidade!

It is not Lon Chaney's best film. But it is a Lon Chaney film. And this alone makes it a film to be seen. After all, this is a film to train your... ingenuity!
This is my contribution to the Movie Scientist Blogathon, hosted by Ruth at Silver Screenings and Christina Wehner.

Sunday, February 14, 2016

Dicas de sedução com Barbara Stanwyck

Você vai passar outro Dia dos Namorados sozinho? Está cansado desta vida solitária? Sonha com um amor só seu? Seus problemas acabaram! Hoje teremos uma aula de sedução com a professora especialista no assunto, Barbara Stanwyck... ou melhor, Jean Harrington. Também chamada de Lady Eve Sidwich, dependendo da ocasião.
Jean / Eve (Barbara Stanwyck) tinha um objetivo na vida: seduzir um homem rico. Ela não esperava se apaixonar quando embarcou em uma viagem de navio com seu pai. Mas o charme nerd de Charles Pike (Henry Fonda) foi mais forte que as más intenções da moça.
Todas as lições de sedução que você vai precisar na vida estão presentes em uma única cena, até bastante arriscada para o momento de vigência do Código Hays. Nossa mestra Stanwyck nos ensina a arte da sedução em sete passos simples:

1- Escolha a vítima o alvo. Use um espelho.

2- Analise suas concorrentes. 

3- Saiba dar o golpe.

4- Sua ação deve ser uma mistura de moça indefesa com mulher que sabe o que quer.

5- Fique a sós com o alvo.

6- Seduza-o exatamente assim: Passe os dedos pelo cabelo dele (ou dela). Um truque infalível.


7- Espere ele cair por você. Literalmente.

Missão cumprida! Agora, o beijo:

Veja a aula completa de sedução (ou a cena completa de "As Três Noites de Eva / The Lady Eve", 1941) AQUI.
Algumas imagens foram retiradas do ótimo site The Blonde at the Film.

This is my contribution to the A Kiss is Just a Kiss Blogathon, hosted by my friend Lesley at Second Sight Cinema.

Friday, February 12, 2016

O Brasil e o Oscar – ou a traumática falta dele

O Brasil pode ter muitas coisas de que se orgulhar: linda natureza, animado carnaval, povo simpático, biodiversidade incrível, cinco títulos de Copas do Mundo. Mesmo assim, o povo ainda amarga uma questão: não temos nenhum Oscar.
Há todo um clima de união quando um filme brasileiro é indicado à estatueta. De repente, toda a nação se junta em torno desse filme, que passa a ser “o Brasil no Oscar”: nossa grande esperança de mostrar que também temos cultura. Em nenhum outro país uma indicação ao Oscar é capaz de unir um povo, ou os americanos seriam o povo mais unido e contente do mundo.
Em 1960, logo após surgir o prêmio de Melhor Filme em Língua Estrangeira (que até então era uma categoria honorária, sem concorrentes anunciados com antecedência), o Brasil chegou a ganhar o Oscar, mas não levou. Vamos explicar: o roteiro, o elenco, a música, quase tudo era brasileiro em “Orfeu Negro”, que adapta a lenda de Orfeu para a época do Carnaval. Mas o produtor e o diretor do longa-metragem eram franceses, e assim uma produção 100% tropical rendeu mais um Oscar... à França.
Quatro filmes brasileiros foram indicados ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira: “O Pagador de Promessas” (aka “The Given Word”, 1962), “O Quatrilho” (1994), “O que é isso, companheiro?” (aka “Four Days in September”, 1998) e “Central do Brasil” (aka “Central Station”, 1998). Tínhamos a esperança de sermos indicados novamente com o tocante “Que Horas ela Volta?” (aka “The Second Mother”, 2015), mas o filme ficou de fora até mesmo da lista de pré-finalistas e, convenhamos, não tinha chance contra “O Filho de Saul”, produção húngara sobre o Holocausto.
“O Pagador de Promessas / The Given Word”, se feito na Itália, poderia ser considerado uma obra-prima do Neorrealismo. Explorando um tema universal, tem todos os ingredientes de um filme estrangeiro inesquecível, capaz de comover pessoas de qualquer nacionalidade. O vencedor daquele ano foi, entretanto, “Sundays and Cybele / Les dimanches de Ville D’Avray”, um filme pouco conhecido.
A criatividade do cinema brasileiro foi cortada brutalmente em 1964, quando ocorreu o golpe militar. Nos 21 anos seguintes, o governo censurou muitos filmes e apoiou outros sem conteúdo, como as pornochanchadas. Os filmes independentes tratavam de temas mais imediatos e políticos de forma sutil, sem grande apelo internacional.
A retomada do cinema brasileiro começa oficialmente em 1995. Em 1999, uma surpresa agradável: além de “Central do Brasil / Central Station” ter sido indicado como Filme em Língua Estrangeira, a maior atriz do país, Fernanda Montenegro, foi indicada ao prêmio de Melhor Atriz. Cate Blanchett era a favorita, mas em uma noite esquisita, foi Gwyneth Paltrow que ganhou a estatueta, gerando um ódio que muitos cinéfilos brasileiros alimentam contra ela até hoje. Quanto ao Melhor Filme em Língua Estrangeira, o prêmio ficou com ”A Vida é Bela”, e arrisco dizer que, se este comovente filme de Roberto Benigni não estivesse na competição naquele ano, teríamos um Oscar para chamar de nosso.
Em 2002, “Cidade de Deus” não foi indicado na categoria Filme em Língua Estrangeira, mas conseguiu indicações para Edição, Roteiro Adaptado, Fotografia e Diretor, iniciando uma carreira internacional para o diretor Fernando Meirelles. Lembre-se também de que outro brasileiro de sucesso no exterior é Carlos Saldanha, que trabalhou no curta-metragem ganhador do Oscar “Bunny” em 1998, criou o esquilo Scrat da franquia “A Era do Gelo” e dirigiu outro curta-metragem indicado à estatueta, “Gone Nutty” (2002).
Excluindo os indicados na categoria mais óbvia, o Brasil também já esteve na disputa nas categorias Documentário (com “Lixo Extraordinário / Waste Land”, 2010, e “O sal da Terra / The Salt of the Earth”, 2014), Canção Original (quando a animadíssima “Real in Rio” perdeu para “Man or Muppet”, uma música bem ao gosto americano) e Curta-Metragem Live-Action (com “Uma História de Futebol” em 2000). Em 2016, “O Menino e o Mundo” foi indicado na categoria Animação e fez uma grande e bem-sucedida campanha de crowdfunding, mas é provável que o ganhador seja o favorito “Divertida Mente / Inside Out”, elogiado filme da Pixar.
Nós ainda não ganhamos o Oscar. Mas filmes importantes, provocativos e surpreendentemente sensíveis estão sendo produzidos e exportados pelo Brasil, como “Hoje eu quero voltar sozinho / The way he looks” (2014) e “Que horas ela volta? / The Second Mother” (2015). A criatividade do cinema brasileiro foi destruída durante a ditadura, mas nossos cineastas se reergueram e estamos evoluindo. Um dia ainda realizaremos o sonho da estatueta dourada – e eu quero estar lá para ver isso acontecer.
Um dia o meme vai acabar!

This is my contribution to the 31 Days of Oscar Blogathon, hosted by the mighty trio Aurora, Kellee and Paula at Citizen Screen, Outspoken & Freckled and Paula’s Cinema Club.

Monday, February 8, 2016

Fatty Arbuckle e Buster Keaton: quando o aluno supera o mestre

Fatty Arbuckle and Buster Keaton: when the pupil surpasses the master


Todos os gênios do mundo tiveram um mentor, uma influência, um apoiador, alguém que abriu caminho para que ele depois brilhasse. No cinema, todos os grandes astros começaram com papéis coadjuvantes em filmes estrelados por outras pessoas, mais famosas e poderosas que os iniciantes. E é quando o mestre sente afeição e confiança no estreante que uma relação de apadrinhamento e até de amizade surge, durando tanto quanto uma vida.

All geniuses had a mentor, and influence, a supporter, someone who showed them the path to success. In the film world, all big stars started in supporting roles to more famous and powerful leads. And, when the master feels affection and something special in the newcomer, a mentorship and even friendship begins, sometimes lasting a lifetime.
Em 1917 um homem magro, de grandes olhos, cabelos pretos e um belo sorriso estreava no cinema. Ele serviria de coadjuvante para um dos maiores comediantes da época, um homem muito gordo e popular, chamado Roscoe 'Fatty' Arbuckle. O coadjuvante se chamava Joseph Frank Keaton, ou melhor, Buster Keaton. O jovem Buster, então com 22 anos, nem tinha tanto destaque assim: uma só cena, em que ele compra melaço do vendedor Fatty. O filme é “The Butcher Boy” (1917).

In 1917 a thin, big-eyed, dark-haired man with a beautiful smile made his debut in the movies. He would be a supporting player for one of the greatest comedians of the time, a chubby and popular man named Roscoe 'Fatty' Arbuckle. The supporting player was Joseph Frank Keaton, or better, Buster Keaton. Young Buster, then 22 years old, didn't have a lot of screen time: only one scene, in which he buys molasses from Fatty the salesman. The film is “The Butcher Boy” (1917).
Roscoe 'Fatty' Arbuckle era um simpático ator cômico dos palcos que estreou no cinema em 1909. Em 1913, contracenou pela primeira vez com a amiga e parceira Mabel Normand, e em 1914 conheceu um homem recém-chegado em Hollywood, mas que já começava a escrever e dirigir seus próprios filmes: Charles Chaplin. Entre os atores com quem Fatty trabalhava com frequência estavam Al St. John, seu sobrinho, e Minta Durfee, sua esposa desde 1908. Era um negócio bastante familiar.

Roscoe 'Fatty' Arbuckle was a sympathetic comic actor from the theater who made his debut in the movies in 1909. In 1913, he shared the screen for the first time with his friend and partner Mabel Normand and in 1914 he met a man who had just arrived in Hollywood, but who already directed and wrote his own movies: Charles Chaplin. Among his usual screen partners were Al St. John, his nephew and Minta Durfee, his wife since 1908. Strictly family business. 
Joe Keaton (pai) e Buster (filho), como bons defensores do vaudeville, relutaram em estrear no cinema. Mas uma ajuda de Arbuckle os fez mudar de ideia: Buster pediu uma câmera de cinema emprestada para o já estabelecido astro, e Arbuckle cedeu o equipamento. Em seu quarto de hotel, Keaton desmontou a câmera e montou-a novamente, estudando a composição e o funcionamento mecânico do objeto. No dia seguinte, Keaton e Arbuckle já começaram a trabalhar juntos.

Joe Keaton (father) and Buster (son), as good vaudevillians, didn't want to star in films. But a little help from Arbuckle made them change their minds: Buster borrowed a camera from the well-known star, and Arbuckle was happy to lend it. In his hotel room, Keaton dismantled the camera and reassembled it, all this while minuciously studying the components and the mechanical part of the object. The following day, Keaton and Arbuckle started working together.
Talvez a união deles tenha sido obra do destino. Há boatos de que Keaton tinha grande ressentimento de Arbuckle, pois o gordo comediante havia copiado em um de seus filmes uma rotina que Keaton apresentava no vaudeville. Verdade ou boato, o que se sabe é que os dois se conheceram em Nova York, na sede dos estúdios Comique, que pertencia a Arbuckle. O estúdio funcionava no terceiro andar de um prédio, e nos outros dois as irmãs Talmadge, Norma e Constance, trabalhavam em seus respectivos filmes. Keaton se casaria com a menos famosa das irmãs, Natalie Talmadge, em 1921.

Maybe their partnership was fate. There are rumors that Keaton had hard feelings about Arbuckle, because he had copied in a movie a routine Buster originated in vaudeville. True or false, what we know is that they met in New York, at the headquarters of the Comique studios that belonged to Arbuckle. The studio was on the third floor of a building. On the first and second floor the Talmadge sisters shot their films. Keaton would later marry the least famous of the sisters, Natalie Talmadge, in 1921.
Ao lado de Arbuckle, os papéis de Keaton eram muito diferentes daqueles pelos quais ele ficou conhecido mais tarde. Keaton raramente fazia acrobacias ousadas, era coadjuvante e... sorridente. Em “Oh, Doctor!” (1917) seu bom-humor desperta a ira de seu pai, interpretado por Arbuckle. Em “Good Night, Nurse!” (1918) Buster é um médico que flerta desajeitadamente com um Roscoe disfarçado de enfermeira. Em “Coney Island” (1917), meu favorito dos filmes de Arbuckle e Keaton, Buster gargalha longamente em duas cenas!

With Arbuckle, Keaton's roles were much unlike the ones that made him more famous later on. Keaton rarely performed acrobatics, was a supporting character and often smile. In “Oh, Doctor” (1917), his great sense of humor is the reason for his father's anger – the father is played by Arbuckle. In “Good Night, Nurse!” (1918), Buster is a doctor who flirts with Roscoe, disguised as a nurse. In “Coney Island” (1917), my favorite of the Arbuckle-Keaton films, Buster laughs out loud in two scenes!
Em 1920, Arbuckle aceitou uma proposta incrível da Paramount: um contrato de três milhões de dólares por três anos e dezoito filmes. Ele transferiu para Keaton sua parte no estúdio Comique. A esta altura, Arbuckle já havia ensinado a Keaton todas as minúcias do trabalho de ator, diretor, roteirista, comediante e acrobata. Ainda em 1920, Douglas Fairbanks indicou Keaton para estrelar o remake de seu filme “The Lamb”, e assim Keaton protagonizou seu primeiro longa-metragem: “The Saphead”.

In 1920, Arbuckle accepted an incredible offer from Paramount: a three-million-dollar contract that covered three years and eighteen films. He gave Buster his share of the Comique studios. At this time, Arbuckle had already taught Keaton all about being an actor, director, writer, comedian and acrobat. Still in 1920, Douglas Fairbanks asked Keaton to star in the remake of his film “The Lamb”, and that's how Keaton starred in his first feature film: “The Saphead”.
1921 foi o ano fatal para a carreira de Arbuckle: ele se envolveu no escândalo da morte da aspirante a atriz Virginia Rappe, após uma festa regada a álcool. Keaton, Chaplin e Mabel Normand saíram em defesa do amigo quando ele foi injustamente acusado de estuprar Virginia e, mesmo sendo absolvido após três julgamentos, Arbuckle teve sua reputação destruída.

1921 was the fatal year for Arbuckle's career: he got involved in the scandal of the death of aspiring actress Virginia Rappe after a booze-filled party. Keaton, Chaplin and Mabel defended their friend when he was injustly accused of raping Virginia. Even though he was considered innocent after three trials, Arbuckle had his reputation destroyed.
Dos amigos, Buster foi o que mais se esforçou para ajudar Arbuckle: ele filmou um roteiro de Arbuckle, dando origem ao curta-metragem “Daydreams” (1922), e ofereceu o posto de co-diretor de “Sherlock Jr” (1924) ao amigo. Não se sabe se as cenas filmadas por Arbuckle foram usadas ou descartadas.

From the friends, Buster was the one who made the biggest effort to help Arbuckle: he filmed one of Roscoe's scripts, the short film “Daydreams” (1922) and offered Fatty the job of co-director in “Sherlock Jr” (1924). It's not known if the scenes shot by Arbuckle were used or discarded.
Arbuckle voltou aos palcos em meados dos anos 20, e também trabalhava por trás das câmeras sob o pseudônimo William Goodrich. Em 1927, ele ajudou um jovem comediante a conseguir um lugar em Hollywood. O nome desse jovem que impressionou Fatty Arbuckle era Bob Hope.

Arbuckle went back to the stage in the mid-1920s, and also worked behind the cameras under the pseudonym William Goodrich. In 1927, he helped a young comedian get a job in Hollywood. The young man who impressed Fatty Arbuckle was Bob Hope.
Buster Keaton se transformou em um dos maiores comediantes da história, até perder o controle criativo sobre seus filmes em 1928, quando foi contratado pela MGM. Arbuckle foi perdoado por Hollywood e recontratado pela Warner em 1933, mas a alegria durou pouco: Roscoe ‘Fatty’ Arbuckle fez dois curta-metragens e morreu logo após assinar um contrato para um longa-metragem. Hoje é mais lembrado pelo escândalo que arruinou sua carreira, mas deveria ser reconhecido como o grande artista e aquele que ensinou ao inigualável Keaton tudo sobre o cinema.

Buster Keaton became of the greatest comedians in film history until he lost creative control over his films when he was hired by MGM in 1928. Arbuckle was pardoned by Hollywood and hired again by Warner Brothers, but his happiness didn't last long: Roscoe 'Fatty' Arbuckle did two short films and died right after he was signed to make a feature. Today he is best remembered by the scandal that ruined his career, but he should be recognized as a great artist and the one guy who taught Keaton everything about the movies.
Keaton e Arbuckle fizeram 14 filmes juntos. Treze deles (pois “A Country Hero” está perdido) podem ser vistos NESTA PLAYLIST.

Keaon and Arbuckle did 14 films together. Thirteen of them (because “A Country Hero” is lost) can be wacthed in THIS PLAYLIST.


This is my contribution to the Second Annual Buster Keaton Blogathon, hosted by Lea at Silent-ology.

Thursday, February 4, 2016

Nanook, o Esquimó / Nanook of the North (1922)

Metonímia é uma figura de linguagem que substitui o todo pela parte. Assim, um só indivíduo pode se tornar parâmetro para uma comunidade ou um povo inteiro. Foi assim que Nanook se transformou no esquimó-modelo: o astro do documentário de Robert J. Flaherty tipificou um povo e apresentou-o ao mundo. Como o próprio Flaherty nota no prefácio, a expedição não tinha intenção de transformar a vida dos esquimós em filme, Flaherty não tinha nenhuma experiência no cinema e sua primeira tentativa, consumida pelas chamas, nem era muito boa. Mas o assunto era tão interessante quanto um show de horrores, e a morte do protagonista logo após as filmagens deu um impulso de marketing inesperado e auspicioso.
 
 
Apesar das condições naturais desafiadoras, os esquimós são apresentados como o povo mais feliz do planeta: alegres, destemidos e amáveis. E a vida era muito, muito difícil! Num ambiente congelante, nunca se sabe de onde virá a próxima refeição que, aliás, deve ser caçada pelos próprios esquimós. Além da grande família, as focas e leões-marinhos abatidos alimentam os cachorros, e as raposas pegas são levadas para postos de troca onde o esquimó tem seu único contato com o homem branco.
O escambo é muito similar ao praticado entre índios e colonizadores: os esquimós trocam dezenas de peles de raposa branca por contas, facas e doces do homem branco. É o retrato do bom selvagem, que se surpreende com um gramofone e para quem, de fato, a ignorância é uma virtude.


E é aí que surgem as duas perguntas mais importantes sobre o filme. Primeiro: como coube tanta gente em um caiaque tão pequeno? Segundo, e mais importante: qual é o limite entre ficção e documentário?
Os esquimós tinham a noção de que estavam sendo filmados, embora o conceito de cinema fosse alienígena para eles. E só saber que você está sendo filmado já muda o comportamento, ainda que inconscientemente. Então os documentários válidos são apenas aqueles filmados com câmeras escondidas?
Pensando assim, os irmãos Lumière têm mais de documentaristas que o primeiro documentarista do cinema, Flaherty. Como espectador do mundo, Flaherty prestava muita atenção nas comunidades em que se infiltrava (ele fez o mesmo com seu documentário seguinte, “Moana”, de 1926). Flaherty tinha uma técnica de imersão inovadora, e isso o destaca dos outros documentaristas.
Não há nada de espontâneo em nossos personagens. Nanook se chama, na verdade, Allakariallak (Nanook, além de ser um nome muito mais simples, é uma divindade da mitologia esquimó, representada por um urso polar). A esposa de Nanook, Nyla, nada tinha a ver com ele, e se envolveu romanticamente com o diretor Robert J. Flaherty. Segundo alguns testemunhos, Flaherty abandonou-a grávida e nunca reconheceu o filho que ela teve.
 
 
O filme também ensina como construir um maravilhoso iglu, na cena mais natural e descontraída. Muito verdadeiras também são as cenas de caçada, pois não dá para adestrar as presas selvagens: focas, lobos, leões-marinhos e cachorros seguem apenas seus instintos, e não as ordens de um diretor. Mas isso não significa que tudo é natural na caçada: embora os esquimós tivessem armas de fogo para abater leões-marinhos, Flaherty insistiu que eles usassem arpões rudimentares para a filmagem.
 
 
Entretanto, uma coisa Flaherty não pôde modificar: a fúria da natureza. A natureza é uma das personagens principais do filme, uma antagonista contra quem nossos heróis lutam diariamente, e perder uma batalha para ela significa perder a vida. O ambiente ártico é o elemento mais autêntico do filme, e talvez por isso o mais perigoso, assustador e aquele que mais nos impressiona. Só de imaginar o inverno incrivelmente rigoroso do Canadá, eu fico satisfeita por não ser uma esquimó – mesmo eles sendo o povo mais feliz do mundo.
 

 
“Nanook, o Esquimó / Nanook of the North” não é o melhor documentário do mundo, e é bem inferior ao melhor do cinema mudo, “Um homem com uma câmera” (1929). Mas é pungente, é curioso, é surpreendente, é nojento, é audacioso, é divertido e é o primeiro a desafiar os conceitos de ficção e realidade, dando origem a um debate que nunca teve fim.

“Nanook of the North” (1922) pode ser visto no YouTube (em HD!) e no Internet Archive (em baixíssima definição).

This is my contribution to the Second O Canada Blogathon, hosted by Ruth at Silver Screenings and Kristina at Speakeasy.
 
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